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A Nova Fronteira da Ciência: Fabricar Tecidos Humanos no Espaço

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 6 de nov.
  • 5 min de leitura
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Cientistas estão desenvolvendo uma nova tecnologia que permite “imprimir” tecidos humanos no espaço. Essa técnica pode ajudar astronautas em longas missões, criando músculos ou pele sob demanda, e também contribuir para novos tratamentos médicos na Terra.


A corrida espacial, que aconteceu entre as décadas de 1950 e 1970, foi um dos períodos mais empolgantes da história da humanidade. Nessa época, países como os Estados Unidos e a União Soviética competiam para conquistar o espaço, e isso levou a uma explosão de inovações científicas e tecnológicas.


Mesmo que as missões tripuladas tenham diminuído nas décadas seguintes, o sonho de explorar outros planetas nunca desapareceu. Hoje, graças ao avanço dos computadores e à criação de foguetes reutilizáveis, viajar e trabalhar no espaço está se tornando cada vez mais possível e econômico.


No entanto, enviar seres humanos ao espaço por longos períodos traz grandes desafios. O corpo humano muda bastante quando está em um ambiente sem gravidade. Por exemplo, músculos e ossos podem enfraquecer, e o organismo passa por transformações que ainda não são totalmente compreendidas. 


Além disso, se uma pessoa sofrer um ferimento grave ou precisar de um transplante durante uma missão, seria necessário ter uma forma de reparar ou regenerar tecidos humanos ali mesmo, sem depender de um hospital na Terra. É nesse ponto que entra um campo inovador da ciência chamado biofabricação, que é a criação de tecidos biológicos em laboratório. 


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Existem duas maneiras principais de se fazer biofabricação no contexto espacial. A primeira é produzir os tecidos diretamente no espaço, aproveitando o ambiente de microgravidade. A segunda é criar os tecidos na Terra e enviá-los prontos para o espaço para que amadureçam lá.


Fazer tudo na Terra é mais simples, mas fabricar os tecidos diretamente no espaço oferece uma vantagem enorme: é possível produzir estruturas personalizadas, adaptadas a cada pessoa e às condições específicas do ambiente espacial.


Atualmente, a maior parte das experiências de biofabricação no espaço usa uma técnica chamada impressão por extrusão, que funciona de forma parecida com uma impressora 3D, mas usando células e biomateriais. Com essa técnica, já foi possível fabricar tecidos simples, como partes de ossos, meniscos e pele, usando pequenas impressoras levadas a bordo de missões.


O fato de não haver gravidade ajuda muito, pois os materiais podem ser depositados livremente, formando estruturas tridimensionais complexas sem precisar de suporte.


Apesar desses avanços, ainda há grandes dificuldades. Tecidos como músculos, nervos e coração, chamados tecidos anisotrópicos, porque têm fibras alinhadas em uma direção específica, são muito difíceis de reproduzir. No espaço, os modelos criados até agora não conseguem orientar bem as células, o que impede que o tecido se desenvolva de forma funcional.  


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Impressora G-FLight e exemplos de impressões de estruturas microfilamentadas. A) Componentes da impressora G-FLight contidos em um volume de 30 (comprimento) × 45 (largura) × 30 (altura) cm. B) A impressora G-FLight montada e seus principais componentes usados ​​durante a fase de impressão em microgravidade. C) Exemplos de impressões do logotipo da ETH, estruturas cilíndricas e em forma de lâmina usando resinas marcadas com rodamina (vermelho).


Por isso, os experimentos com tecidos musculares no espaço ainda são feitos em versões simples, cultivadas dentro de câmaras especiais. Mesmo assim, essas experiências têm sido valiosas, pois ajudam os cientistas a entender melhor doenças como a perda muscular que ocorre em astronautas.


Para resolver esses problemas, um grupo de pesquisadores desenvolveu uma nova técnica chamada FLight, que usa feixes de luz (como lasers) para fabricar tecidos com estruturas alinhadas de forma precisa. Essa luz cria microfilamentos dentro de uma resina especial, formando uma rede parecida com o tecido natural do corpo humano.


Com base nessa ideia, foi criada uma versão avançada da tecnologia chamada G-FLight, projetada para funcionar mesmo em ambientes sem gravidade. Essa impressora é compacta, resistente às vibrações e adequada para uso dentro de aeronaves e, futuramente, em estações espaciais.


