A Anatomia Da Psicopatia: Traços Antissociais Vistos Por Imagem Cerebral
- Lidi Garcia
- 1 de jul.
- 6 min de leitura

A psicopatia é um traço de personalidade ligado à frieza emocional, falta de empatia e comportamento impulsivo e agressivo. Estudos mostram que pessoas com traços psicopáticos têm diferenças em várias áreas do cérebro, principalmente nas regiões que controlam emoções, impulsos e decisões. Essas alterações ajudam a explicar por que essas pessoas tendem a agir sem culpa ou remorso e têm maior risco de se envolver em crimes e repetir esses comportamentos.
A psicopatia é uma condição de personalidade complexa que tem sido amplamente estudada por seu forte vínculo com comportamentos agressivos e violentos. Pessoas com traços psicopáticos tendem a se envolver com mais frequência em atos criminosos, causam mais danos a outras pessoas e têm maior probabilidade de repetir esses comportamentos com o tempo.
Isso não apenas representa um grande custo financeiro para a sociedade, por meio de sistemas judiciais, prisões e tratamentos, mas também impõe um sofrimento considerável às vítimas.
Apesar da gravidade dos impactos da psicopatia, ela ainda não é oficialmente classificada como um transtorno específico nos manuais de diagnóstico mais utilizados, como o CID-10 ou o DSM-5. Ela compartilha algumas características com o transtorno de personalidade antissocial, mas não são exatamente a mesma coisa.

Para identificar traços psicopáticos, profissionais de saúde mental e da justiça criminal costumam usar um instrumento chamado PCL-R (Lista de Verificação de Psicopatia de Hare). Essa ferramenta avalia a psicopatia em dois grandes grupos de traços: um relacionado às emoções e interações sociais (fator 1) e outro aos comportamentos impulsivos e antissociais (fator 2).
A PCL-R (Lista de Verificação de Psicopatia de Hare) é uma ferramenta criada pelo psicólogo canadense Robert Hare e usada principalmente por profissionais de saúde mental em contextos clínicos e forenses (como prisões ou tribunais) para avaliar se uma pessoa apresenta traços de psicopatia.
O teste é feito por meio de entrevistas clínicas estruturadas e análise de documentos pessoais e judiciais, e contém 20 itens que avaliam comportamentos e traços de personalidade, como falta de empatia, manipulação, impulsividade, mentiras constantes e comportamentos antissociais. Cada item recebe uma pontuação de 0 a 2, resultando numa nota total que pode chegar a 40 pontos.
Quanto maior a pontuação, mais fortes são os traços psicopáticos. Geralmente, uma pontuação de 30 ou mais (em países como os EUA) indica psicopatia clínica. O teste também é dividido em dois grandes fatores: o primeiro avalia traços emocionais e interpessoais (como frieza emocional e charme superficial), e o segundo avalia o estilo de vida e comportamentos antissociais (como impulsividade e criminalidade).

O fator 1 está ligado a características como falta de empatia, ausência de culpa, charme superficial e frieza emocional. Pessoas com pontuação alta nesse fator podem parecer encantadoras e confiantes, mas são manipuladoras e emocionalmente distantes. Elas tendem a reagir pouco a estímulos emocionais e têm baixa ansiedade, o que pode explicar sua frieza diante de situações graves.
Já o fator 2 descreve comportamentos mais visíveis e impulsivos, como agressividade, irresponsabilidade, vícios e comportamento criminoso precoce. Essas pessoas costumam ter um estilo de vida instável e tomar decisões precipitadas, sem pensar nas consequências.
Embora os dois fatores componham a psicopatia como um todo, eles refletem formas diferentes de funcionamento psicológico e possivelmente se originam de partes distintas do cérebro.

Pesquisadores usam exames de imagem cerebral, como a ressonância magnética (RM), para tentar identificar quais partes do cérebro estão envolvidas nesses traços.
Em estudos anteriores, os resultados nem sempre foram consistentes, em parte porque as amostras eram pequenas e os indivíduos muito diferentes entre si.
Ainda assim, já se observou que pessoas com traços psicopáticos tendem a apresentar diferenças no volume da substância cinzenta, o tecido cerebral onde ocorrem os processos mentais mais complexos, especialmente em regiões como o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipocampo, que estão envolvidas em tomada de decisão, emoções e memória.
Estudos mostraram que o fator 1 (emocional e interpessoal) está geralmente ligado à redução de volume em áreas como o córtex pré-frontal e o córtex orbitofrontal, além de regiões do lobo temporal, onde ficam a amígdala e o hipocampo. Esses achados sugerem que quem tem esse perfil pode ter mais dificuldade para sentir e processar emoções, como empatia e culpa.
O fator 2 (comportamento impulsivo e antissocial) tem relação com áreas cerebrais ligadas ao controle de impulsos e recompensas, como o putâmen, a ínsula e o córtex orbitofrontal. Alguns estudos até encontraram aumento de volume nessas regiões, o que pode indicar uma diferença funcional nessas estruturas. Porém, outros estudos mostram justamente o contrário, uma redução de volume, e alguns não encontraram relação alguma. Ou seja, ainda não há consenso na ciência sobre como esse fator se manifesta no cérebro.

