Estudo Revolucionário Observa Alzheimer em Tempo Real com Cérebro Mantido Vivo em Laboratório
- Lidi Garcia
- 21 de mai.
- 5 min de leitura

A doença de Alzheimer é causada pelo acúmulo de proteínas anormais no cérebro, que prejudicam as conexões entre os neurônios e levam à perda de memória e outras funções. Um novo estudo usou fatias de cérebro humano vivo, mantidas em laboratório, para observar como essas proteínas se comportam. Os cientistas descobriram que mudanças nos níveis dessas substâncias afetam diretamente as sinapses e variam com a idade, região do cérebro e até o sexo da pessoa. Essa pesquisa ajuda a entender melhor o início da doença e pode abrir caminho para tratamentos mais eficazes.
A doença de Alzheimer é um tipo comum de demência que vai piorando com o tempo e, infelizmente, pode limitar bastante a vida da pessoa. No cérebro, ela causa inflamação, encolhimento de regiões cerebrais (com perda de neurônios e conexões entre eles) e acúmulo de duas substâncias: as placas de beta-amiloide e os emaranhados de uma proteína chamada tau.
A ciência já sabe que a perda dessas conexões, chamadas sinapses, é o que mais se relaciona com os problemas de memória e pensamento. Por isso, entender como essas substâncias alteram as sinapses nos estágios iniciais da doença é essencial para buscar tratamentos melhores.
Apesar de muitos estudos com modelos animais e células em laboratório mostrarem que o acúmulo dessas proteínas é prejudicial para as sinapses, as terapias criadas a partir disso ainda não trouxeram grandes resultados para as pessoas. Parte do problema é que esses modelos não imitam com precisão o cérebro humano, que é muito mais complexo, tem maior diversidade celular, vive mais e funciona de maneira diferente.

Nos últimos anos, a medicina tem avançado no rastreamento da beta-amiloide e da tau em pacientes vivos, mas ainda é difícil medir com precisão como essas proteínas se comportam no cérebro humano saudável, em tempo real.
Um dos métodos é a análise do líquido cefalorraquidiano (o fluido que circula ao redor do cérebro e da medula), onde é possível ver alterações nos níveis dessas proteínas à medida que envelhecemos, principalmente em pessoas com risco genético para Alzheimer.
Outros biomarcadores também têm sido estudados, como a neurogranina (que indica danos nas sinapses) e a KLK-6 (ligada ao envelhecimento), mas os resultados ainda são influenciados por muitos fatores, como o relógio biológico, a quebra da barreira protetora do cérebro e o modo como o corpo produz ou elimina essas proteínas.

Outro método mais direto de visualizar o cérebro é o exame chamado PET scan, que mostra o acúmulo de beta-amiloide e tau ao longo do tempo. Mas esse exame só detecta formas mais sólidas dessas proteínas, não as formas solúveis (mais tóxicas), e também tem limitações.
Já as análises feitas após a morte revelam apenas o estágio final da doença, quando o dano já está feito. Existe também a coleta do líquido intersticial cerebral (que banha diretamente os neurônios), mas esse procedimento é muito invasivo e só pode ser feito em pessoas que sofreram grandes traumas ou têm dispositivos implantados no cérebro.
Ou seja, ainda sabemos pouco sobre o que realmente acontece no cérebro de uma pessoa viva, ao longo da vida, especialmente em relação a como as sinapses reagem às mudanças nas proteínas beta-amiloide e tau.

Sabemos, por exemplo, que em animais e em neurônios cultivados em laboratório, a beta-amiloide pode se ligar às sinapses e danificá-las. Também sabemos que reduções drásticas dessa proteína podem afetar funções normais, indicando que ela tem algum papel saudável no cérebro. O grande desafio é entender como isso tudo se dá no cérebro humano real, em tempo real.
Uma nova técnica vem ajudando bastante: o uso de fatias de cérebro humano vivo mantidas em laboratório, obtidas com autorização durante cirurgias que já aconteceriam (como as de epilepsia ou tumores).

Tecido cerebral humano seccionado em fatias finas usando um vibratome. Crédito: Universidade de Edimburgo
Essas fatias são mantidas vivas por um tempo em laboratório e permitem estudar como os neurônios humanos funcionam de verdade. Com elas, cientistas já conseguiram mostrar que a aplicação de beta-amiloide sintética altera a expressão de genes ligados às sinapses e provoca a absorção dessa proteína pelo tecido cerebral.
No estudo mais recente, os cientistas usaram essas fatias vivas para ver como o cérebro humano libera beta-amiloide, tau e outros marcadores de doenças. Descobriram que a liberação dessas proteínas varia de acordo com a idade, região do cérebro e até o sexo da pessoa.

