Efeito Duplo: Medicamento Comum Pode Ajudar a Tratar Dependência de Álcool e Dor Crônica
- Lidi Garcia
- 30 de abr.
- 4 min de leitura

O estudo mostra que o apremilast, um inibidor da enzima PDE4 já aprovado para outras doenças, pode reduzir tanto o consumo excessivo de álcool quanto a dor associada ao transtorno por uso de álcool (TUA). Ele age aumentando a atividade de sinais cerebrais que controlam a inflamação e o estresse, especialmente em regiões como a amígdala. Os efeitos variam conforme o perfil genético e o sexo dos indivíduos, sugerindo um caminho promissor para tratamentos mais personalizados.
O transtorno por uso de álcool (TUA) é um problema grave de saúde pública em todo o mundo, tanto por seus impactos médicos quanto econômicos. Muitas pessoas acabam usando o álcool como uma forma de aliviar sintomas de estresse, ansiedade ou dor.
Esse comportamento de automedicação ajuda a explicar por que o transtorno por uso de álcool frequentemente aparece junto com outros problemas como depressão, ansiedade e dor crônica.
Além disso, homens e mulheres não são afetados da mesma forma por esses transtornos, eles apresentam respostas fisiológicas e emocionais diferentes, o que torna o tratamento mais complexo e exige abordagens personalizadas.

Recentemente, os cientistas começaram a investigar uma enzima chamada fosfodiesterase tipo 4 (PDE4) como possível alvo para o tratamento do transtorno por uso de álcool.
A PDE4 tem a função de "quebrar" uma molécula chamada AMPc, que atua como mensageira dentro das células, controlando processos como inflamação e sinalização cerebral. Existem quatro tipos dessa enzima (PDE4A, B, C e D), e ela é encontrada tanto no sistema imunológico quanto em regiões do cérebro ligadas ao prazer e à dependência. Estudos genéticos já associaram alterações na PDE4 com diversos transtornos neurológicos e comportamentais.
O medicamento apremilast, que já é aprovado para tratar doenças inflamatórias como psoríase e artrite psoriática, atua justamente inibindo a PDE4. Ao bloquear essa enzima, o apremilast permite que o AMPc permaneça ativo por mais tempo nas células, o que pode reduzir processos inflamatórios e modular a atividade de regiões cerebrais envolvidas na recompensa, estresse e dor.
Em estudos com humanos e animais, esse medicamento já demonstrou a capacidade de diminuir o consumo de álcool, especialmente em situações de compulsão e estresse.

Este novo estudo avaliou como o apremilast atua não só na redução do consumo de álcool, mas também na sensibilidade à dor associada ao uso crônico da substância, um problema chamado alodinia, em que estímulos normalmente inofensivos se tornam dolorosos.
Os pesquisadores testaram o medicamento em dois tipos de ratos: os Wistar, que servem como modelo padrão, e os msP, uma linhagem geneticamente selecionada por apresentar alta preferência por álcool, além de maior ansiedade e sensibilidade à dor.
Eles observaram que o consumo prolongado de álcool realmente aumentava a sensibilidade à dor, especialmente nos ratos msP. Porém, ao tratar esses animais com apremilast, tanto o consumo de álcool quanto a dor foram reduzidos, e esses efeitos persistiram mesmo após a interrupção do álcool.
Os pesquisadores também investigaram os efeitos do apremilast em uma região específica do cérebro chamada núcleo central da amígdala (CeA), que é importante para regular emoções como medo e estresse, além de estar ligada ao consumo de álcool e à dor. Essa região é composta principalmente por neurônios que usam GABA, um neurotransmissor inibitório que "freia" a atividade cerebral.

O estudo mostrou que o apremilast aumentou a atividade GABAérgica nesses neurônios nos ratos Wistar, mas não nos msP, sugerindo que os msP já apresentam alterações nas vias cerebrais por causa do uso excessivo de álcool.
Por fim, eles analisaram como o álcool afeta os genes relacionados à PDE4 no cérebro. Foi observado que o consumo de álcool aumenta a atividade dos genes Pde4a e Pde4b na amígdala, o que reforça a ideia de que essa enzima está diretamente envolvida na forma como o cérebro responde ao álcool e à dor.

O medicamento apremilast reduziu significativamente o consumo de álcool em ratos, tanto machos quanto fêmeas, e em duas linhagens diferentes: Wistar (linha comum de laboratório) e msP (ratos com preferência genética por álcool). Nos gráficos da esquerda (A, B, E, F), vemos que, à medida que a dose do remédio aumenta (10 ou 20 mg/kg), os ratos bebem menos álcool. Nos gráficos da direita (C, D, G, H), é mostrada a “preferência” dos animais, ou seja, o quanto eles escolhem beber álcool em vez de água. Essa preferência também caiu em alguns grupos, especialmente nas fêmeas Wistar. Os símbolos com asteriscos indicam que os resultados foram estatisticamente significativos, ou seja, as mudanças não aconteceram por acaso. Em resumo, o apremilast parece reduzir tanto a quantidade quanto a preferência por álcool em diferentes tipos de ratos e em ambos os sexos. Em resumo, o estudo sugere que o apremilast pode ser uma abordagem promissora para tratar tanto o consumo excessivo de álcool quanto a dor associada a esse transtorno.
O medicamento atua regulando sinais celulares importantes no cérebro, especialmente na região da amígdala, e seus efeitos parecem depender do histórico genético e biológico do indivíduo, incluindo possíveis diferenças entre machos e fêmeas. Esses achados abrem caminho para terapias mais eficazes e personalizadas no tratamento do transtorno por uso de álcool.
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Apremilast reduces co-occurring alcohol drinking and mechanical allodynia and regulates central amygdala GABAergic transmission
Valentina Vozella, Vittoria Borgonetti, Bryan Cruz, Celsey M. St. Onge, Ryan Bullard, Roman Vlkolinsky, Diego Gomez Ceballos, Angela R. Ozburn, Amanda J. Roberts, Roberto Ciccocioppo, Michal Bajo, and Marisa Roberto
JCI Insight. 2025;10 (8) : e189732.
Abstract
The FDA-approved phosphodiesterase type 4 (PDE4) inhibitor, apremilast, has been recently investigated as a pharmacotherapy for alcohol use disorder (AUD) with promising efficacy in rodent models and humans. However, apremilast’s effects on mechanical allodynia associated with AUD as well as distinct responses of this drug between males and females are understudied. The present study examined the behavioral and electrophysiological effects of apremilast in Marchigian Sardinian alcohol-preferring (msP) rats and their Wistar counterparts. We used a 2–bottle choice (2-BC) alcohol drinking procedure and tested mechanical sensitivity across our drinking regimen. Spontaneous inhibitory GABA-mediated postsynaptic currents from the central nucleus of the amygdala (CeA) following apremilast application were tested in a subset of rats using ex vivo electrophysiology. Transcript levels for Pde4a or -4b subtypes were assessed for their modulation by alcohol. Apremilast reduced alcohol drinking in both strains of rats. Apremilast reduced mechanical allodynia immediately after drinking, persisting into early and late abstinence. Apremilast increased GABAergic transmission in CeA slices of alcohol-exposed Wistars but not msP rats, suggesting neuroadaptations in msPs by excessive drinking and mechanical allodynia. Pde4 subtype transcript levels were increased in CeA by alcohol. These results suggest that apremilast alleviates co-occurring excessive drinking and pain sensitivity, and they further confirm PDE4’s role in pain-associated AUD.



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