
Os cientistas descobriram que, nas fêmeas, o cromossomo X materno pode ter um efeito negativo no envelhecimento do cérebro. Durante o desenvolvimento, um dos dois cromossomos X presentes em fêmeas é "desligado" de forma aleatória. Quando o cromossomo X materno fica mais ativo, ele pode acelerar o envelhecimento do cérebro, levando a problemas de memória e aprendizagem à medida que a pessoa envelhece. Quando esses genes são ativados, a cognição melhora.
As células femininas de mamíferos possuem dois cromossomos X, um herdado da mãe e outro do pai. Durante o desenvolvimento embrionário, um desses cromossomos X é "desligado" de forma aleatória em cada célula, o que significa que algumas células usarão o cromossomo X da mãe (Xm), enquanto outras usarão o cromossomo X do pai (Xp).
Esse processo cria um padrão conhecido como "mosaicismo", no qual o cromossomo ativo pode variar entre diferentes células do corpo. Em algumas pessoas, esse mosaicismo é equilibrado, ou seja, há uma proporção semelhante de células que usam Xm e Xp. Já em outras, pode haver um desvio, com a maioria das células ativando um único cromossomo X (Xm ou Xp).

Esse mosaicismo é importante porque contribui para a diversidade genética e epigenética, o que pode ajudar a proteger contra doenças e os efeitos do envelhecimento. No entanto, quando há um desvio em direção a um único cromossomo X ativo, isso pode aumentar a vulnerabilidade a problemas de saúde.
Por exemplo, um desvio muito forte em direção ao Xm pode afetar a maneira como o corpo e o cérebro funcionam, especialmente com o passar do tempo. Este estudo investigou se o desvio para o cromossomo Xm ativo poderia impactar negativamente funções importantes em camundongos fêmeas à medida que envelhecem.

Os pesquisadores da University of California San Francisco, USA, usaram camundongos como modelo para entender o impacto do desvio para um único cromossomo X. Eles criaram dois grupos de camundongos fêmeas geneticamente modificados:
1- Camundongos Xm+Xp: Esses camundongos mantiveram o mosaicismo típico, com uma mistura de células ativando Xm e Xp.
2- Camundongos Xm: Nestes camundongos, o cromossomo X paterno (Xp) foi desligado de forma permanente, deixando apenas o cromossomo X materno (Xm) ativo em todas as células.
Para criar os camundongos Xm, os cientistas usaram uma técnica genética chamada deleção Xist-loxP. Essencialmente, eles desativaram um gene-chave necessário para o funcionamento do Xp, garantindo que apenas o Xm fosse usado.

Essa modificação foi passada pela linha germinativa para garantir que todas as células do camundongo tivessem o mesmo padrão.
Os camundongos resultantes foram então comparados para avaliar diferenças em funções do corpo e do cérebro, especialmente na meia-idade, quando os efeitos do envelhecimento começam a se manifestar.
Os pesquisadores verificaram cuidadosamente que as células dos camundongos Xm realmente usavam apenas o cromossomo X materno. Eles fizeram isso usando imunofluorescência, uma técnica laboratorial que permite visualizar proteínas específicas em células e confirmar se o Xp estava inativo.

Além disso, os dois grupos de camundongos eram quase geneticamente idênticos, exceto pela diferença no cromossomo X ativo. Assim, qualquer diferença observada entre os dois grupos poderia ser atribuída a efeitos epigenéticos, ou seja, como os genes são regulados e expressos com base em qual cromossomo X está ativo.
Os resultados mostraram que as fêmeas com apenas o Xm ativo (camundongos Xm) apresentaram pior desempenho cognitivo (como memória e aprendizado) ao longo da vida, especialmente com o envelhecimento.
Esses déficits estavam relacionados ao envelhecimento mais acelerado do cérebro, especificamente no hipocampo, uma área crucial para o aprendizado e a memória. O estudo revelou que nos camundongos Xm, vários genes importantes para a cognição estavam “silenciados”, ou seja, não estavam sendo usados pelas células do cérebro.
Curiosamente, os genes que estavam silenciados no Xm incluíam genes envolvidos em funções imunológicas e no desenvolvimento de conexões neurais (sinapses). Isso sugere que o Xm ativo pode prejudicar a capacidade do cérebro de se adaptar e funcionar bem ao longo do tempo.
Para confirmar essa relação, os pesquisadores usaram uma técnica chamada CRISPR para "reativar" esses genes silenciados em camundongos envelhecidos. Quando fizeram isso, observaram uma melhora significativa na cognição, mostrando que esses genes desempenham um papel essencial na memória e no aprendizado.
O estudo sugere que mulheres que apresentam um desvio natural em direção ao cromossomo Xm ativo podem ser mais propensas a déficits cognitivos ou até mesmo a doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, com o envelhecimento.

Isso ocorre porque certos genes importantes para o funcionamento do cérebro estão localizados no cromossomo X, e um Xm ativo pode silenciar alguns desses genes. Por outro lado, mulheres com mosaicismo mais equilibrado (usando tanto Xm quanto Xp) podem estar mais protegidas, já que as células que ativam o Xp podem compensar a perda de função em células que usam o Xm.
Além disso, entender como o Xm influencia a saúde do cérebro pode abrir novas possibilidades para tratamentos. Por exemplo, as terapias futuras poderiam focar em reativar genes silenciados no Xm ou manipular esses mecanismos para melhorar a saúde cognitiva e combater o envelhecimento cerebral.
LEIA MAIS:
The maternal X chromosome affects cognition and brain ageing in female mice
Samira Abdulai-Saiku, Shweta Gupta, Dan Wang, Francesca Marino, Arturo J. Moreno, Yu Huang, Deepak Srivastava, Barbara Panning & Dena B. Dubal
Nature (2025)
Abstract:
Female mammalian cells have two X chromosomes, one of maternal origin and one of paternal origin. During development, one X chromosome randomly becomes inactivated. This renders either the maternal X (Xm) chromosome or the paternal X (Xp) chromosome inactive, causing X mosaicism that varies between female individuals, with some showing considerable or complete skew of the X chromosome that remains active. Parent-of-X origin can modify epigenetics through DNA methylation and possibly gene expression; thus, mosaicism could buffer dysregulated processes in ageing and disease. However, whether X skew or its mosaicism alters functions in female individuals is largely unknown. Here we tested whether skew towards an active Xm chromosome influences the brain and body—and then delineated unique features of Xm neurons and Xp neurons. An active Xm chromosome impaired cognition in female mice throughout the lifespan and led to worsened cognition with age. Cognitive deficits were accompanied by Xm-mediated acceleration of biological or epigenetic ageing of the hippocampus, a key centre for learning and memory, in female mice. Several genes were imprinted on the Xm chromosome of hippocampal neurons, suggesting silenced cognitive loci. CRISPR-mediated activation of Xm-imprinted genes improved cognition in ageing female mice. Thus, the Xm chromosome impaired cognition, accelerated brain ageing and silenced genes that contribute to cognition in ageing. Understanding how Xm impairs brain function could lead to an improved understanding of heterogeneity in cognitive health in female individuals and to X-chromosome-derived pathways that protect against cognitive deficits and brain ageing.
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