Caracterização de culturas de fatias de cérebro humano. a. A imagem mostra uma visão geral de como são feitas as culturas de fatias de cérebro humano. Tudo começa com a remoção de um pequeno pedaço de tecido cerebral durante uma cirurgia de tumor cerebral. Esse tecido é então cortado em fatias finas e colocado em placas de laboratório para ser estudado. b–g. As imagens de b a g mostram essas fatias de cérebro depois de 7 dias em cultura, usando corantes especiais (imunofluorescência) para destacar diferentes tipos de células do cérebro: MAP2: um marcador de neurônios, ajuda a visualizar os "braços" das células nervosas. NeuN: outro marcador que mostra os corpos dos neurônios. MAP2 (em rosa) e NeuN (em amarelo) combinados numa única imagem. Iba1: mostra as células da microglia, responsáveis por “limpar” o cérebro. P2RY12: outro marcador de microglia, específico para quando estão saudáveis. GFAP: mostra os astrócitos, células de suporte dos neurônios. A seta branca aponta para uma parte de um astrócito que está se enrolando em volta de um vaso sanguíneo. h–i. Estas imagens mostram o funcionamento elétrico dessas fatias de cérebro: h. Mostra como os neurônios respondem a pequenos choques elétricos, eles disparam impulsos, como fariam normalmente no cérebro. i. Mostra que, mesmo em repouso, os neurônios continuam se comunicando entre si com sinais elétricos, o que indica que as sinapses (ligações entre neurônios) estão ativas. Esses dados vieram de 6 pacientes no teste dos marcadores celulares (b–g) e de 5 pacientes nas medições elétricas (h–i).
Quando eles alteraram artificialmente os níveis de beta-amiloide, tanto para mais quanto para menos, houve perda de pontos de conexão entre os neurônios. Porém, quando os níveis aumentaram um pouco, o cérebro pareceu tentar compensar, ativando genes sinápticos.
Já quando aplicaram beta-amiloide retirado de cérebros com Alzheimer, a proteína se ligou diretamente às partes pós-sinápticas e causou perda de conexões, mas sem ativar esse mecanismo de compensação.
Esses achados mostram que a beta-amiloide tem dois lados: em quantidades normais, pode ter funções importantes; mas quando se acumula de maneira patológica, como no Alzheimer, ela se torna tóxica e destrói as conexões cerebrais.
O estudo também reforça que essas culturas de fatias de cérebro humano são uma ferramenta poderosa e promissora para entender melhor o que acontece nas fases iniciais da doença e, quem sabe, ajudar a desenvolver terapias mais eficazes no futuro.
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Divergent actions of physiological and pathological amyloid-β on synapses in live human brain slice cultures
Robert I. McGeachan, Soraya Meftah, Lewis W. Taylor, James H. Catterson, Danilo Negro, Calum Bonthron, Kristján Holt, Jane Tulloch, Jamie L. Rose, Francesco Gobbo, Ya Yin Chang, Jamie Elliott, Lauren McLay, Declan King, Imran Liaquat, Tara L. Spires-Jones, Sam A. Booker, Paul M. Brennan and Claire S. Durrant
Nature Communications. 16, 3753 (2025). 30 April 2025
DOI: 10.1038/s41467-025-58879-z
Abstract:
In Alzheimer’s disease, amyloid beta (Aβ) and tau pathology are thought to drive synapse loss. However, there is limited information on how endogenous levels of tau, Aβ and other biomarkers relate to patient characteristics, or how manipulating physiological levels of Aβ impacts synapses in living adult human brain. Using live human brain slice cultures, we report that Aβ1-40 and tau release levels vary with donor age and brain region, respectively. Release of other biomarkers such as KLK-6, NCAM-1, and Neurogranin vary between brain region, while TDP-43 and NCAM-1 release is impacted by sex. Pharmacological manipulation of Aβ in either direction results in a loss of synaptophysin puncta, with increased physiological Aβ triggering potentially compensatory synaptic transcript changes. In contrast, treatment with Aβ-containing Alzheimer’s disease brain extract results in post-synaptic Aβ uptake and pre-synaptic puncta loss without affecting synaptic transcripts. These data reveal distinct effects of physiological and pathological Aβ on synapses in human brain tissue.
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