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Avanço Contra a Cegueira: Descoberta Abre Caminho Para Novos Medicamentos Oculares

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 10 de set.
  • 6 min de leitura

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Cientistas descobriram que uma proteína chamada PRL3, já estudada no tratamento de câncer, também está ligada a doenças oculares graves que causam perda de visão, como a degeneração macular e a retinopatia diabética. Essa proteína ajuda a formar vasos sanguíneos defeituosos no olho. Um novo medicamento que bloqueia a PRL3 mostrou resultados promissores em testes com animais, podendo ser uma alternativa mais eficaz e segura aos tratamentos atuais com injeções no olho.


A angiogênese é o processo biológico responsável por formar novos vasos sanguíneos a partir de vasos já existentes. Esse mecanismo é normal e essencial para funções como cicatrização de feridas e crescimento de tecidos. No entanto, em algumas doenças, a angiogênese acontece de forma desordenada e exagerada, resultando na formação de vasos sanguíneos anormais que não funcionam adequadamente. 


Esses vasos são frágeis, tortuosos e deixam escapar fluidos e sangue, o que pode causar inflamações e danos nos tecidos ao redor. No olho humano, esse crescimento descontrolado de vasos leva a sérias complicações, como perda progressiva da visão.


Duas das principais doenças oculares causadas por esse tipo de angiogênese anormal são a Degeneração Macular Relacionada à Idade (forma neovascular) e a Retinopatia Diabética, incluindo o Edema Macular Diabético. 


Ambas envolvem a formação de vasos sanguíneos anormais na retina, que é a camada de tecido responsável por captar a luz e enviar imagens ao cérebro. Quando esses vasos vazam, o acúmulo de líquido na retina distorce sua estrutura e funcionamento, comprometendo a visão.  


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Comparação esquemática de vasos sanguíneos maduros normais e vasos sanguíneos hiperpermeáveis ingênuos (criado no BioRender71).


Com o envelhecimento da população e o aumento de casos de diabetes, essas doenças têm se tornado cada vez mais comuns, afetando milhões de pessoas no mundo todo.


Desde os anos 1990, sabe-se que uma proteína chamada Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF) desempenha um papel central nesse processo. Em situações de baixa oxigenação (hipóxia) na retina, como ocorre no envelhecimento e no diabetes, as células da retina liberam o VEGF para tentar restabelecer o fornecimento de oxigênio por meio da criação de novos vasos. 


No entanto, esse estímulo é excessivo e mal regulado, resultando em vasos frágeis e vazantes. Para conter esse problema, surgiram os medicamentos anti-VEGF, que bloqueiam essa proteína. Esses medicamentos são injetados diretamente dentro do olho, no chamado espaço vítreo, e têm mostrado bons resultados em muitos pacientes, reduzindo o vazamento e até melhorando a visão em alguns casos.


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Contudo, nem todos se beneficiam dessas terapias. Estudos mostram que entre 37% e 45% dos pacientes com degeneração macular e cerca de 40% com retinopatia diabética não respondem bem ao tratamento. Em alguns casos, mesmo com aplicações regulares, a doença continua a progredir. 


Além disso, os tratamentos anti-VEGF exigem injeções oculares frequentes, o que causa desconforto, riscos de infecções graves (como a endoftalmite), e complicações como descolamento de retina, hemorragias ou cataratas traumáticas. 


Ainda, como o VEGF também tem funções importantes em outras partes do corpo, como no coração e no cérebro, há preocupação com os efeitos colaterais em longo prazo, especialmente em pessoas que já têm doenças cardiovasculares.

Diante dessas limitações, pesquisadores têm buscado alvos alternativos ao VEGF, com o objetivo de encontrar terapias mais eficazes e menos invasivas. Um desses alvos é uma proteína chamada PRL3, originalmente estudada no contexto do câncer. 


A PRL3 é uma enzima (fosfatase) que regula diversos processos celulares e foi descoberta por estar altamente ativa em vários tipos de câncer, ajudando as células tumorais a crescerem, invadirem outros tecidos e formarem novos vasos sanguíneos. Estudos anteriores mostraram que bloquear a PRL3 em tumores com anticorpos específicos pode reduzir o crescimento do câncer e impedir sua volta após o tratamento.


Recentemente, cientistas observaram que a PRL3 também está presente em níveis aumentados em tecidos oculares doentes, como a retina e a coroide, especialmente em modelos experimentais de doenças neovasculares do olho. Isso sugeriu que, além do câncer, a PRL3 também pode participar da angiogênese patológica ocular.  


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Em testes com animais, a aplicação de anticorpos que bloqueiam a PRL3 por via intravenosa (ou seja, diretamente na corrente sanguínea) reduziu de forma significativa o vazamento de vasos sanguíneos na retina. Curiosamente, esse efeito foi ainda mais forte do que o obtido com a aplicação intravítrea tradicional, possivelmente porque a dose administrada pela veia pode ser maior e distribuir-se melhor pelo corpo.


