Bactérias da Boca Podem Afetar Sua Memória e Aumentar o Risco de Alzheimer
- Lidi Garcia
- 25 de fev.
- 5 min de leitura

Os achados deste estudo sugerem que certas bactérias orais podem ter um papel importante no declínio cognitivo e no risco de demência. Enquanto algumas parecem estar associadas a um efeito protetor, outras podem contribuir para a progressão da doença.
O envelhecimento é um processo natural da vida, mas, em algumas pessoas, ele vem acompanhado de um declínio na capacidade cognitiva. Em casos mais avançados, esse declínio pode evoluir para um quadro chamado Comprometimento Cognitivo Leve (CCL), uma condição que afeta cerca de 15% dos idosos e aumenta o risco de desenvolver doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
Estima-se que aproximadamente 10% das pessoas com Comprometimento Cognitivo Leve progridam para a demência a cada ano. Diante desse cenário preocupante, cientistas buscam entender os fatores que contribuem para o declínio cognitivo e como podemos preveni-lo.
Pesquisas recentes sugerem que a saúde bucal pode estar diretamente ligada ao funcionamento do cérebro.
Doenças periodontais, como a periodontite, já foram associadas à piora da função cognitiva, e estudos mostram que a perda de dentes pode estar relacionada a um desempenho mais baixo em testes de memória e cognição. Mas como a saúde da boca poderia influenciar o cérebro?

Uma das explicações está na ação de bactérias nocivas presentes na boca, como a Porphyromonas gingivalis, a Treponema denticola e a Prevotella intermedia.
Essas bactérias podem aumentar os níveis de inflamação no organismo, tornando o ambiente mais propício para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas.
Em pacientes com Alzheimer, foram encontrados níveis elevados dessas bactérias na boca e uma menor diversidade bacteriana em comparação com pessoas saudáveis.
Os cientistas acreditam que existem duas formas principais pelas quais as bactérias orais podem afetar a função cerebral:
Rota Direta – Quando há algum dano na boca (como feridas ou inflamações), essas bactérias podem entrar na corrente sanguínea e alcançar o cérebro, atravessando a barreira protetora que normalmente impede a entrada de substâncias perigosas. Como essa barreira se torna mais permeável em pessoas com Alzheimer, as bactérias podem se instalar no cérebro e contribuir para a progressão da doença.
Rota Indireta – As bactérias orais podem causar inflamação crônica no organismo. Essa inflamação pode afetar o cérebro indiretamente, dificultando a comunicação entre os neurônios e aumentando o risco de declínio cognitivo.
Outro fator importante na relação entre a boca e o cérebro é o óxido nítrico (NO), uma molécula essencial para várias funções do corpo, incluindo a circulação sanguínea, a comunicação entre os neurônios e a defesa contra microrganismos.

O corpo humano pode produzir óxido nítrico de duas formas. A primeira ocorre dentro das células, por meio de uma enzima chamada NO sintase (NOS).
A segunda acontece graças a bactérias presentes na boca, que transformam nitratos da alimentação em óxido nítrico. Essa segunda via é especialmente importante para o cérebro, pois o óxido nítrico auxilia na formação da memória e na plasticidade cerebral (capacidade do cérebro de se adaptar e aprender).
Com o envelhecimento, a produção de NO diminui, o que pode prejudicar a cognição e aumentar o risco de Alzheimer. Estudos mostram que pacientes com a doença apresentam níveis reduzidos dessa molécula no sangue e no cérebro.
Além da saúde bucal, a genética também pode desempenhar um papel importante no risco de declínio cognitivo. Um dos principais fatores genéticos associados ao Alzheimer é o gene APOE4, que está ligado ao enfraquecimento da barreira hematoencefálica (a proteção natural do cérebro contra substâncias nocivas).
Pessoas que possuem esse gene também apresentam um risco maior de desenvolver doenças cardiovasculares e musculares, todas condições marcadas pela deficiência de óxido nítrico.

