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Minicérebros Com Sistema Vascular Podem Revolucionar Testes De Medicamentos Para o Cérebro

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 7 de ago.
  • 6 min de leitura
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Cientistas criaram uma nova tecnologia de mini-cérebros em laboratório que imita melhor o cérebro humano em desenvolvimento. Esses “organoides multirregionais” combinam diferentes partes do cérebro com vasos sanguíneos complexos, permitindo estudar de forma mais realista como o cérebro se forma e como surgem doenças como autismo e esquizofrenia. Essa inovação pode ajudar a entender melhor esses transtornos e testar novos tratamentos.


As doenças neurológicas representam um grande desafio no mundo moderno, afetando mais de um bilhão de pessoas. Um grupo particularmente sensível é o das crianças com transtornos do neurodesenvolvimento. Em 2019, cerca de 317 milhões de crianças em todo o mundo apresentavam algum tipo de deficiência no desenvolvimento neurológico, o que gera impactos profundos na vida das famílias, além de sobrecarregar sistemas de saúde e educação. 


Para entender melhor como o cérebro se desenvolve e como surgem esses distúrbios, os cientistas têm investido no uso de organoides cerebrais, estruturas cultivadas em laboratório a partir de células-tronco, que se organizam e crescem de maneira semelhante ao cérebro humano em formação. 

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Recentemente, as técnicas para criar esses organoides melhoraram. Agora é possível produzir estruturas que combinam diferentes partes do cérebro, como o córtex (parte mais externa e complexa), o mesencéfalo e o rombencéfalo (regiões mais internas e primitivas). Isso permite uma visão mais completa de como o cérebro se desenvolve como um todo. 


No entanto, ainda havia limitações importantes nessas abordagens. A primeira é que, até então, não era possível integrar vasos sanguíneos funcionais em todas essas regiões ao mesmo tempo. A segunda é que, quando se tentava incluir vasos sanguíneos, usavam-se células isoladas da veia umbilical humana (chamadas HUVECs), que são úteis, mas não representam a complexidade real do sistema vascular cerebral.


Na prática, o cérebro em desenvolvimento não cresce isoladamente. Ele se desenvolve em conjunto com o sistema de vasos sanguíneos (o sistema endotelial), que não só fornece nutrientes e oxigênio, mas também emite sinais que influenciam diretamente o crescimento e a especialização das células cerebrais. Por isso, ignorar essa interação pode limitar muito a utilidade dos modelos criados em laboratório.  

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Alguns estudos tentaram gerar vasos sanguíneos nos organoides usando biorreatores ou sistemas de microfluidos (que aplicam pressão controlada sobre as células), mas essas tentativas focavam apenas em uma parte do cérebro e não usavam sistemas vasculares complexos.


Para superar essas limitações, os pesquisadores desenvolveram uma nova tecnologia chamada Organoides Cerebrais Multirregionais, ou MRBOs, na sigla em inglês. Essa plataforma combina, em uma mesma estrutura, organoides que representam diferentes partes do cérebro (córtex, mesencéfalo e rombencéfalo) junto com organoides endoteliais complexos, ou seja, mini vasos sanguíneos em forma de organoides que possuem diversos tipos de células vasculares: células-tronco vasculares, pericitos (que sustentam os vasos), células que promovem a formação de novos vasos, células maduras e células de suporte.


Esse conjunto imita de forma mais realista o ambiente neurovascular do cérebro humano em desenvolvimento.

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Annie Kathuria e equipe. Crédito: Will Kirk / Universidade Johns Hopkins


O processo de criação dos MRBOs envolve duas etapas principais. Primeiro, cada organoide, seja cerebral ou vascular, é formado individualmente por meio da ativação de sinais genéticos específicos que orientam o destino das células-tronco. Depois, esses organoides são unidos sob condições cuidadosamente ajustadas para que se fundam sem perder suas identidades.


Isso significa que o córtex, o mesencéfalo, o rombencéfalo e os vasos sanguíneos conseguem manter suas características únicas e ao mesmo tempo se comunicam e se organizam como fariam no cérebro fetal.


Para testar a eficácia dessa nova plataforma, os cientistas usaram uma técnica chamada sequenciamento de RNA de núcleo único. Ela permite analisar, célula por célula, quais genes estão ativos, identificando quais tipos de células estão presentes em cada região. 


Os resultados mostraram que os MRBOs formam populações de células cerebrais específicas de cada região, e também células vasculares altamente especializadas. Além disso, as análises mostraram que os MRBOs conseguem reproduzir cerca de 80% dos tipos celulares encontrados no cérebro fetal humano nos estágios iniciais de desenvolvimento.


Os cientistas também utilizaram um sistema chamado CellChat, que mapeia como as células "conversam" entre si por meio de moléculas sinalizadoras. Com isso, descobriram 13 interações entre células cerebrais e vasos sanguíneos que nunca tinham sido descritas antes. 