Os estudos também mostraram que, quando células endoteliais da retina (que formam os vasos sanguíneos) são expostas ao VEGF, elas aumentam a produção de PRL3. Além disso, quando a PRL3 é superativada, essas células passam a se multiplicar e migrar mais rapidamente, além de se tornarem mais permeáveis, todas características de vasos anormais. 


Quando a PRL3 é "silenciada" nas células, mesmo a presença do VEGF não é suficiente para provocar esses efeitos. Isso indica que a PRL3 é uma espécie de intermediária ou facilitadora da ação do VEGF, ou seja, mesmo que o VEGF esteja presente, ele precisa da PRL3 para exercer seu papel totalmente.

Diante disso, surge a perspectiva de redirecionar o PRL3-zumabe,  um anticorpo monoclonal humanizado contra a PRL3, já em uso experimental para o tratamento de cânceres,  para o combate a doenças oculares causadas por angiogênese anormal. 


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Este experimento foi feito com células humanas da retina (HRMECs), que são importantes para a saúde da visão. Os cientistas queriam entender o que acontece quando uma proteína chamada PRL3 é colocada nessas células. HRMEC: são células dos vasos sanguíneos da retina humana (Human Retinal Microvascular Endothelial Cells). PRL3: é uma proteína associada ao câncer, que aqui está sendo estudada por seu papel em doenças dos olhos. GFP: é uma proteína fluorescente verde usada como marcador para saber se o experimento funcionou (as células que brilham em verde receberam corretamente o DNA com a PRL3 ou o vetor controle). ZO-1: é uma proteína importante que mantém as células grudadas umas nas outras, como uma “vedação” ou “barreira”. Quanto mais ZO-1 visível, melhor a integridade da camada de células. Vector: é o grupo controle, as células que não receberam a proteína PRL3.  A e C (lado esquerdo): células controle (sem PRL3). Mostram forte marcação vermelha para ZO-1 nas bordas das células (linhas claras entre os núcleos azuis), ou seja, a barreira celular está bem formada. B e D (lado direito): células com a proteína PRL3. O ZO-1 está menos visível (linhas vermelhas mais fracas), o que indica que a integridade da barreira celular está prejudicada. As setas brancas apontam: Nas imagens A e B: onde o ZO-1 está mais claramente visível (melhor nas células sem PRL3). Nas imagens D: onde a proteína PRL3 se localiza nas células (principalmente nas membranas e dentro das células). E, o gráfico mostra a quantidade de ZO-1 (a proteína de barreira) nas células com e sem PRL3. As células com PRL3 têm significativamente menos ZO-1 (barras mais baixas), o que sugere que essa proteína enfraquece a barreira celular.


Esse anticorpo tem demonstrado um excelente perfil de segurança em estudos clínicos de Fase II em humanos, sem efeitos colaterais graves. Se for comprovada sua eficácia em doenças oculares, ele pode representar uma nova classe de tratamento, potencialmente mais segura, menos invasiva e eficaz mesmo para pacientes que não respondem aos medicamentos anti-VEGF.


Esse tipo de avanço representa uma mudança de paradigma no tratamento da cegueira causada por doenças vasculares da retina. Mais do que bloquear um único fator como o VEGF, novas terapias como o PRL3-zumabe oferecem a possibilidade de interromper toda uma rede de sinalização celular que sustenta o crescimento desorganizado de vasos.


Além disso, o uso de terapias intravenosas pode evitar os riscos diretos associados às injeções intraoculares, ampliando o acesso e segurança para milhões de pacientes ao redor do mundo.



LEIA MAIS:


PRL3-zumab as an anti-angiogenic therapy in neovascular eye diseases

Koon Hwee Ang, Min Thura, Queenie Shu Woon Tan, Abhishek Gupta, Kam Yew Kuan, Jie Li, Pei Ling Chia, Beiying Qiu, Jimmy Ming Hong, Ke Guo, Xiaomeng Wang, Xinyi Su, and Qi Zeng 

Nature Communications, volume 16 : 4791 (2025)


Abstract: 

 

Neovascular eye diseases represent a major cause of irreversible blindness. Here, we report the specific upregulation of endogenous PRL3 protein in diseased choroid-RPE in choroidal neovascularization (CNV) mouse model (male), and diseased retina in oxygen-induced retinopathy (OIR) mouse model (mixed gender), indicating PRL3’s role in neovascularization. Intravenous (IV) delivery of anti-PRL3 antibody in CNV model demonstrates superior efficacy in reducing vascular leakage compared to intravitreal (IVT) route due to larger dose permitted by IV. VEGF treatment upregulates endogenous PRL3 protein in human retinal microvascular endothelial cells (HRMECs). Retroviral PRL3 overexpression in HRMECs promotes endothelial proliferation, migration and permeability by facilitating the phosphorylation of ERK1/2, AKT, Paxillin and SRC. However, VEGF-induced proliferation is absent in PRL3-knockout HRMECs. PRL3-zumab, an anti-PRL3 humanized monoclonal antibody, has shown a strong safety profile in ongoing multi-national Phase II trials as an intravenous-administered cancer immunotherapeutic. PRL3’s involvement in ocular pathological angiogenesis suggests the potential of repurposing PRL3-zumab to treat neovascular eye diseases.

 
 
 

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