Dessa forma, cientistas da University of Exeter, UK, levantam a hipótese de que pode existir uma interação entre o gene APOE4, os níveis de óxido nítrico e o microbioma oral na progressão do declínio cognitivo. No entanto, ainda não se sabe ao certo se as alterações nas bactérias da boca já podem ser detectadas em idosos saudáveis antes do diagnóstico da demência.
Para investigar essas conexões, os pesquisadores analisaram a saúde bucal, os biomarcadores de óxido nítrico e a função cognitiva de dois grupos: 60 idosos com Comprometimento Cognitivo Leve e 60 idosos saudáveis.
Além disso, dentro do grupo com Comprometimento Cognitivo Leve, compararam os microbiomas orais entre portadores e não portadores do gene APOE4.
Os resultados mostraram que algumas bactérias orais estavam associadas a um melhor desempenho cognitivo. Por exemplo: A bactéria Neisseria estava ligada a uma melhor função executiva e atenção em idosos com Comprometimento Cognitivo Leve e a uma melhor memória de trabalho em idosos saudáveis.
As bactérias Haemophilus e Haemophilus parainfluenzae, que coexistem com Neisseria, também foram associadas a melhor função executiva no grupo com Comprometimento Cognitivo Leve.

Bacterias Haemophilus parainfluenzae. Source: Manitoba Health and Fine Art America.
Por outro lado, algumas bactérias estavam relacionadas ao aumento do risco de declínio cognitivo. A bactéria Porphyromonas foi identificada como um marcador para Comprometimento Cognitivo Leve. Por fim, a bactéria Prevotella intermedia foi associada ao gene APOE4, sugerindo que sua presença pode aumentar o risco genético de desenvolver demência.

Micrografias eletrônicas de varredura mostrando estruturas de superfície das cepas de Prevotella intermedia 17 (A), OD1-16 (B) e ATCC 25611 (C) e Porphyromonas gingivalis ATCC 33277 (D), 381 (E) e W83 (F) cultivadas em placas de ágar sangue. Imagem: Yamanaka et al. DOI: 10.1186/1471-2334-11-228. CC BY 4.0
Curiosamente, não houve diferenças significativas nos níveis de óxido nítrico entre os grupos, indicando que outros fatores podem estar influenciando essa relação.
Os achados deste estudo sugerem que certas bactérias orais podem ter um papel importante no declínio cognitivo e no risco de demência. Enquanto algumas parecem estar associadas a um efeito protetor, outras podem contribuir para a progressão da doença.
Com base nessas descobertas, os pesquisadores propõem que intervenções que aumentem a presença das bactérias Neisseria e Haemophilus e reduzam as bactérias Prevotella possam ajudar a retardar o declínio cognitivo. No futuro, estratégias como probióticos orais ou mudanças na dieta poderiam ser exploradas como possíveis formas de prevenção em proteger o cérebro contra o envelhecimento e doenças neurodegenerativas.
LEIA MAIS:
Oral microbiome and nitric oxide biomarkers in older people with mild cognitive impairment and APOE4 genotype
Joanna E L’Heureux, Anne Corbett, Clive Ballard, David Vauzour, Byron Creese, Paul G Winyard, Andrew M Jones, Anni Vanhatalo Author Notes
PNAS Nexus, Volume 4, Issue 1, January 2025, pgae543
Abstract:
Apolipoprotein E4 (APOE4) genotype and nitric oxide (NO) deficiency are risk factors for age-associated cognitive decline. The oral microbiome plays a critical role in maintaining NO bioavailability during aging. The aim of this study was to assess interactions between the oral microbiome, NO biomarkers, and cognitive function in 60 participants with mild cognitive impairment (MCI) and 60 healthy controls using weighted gene co-occurrence network analysis and to compare the oral microbiomes between APOE4 carriers and noncarriers in a subgroup of 35 MCI participants. Within the MCI group, a high relative abundance of Neisseria was associated with better indices of cognition relating to executive function (Switching Stroop, rs = 0.33, P = 0.03) and visual attention (Trail Making, rs = −0.30, P = 0.05), and in the healthy group, Neisseria correlated with working memory (Digit Span, rs = 0.26, P = 0.04). High abundances of Haemophilus (rs = 0.38, P = 0.01) and Haemophilus parainfluenzae (rs = 0.32, P = 0.03), that co-occurred with Neisseria correlated with better scores on executive function (Switching Stroop) in the MCI group. There were no differences in oral nitrate (P = 0.48) or nitrite concentrations (P = 0.84) between the MCI and healthy groups. Linear discriminant analysis Effect Size identified Porphyromonas as a predictor for MCI and Prevotella intermedia as a predictor of APOE4-carrier status. The principal findings of this study were that a greater prevalence of oral P. intermedia is linked to elevated genetic risk for dementia (APOE4 genotype) in individuals with MCI prior to dementia diagnosis and that interventions that promote the oral Neisseria–Haemophilus and suppress Prevotella-dominated modules have potential for delaying cognitive decline.



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