Uma meta-análise (um estudo que junta dados de vários outros estudos) reforçou a ideia de que o fator 1 está ligado a diminuições em áreas do cérebro associadas ao controle emocional e empatia, enquanto o fator 2 parece estar ligado a uma ampla gama de regiões envolvidas no comportamento impulsivo.
No entanto, os pesquisadores ainda enfrentam muitos desafios, como o pequeno número de estudos disponíveis, a dificuldade de encontrar e estudar voluntários com alto nível de psicopatia (especialmente entre criminosos), e a presença de outros transtornos que podem interferir nos resultados.
No estudo mais recente, realizado por pesquisadores do Institute of Neuroscience and Medicine (INM-1), Alemanha, foram analisados cérebros de 39 homens com traços psicopáticos elevados, comparando-os com indivíduos sem esses traços, usando imagens de ressonância magnética e ferramentas específicas para medir volumes cerebrais.

Essa figura mostra quais partes do cérebro estão associadas ao fator 1 da psicopatia, que envolve características interpessoais e afetivas, como frieza emocional, falta de empatia e charme superficial. As áreas destacadas em azul representam regiões onde quanto maior a psicopatia, menor o volume cerebral (associação negativa), e as áreas em vermelho e amarelo indicam associações positivas (ou seja, maior psicopatia ligada a volumes maiores). Os nomes técnicos se referem a partes específicas do cérebro, como o córtex orbitofrontal, lobo temporal e cerebelo, que estão ligados ao controle de emoções, julgamento e tomada de decisão. Essas mudanças de volume ajudam os cientistas a entender quais áreas do cérebro podem funcionar de forma diferente em pessoas com traços psicopáticos elevados.
A análise revelou que o fator 2, comportamento impulsivo e antissocial, estava ligado a uma redução do volume em diversas regiões cerebrais, como a ponte, o tálamo, os gânglios da base, além de áreas no córtex frontal e na ínsula. Essas regiões estão fortemente ligadas ao controle dos impulsos, das emoções e do comportamento planejado.

Associações do fator 2 do PCL-R (estilo de vida desviante e comportamento antissocial) com volumes de regiões cerebrais em indivíduos psicopatas com PCL-R total ≥ 20.
Já o fator 1 mostrou apenas pequenas e inconsistentes associações com algumas regiões cerebrais, como o hipocampo e áreas do córtex frontal, o que sugere que esse aspecto da psicopatia pode se manifestar de forma mais variada entre diferentes pessoas.
A comparação entre o grupo psicopático e o grupo controle indicou que os psicopatas tinham, em geral, um volume cerebral total menor, com uma diferença mais marcante no subículo direito, uma área ligada à memória e ao controle emocional.

Diferenças entre os grupos nos volumes das regiões cerebrais entre indivíduos psicopatas com PCL-R total ≥ 20 (PS) e controles saudáveis (C). Os dados de volume foram ajustados para o estudo (local de aquisição), idade e volume intracraniano. Os gráficos de caixa mostram os pontos de dados individuais.
Em resumo, o estudo reforça a ideia de que a psicopatia não é uma condição única, mas um conjunto de traços diferentes que envolvem diversas regiões cerebrais. O fator ligado ao comportamento antissocial parece estar mais fortemente associado a mudanças cerebrais específicas, enquanto o fator emocional/interpessoal mostra variações maiores entre os indivíduos.
Esses resultados ajudam a entender melhor a base biológica da psicopatia e podem, no futuro, orientar estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes.
LEIA MAIS:
Associations of brain structure with psychopathy.
Peter Pieperhoff, Lena Hofhansel, Frank Schneider, Jürgen Müller, Katrin Amunts, Sabrina Weber-Papen, Carmen Weidler, Benjamin Clemens, Adrian Raine, and Ute Habel
Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci (2025).
Abstract:
Psychopathy is one of the greatest risk factors for serious and persistent violence. In order to detect its neurobiological substrates, we examined 39 male psychopathic subjects and matched controls using structural MR imaging and the Psychopathy Check-List (PCL-R). Individual brain region volumes were calculated using the Julich-Brain and AAL3 atlases. Associations of region volumes with the PCL-R dimensions among psychopathic subjects and differences between both groups were analysed. PCL-R factor 2 assessing lifestyle and antisocial behaviour showed in the psychopathic sample negative associations with volumes of several regions, including pons, nuclei of basal ganglia, thalamus, basal forebrain (CH-4), cerebellar regions and areas in orbitofrontal, dorsolateral-frontal and insular cortices. These findings suggest dysfunctions in specific frontal-subcortical circuits, which are known to be relevant for behavioral control. In contrast, the interpersonal-affective PCL-R factor 1 showed only weak positive and negative associations with orbitofrontal, dorsolateral-frontal and left hippocampal areas (CA1, subiculum), among others, indicating that involved brain regions might be affected to a variable degree in different individuals. The group comparison yielded a significantly reduced total brain volume in psychopathic subjects relative to controls, while pronounced regional focuses of volume differences were found only in the right subiculum, suggesting an interindividually variable pattern of structural deviations in the brains of psychopathic subjects. In conclusion, these findings are compatible with the dimensionality of the PCL-R construct, and suggest a particulary strong association of antisocial behavior to smaller volumes in widespread subcortical-cortical brain regions.



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