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Do Ritual à Ciência: A Jornada da Ayahuasca na Saúde Mental

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 15 de mai.
  • 4 min de leitura

A ayahuasca é uma bebida usada tradicionalmente por povos indígenas da Amazônia e também em contextos religiosos. Ela pode causar visões e mudanças na percepção, e vem sendo estudada por seus possíveis benefícios para a saúde mental, como no tratamento da depressão e da ansiedade. No entanto, também pode provocar efeitos mentais negativos, especialmente em pessoas com histórico de problemas emocionais. Apesar disso, muitos usuários relatam melhorias no bem-estar, e algumas experiências consideradas difíceis podem, na verdade, fazer parte de um processo de cura.


A ayahuasca é uma bebida tradicional feita a partir de plantas da floresta amazônica, usada há muito tempo por povos indígenas da região como parte de rituais de cura e espiritualidade. Além disso, ela é utilizada como sacramento em algumas religiões brasileiras, que se espalharam por outros países nos últimos anos. 


Nos tempos mais recentes, a ayahuasca tem despertado interesse internacional, tanto entre profissionais de saúde mental quanto entre pesquisadores. Seu uso tem sido estudado principalmente por causa de seus possíveis efeitos positivos em problemas como depressão e ansiedade. No entanto, os possíveis riscos e efeitos negativos ainda são pouco compreendidos.


A ayahuasca é feita, principalmente, da combinação da videira Banisteriopsis caapi com folhas de plantas como Psychotria viridis ou Diplopterys cabrerana.


A primeira contém substâncias que impedem que certos compostos sejam destruídos no estômago, enquanto as outras fornecem o DMT, um composto que provoca efeitos alucinógenos ao alterar temporariamente a forma como o cérebro processa informações. 

Quando ingerida, a ayahuasca pode causar mudanças físicas e mentais: pode aumentar ligeiramente a pressão arterial, alterar hormônios e mudar a atividade do cérebro, além de afetar emoções, percepções e pensamentos.


Estudos feitos em ambientes controlados e também em cerimônias tradicionais mostram que a ayahuasca provoca uma série de sensações, como visões, sentimentos de bem-estar, introspecção e até experiências místicas. 


Por isso, vem sendo investigada como uma possível ajuda no tratamento de diversas condições de saúde mental, como depressão, ansiedade, luto, dependência química e até problemas relacionados ao estilo de vida, como colesterol alto.


Algumas pesquisas indicam que o uso regular pode até melhorar levemente o funcionamento do cérebro e estimular a capacidade de adaptação mental, algo chamado de neuroplasticidade. 

Apesar dos relatos promissores, ainda sabemos pouco sobre os efeitos negativos da ayahuasca, especialmente os que podem aparecer logo após o uso ou com o tempo. 


Para tentar entender melhor esse lado, cientistas realizaram uma grande pesquisa internacional com mais de 10 mil pessoas que participaram de cerimônias de ayahuasca em mais de 50 países. 


Nessa pesquisa, mais da metade dos participantes relataram algum tipo de efeito mental indesejado após o uso. Cerca de 12% chegaram a procurar ajuda profissional por causa disso, mas apenas uma pequena parte (4,4%) relatou efeitos graves.


Pessoas que já tinham histórico de problemas de saúde mental, como depressão ou ansiedade, ou que participaram de cerimônias fora do contexto tradicional, tinham maior chance de relatar esses efeitos adversos.


No entanto, nem todas as experiências intensas ou desconfortáveis foram vistas de forma negativa pelos participantes. Algumas sensações, como alucinações ou distorções visuais, muitas vezes foram interpretadas como parte do processo de cura ou autoconhecimento. Ou seja, o que pode parecer um efeito colateral, em alguns casos, acaba contribuindo para o bem-estar da pessoa. 

Neste estudo mais recente, os pesquisadores quiseram entender se esses efeitos adversos estavam  ligados ao estado atual da saúde mental dos usuários. Eles também analisaram o impacto de fatores como o contexto espiritual da cerimônia, a intensidade das experiências e sentimentos como medo extremo.


Para isso, os cientistas usaram ferramentas modernas de análise de dados, combinando métodos estatísticos tradicionais com inteligência artificial. 


Descobriram que pessoas com histórico de depressão ou ansiedade eram mais propensas a ter efeitos mentais adversos após usar a ayahuasca. Porém, em geral, os usuários mostraram níveis de saúde mental semelhantes aos da população em geral. 

Curiosamente, quanto mais experiências visuais e quanto maior o número de vezes que alguém usou a ayahuasca, melhor era o estado atual de saúde mental relatado. Mulheres relataram mais  efeitos adversos, mas isso não significou que estavam com a saúde mental pior.


Esses achados sugerem que precisamos repensar como classificamos os efeitos negativos das substâncias psicodélicas. Algumas experiências desafiadoras podem, na verdade, ajudar no processo de transformação pessoal, dependendo do contexto em que ocorrem e das características de cada indivíduo. 


Por isso, é fundamental oferecer suporte adequado, especialmente para quem já tem histórico de transtornos mentais. Isso pode ajudar a reduzir riscos e potencializar os benefícios terapêuticos da ayahuasca.



LEIA MAIS:


A new insight into ayahuasca’s adverse effects: Reanalysis and perspectives on its mediating role in mental health from the Global Ayahuasca Survey (GAS)

Óscar Andión, José Carlos Bouso, Jerome J. Sarris, Luís Fernando Tófoli, Emérita Satiro Opaleye, Daniel Perkins

PLOS Ment Health 2(4): e0000097.


Abstract:


Ayahuasca is a decoction native to the Amazon, where it plays a central role in the traditional medicine of many local cultures and has expanded internationally over the last decades. Ayahuasca has also attracted the interest of scientists for its potential benefits on mental health, but its adverse effects are under-researched. We analyzed data from the Global Ayahuasca Survey, including 10,836 participants who rated predetermined adverse effects. Data were collected from March 1st, 2017, to December 31st, 2019, and accessed for analysis on November 30th, 2021. Only DP and JJS had access to identifiable participant data. Machine learning and statistical methods were used to examine the relationship between sample characteristics, post-ayahuasca adverse mental states, and mental health outcomes measured by the 12-Item Short Form Survey (SF-12). Among participants, 14.2% (767) had a prior anxiety disorder and 19.7% (1,064) a depressive disorder. Despite this, the median SF-12 score was 50.16, comparable to the general population. A history of anxiety or depression was associated with more adverse mental states after ayahuasca use. However, increased experiences of “visual distortions” and higher ayahuasca use correlated with better mental health. Women reported more adverse states but did not show worsened mental health. The classification of adverse mental states in psychedelic research should be reconsidered, as certain experiences traditionally labeled as negative may contribute to long-term psychological benefits. The context in which these experiences occur, along with individual factors, plays a crucial role in determining whether these states lead to positive or negative outcomes. Understanding these dynamics is essential for improving harm reduction strategies and maximizing therapeutic potential. Individuals with a history of depression require special attention, as they are more prone to experiencing post-ayahuasca adverse mental states and may benefit from additional psychological support.

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