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e) Imunohistoquímica de MRBOs no dia 60 mostrando PHOX2B, CD34, SV2A, Cux1, HOXB3, Nestin, SOX10, β-tubulina, ZO-1 e CD31. Barras de escala: 50 µm (imagens gerais), 25 µm (ZO-1, CD31). Este painel apresenta imagens obtidas por imunohistoquímica (um tipo de coloração que destaca proteínas específicas em tecidos) dos MRBOs no 60º dia de desenvolvimento. Cada marcador visualizado serve para identificar diferentes tipos de células ou estruturas: PHOX2B e HOXB3 indicam regiões do tronco encefálico, CD34 e CD31 são usados para marcar vasos sanguíneos, SV2A é um marcador de sinapses (comunicação entre neurônios), Cux1 e β-tubulina indicam neurônios, Nestin e SOX10 indicam células progenitoras neurais e gliais, ZO-1 está ligado à barreira hematoencefálica. As barras de escala ajudam a ter noção do tamanho


f) Imunocoloração de organoides cerebrais para MBP, Nestin, Cux1, CTIP2, GFAP e MAP2. Barras de escala: 50 μm (visão geral DAPI), 25 μm (marcadores individuais). Aqui, os cientistas mostraram a coloração de organoides específicos para analisar diferentes tipos de celulares. Os marcadores usados ajudam a identificar funções específicas no cérebro: MBP mostra células da mielina (envoltório dos neurônios), Nestin indica células-tronco neurais, Cux1 e CTIP2 identificam diferentes camadas do córtex cerebral, GFAP marca astrócitos (células de suporte), MAP2 revela os dendritos dos neurônios. A imagem também usa DAPI, uma coloração que marca os núcleos celulares.


g) Imunocoloração de montagem total de MHO para DAPI, Gephyrin, Sox10, MAP2, TH, PHOX2B, β-tubulina e VAChT. Barra de escala: 50 μm. Neste painel, foi utilizada uma técnica chamada "imunocoloração de montagem total", que permite visualizar o organoide inteiro de uma só vez, em vez de cortar fatias. Os marcadores usados revelam funções neurológicas variadas: DAPI para núcleos celulares, Gefirina para sinapses inibitórias, Sox10 para células gliais, MAP2 para neurônios, TH (tirosina hidroxilase) e VAChT para neurônios dopaminérgicos e colinérgicos, respectivamente, PHOX2B para neurônios do tronco encefálico, β-tubulina para o citoesqueleto dos neurônios.


h) Organoides endoteliais mostrando captação de CD31, PDGFβ, VEGFR2 e Dil-Ac-LDL. Este painel mostra organoides vasculares (que simulam vasos sanguíneos) com focos em proteínas importantes para o desenvolvimento de vasos. CD31 é um marcador clássico de células endoteliais, PDGFβ e VEGFR2 são moléculas envolvidas na formação de vasos e crescimento celular, A captação de Dil-Ac-LDL é uma técnica que mostra a capacidade das células de absorver partículas semelhantes ao sangue, diminuindo que são funcionalmente semelhantes às células reais dos vasos.


Isso tudo confirma que essas células se comportam como vasos sanguíneos humanos.

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Uma das descobertas mais interessantes foi que certos sinais químicos emitidos pelos vasos são  essenciais para o desenvolvimento do rombencéfalo, mas não para o córtex. Isso indica que os vasos sanguíneos participam ativamente da formação regional do cérebro, ajudando a moldar suas diferentes partes de forma única.


Essa nova plataforma representa um enorme avanço na ciência, pois permite estudar o cérebro humano de forma muito mais próxima da realidade, considerando múltiplas regiões ao mesmo tempo e incorporando o papel dos vasos sanguíneos. Isso abre novas possibilidades para investigar as causas de transtornos do neurodesenvolvimento, como autismo, esquizofrenia e transtorno bipolar, todos marcados por falhas na comunicação entre regiões do cérebro. 


A tecnologia dos MRBOs oferece, portanto, uma ferramenta poderosa para entender essas doenças, testar tratamentos e estudar como fatores ambientais e genéticos interferem no desenvolvimento do cérebro ainda em formação.



LEIA MAIS:


Multi-Region Brain Organoids Integrating Cerebral, Mid-Hindbrain, and Endothelial Systems

Anannya Kshirsagar, Hayk Mnatsakanyan, Sai Kulkarni, John Guo, Kai Cheng, Luke Daniel Ofria, Oce Bohra, Ram Sagar, Vasiliki Mahairaki, Christian E Badr, and Annie Kathuria

Advanced Science, e03768, 08 July 2025


Abstract: 


Brain organoid technology has revolutionized the ability to model human neurodevelopment in vitro. However, current techniques remain limited by their reliance on simplified endothelial cell populations. Multi-Region Brain Organoids (MRBOs) are engineered that integrate cerebral, mid/hindbrain, and complex endothelial organoids into one structure. Unlike earlier approaches based on isolated Human Umbilical Vein Endothelial Cells, the endothelial organoids contain diverse vascular cell types, including progenitors, mature endothelial cells, pericytes, proliferating angiogenic cells, and stromal cells. The strategy employs sequential modulation of key developmental pathways to generate individual organoids, followed by optimized fusion conditions that maintain regional identities while supporting cellular integration. Single-nucleus RNA sequencing reveals that MRBOs develop discrete neural populations specific to each brain region alongside specialized endothelial populations that establish paracrine signaling networks. Integration analysis with human fetal brain data shows that MRBOs contribute to 80% of cellular clusters found in human fetal brain tissue (Carnegie stages 12–16). CellChat analysis identifies 13 previously uncharacterized endothelial-neural signaling interactions. Endothelial-derived factors are uncovered that support intermediate progenitor populations during hindbrain development, but not cerebral development, revealing a role for endothelial populations in regional brain patterning. This platform enables matching of multiple developmental regions while incorporating endothelial components, providing opportunities for studying neurodevelopmental disorders with disrupted neural-endothelial interactions.

 
 
 

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