Os cientistas testaram o sistema G-FLight em voos parabólicos, aviões que simulam breves períodos de ausência de gravidade, de cerca de 20 segundos cada. Durante esses intervalos, eles conseguiram fabricar tecidos em segundos, mostrando que o método é viável. Para isso, eles também precisaram criar novas resinas biológicas (chamadas biorresinas) que contêm células vivas e podem ser armazenadas de maneira prática e segura. 


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Para criar tecido muscular preciso, a equipe do Dr. Parth Chansoria utilizou voos parabólicos para simular a microgravidade. Fonte: ETH Zurich / Wiley Online Library


As resinas convencionais precisam de muito cuidado e treinamento para serem usadas no espaço. Por isso, o grupo desenvolveu duas novas versões chamadas CoolResin e CryoResin. A primeira pode ser guardada em geladeira, e a segunda pode ser congelada a temperaturas muito baixas. Ambas mantêm as células vivas por dias ou semanas dentro de pequenos recipientes selados. No momento da impressão, basta descongelar o material e iniciar o processo.


Essas novas resinas são baseadas em um material biológico chamado metacrilato de gelatina, bastante usado em engenharia de tecidos. Os testes foram feitos entre laboratórios na Suíça e centros de voo na França.


As amostras foram impressas tanto na Terra quanto em microgravidade, para comparar os resultados. Após a impressão, os tecidos foram cultivados e analisados quanto à viabilidade das células, capacidade de multiplicação e maturação. 


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Fibras musculares bioimpressas em microgravidade. Com formação de miotubos após 17 dias em cultura (1 semana de crescimento + 10 dias de diferenciação) é possível identificar as proteínas miosina (verde) e actina (vermelho), o núcleo de todas as células aparece em azul.


Os resultados mostraram que os tecidos criados no espaço com as novas resinas tinham células mais saudáveis e mais organizadas, formando estruturas musculares semelhantes às produzidas em solo. Isso é importante porque mostra que a técnica funciona igualmente bem fora da Terra, o que é um passo fundamental para o futuro da medicina espacial.


Essa pesquisa abre caminho para um futuro em que órgãos e tecidos humanos poderão ser fabricados no espaço, seja para tratar astronautas em missões de longa duração ou para desenvolver novas terapias na Terra. A tecnologia G-FLight e as novas resinas representam um avanço promissor rumo à biofabricação em ambientes extraterrestres, um dos próximos grandes desafios da ciência moderna.



LEIA MAIS:


Prolonged Cell Encapsulation and Gravity-independent Filamented Light Biofabrication of Muscle Constructs

Michael Winkelbauer, Jakub Janiak, Johannes Windisch, Hao Liu, Maria Bulatova, Max Von Witzleben, Hugo Oliveira, Sophie Dani, Richard Frank Richter, Nicolas L’Heureux, Ori Bar-Nur, Michael Gelinsky, Marcy Zenobi-Wong, and Parth Chansoria 

Advanced Science. 23 September 2025 


Abstract:


The prospects of fabricating human tissue grafts or models using cell-laden bioresins in space have garnered significant interest in recent years. While there is tremendous progress in extrusion or light-based bioprinting in microgravity conditions, printing of aligned tissues (e.g., muscle, tendon, cardiac, etc.) remains a challenge. Furthermore, current photoresin formulations do not allow long-term cell encapsulation and are difficult to handle in microgravity conditions. In this study, a new gravity-independent filamented light (G-FLight) biofabrication system, which can create viable muscle constructs within seconds, is demonstrated. New photoresin formulations based on gelatin methacrylate (GelMA) for encapsulation of primary cells (murine myoblasts) and storage in printing cuvettes for at least a week at 4 °C or -80 °C are also demonstrated. The tissues printed in microgravity based on the new formulations exhibit higher cell viability, number of proliferating cells, and higher numbers of myotubes and fusion index compared to control formulations (i.e., GelMA dissolved in phosphate-buffered saline). Importantly, the microgravity-printed tissues also featured similar myotube density and fusion index to those printed using the same resins on-ground. The G-Flight printing concept, together with the new resins enabling refrigeration or cryopreservation with encapsulated cells, offers a promising solution for biofabrication in space.

 
 
 

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