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Como o Jejum Intermitente pode Sabotar o Crescimento do Cabelo


Resumo:

Este estudo trouxe à luz novos detalhes sobre como o jejum intermitente afeta as células-tronco somáticas e a regeneração de tecidos periféricos, especialmente na pele. A descoberta de que o jejum altera a comunicação entre órgãos e causa apoptose nas células-tronco capilares ativadas revela um mecanismo anteriormente desconhecido que pode ter implicações importantes para práticas dietéticas e saúde capilar.


O jejum é uma prática com raízes milenares, adotada em diversas tradições religiosas e culturais ao longo da história. Nos últimos anos, o jejum intermitente, que consiste em períodos alternados de jejum e alimentação, ganhou popularidade mundial, tanto por seus benefícios à saúde metabólica quanto como estratégia para o controle de peso.


Além de melhorar a regulação do açúcar no sangue e promover a perda de gordura, estudos sugerem que o jejum intermitente também influencia diretamente a saúde dos tecidos do corpo.


Apesar disso, os mecanismos que explicam esses impactos ainda são pouco compreendidos, deixando muitas questões sem resposta.

Dentro dos tecidos do corpo, as células-tronco somáticas desempenham um papel fundamental na manutenção e regeneração. Elas estão situadas em estruturas especializadas chamadas "nichos", que fornecem o ambiente necessário para sua sobrevivência e funcionamento.


O nicho integra sinais internos e externos para decidir o destino das células-tronco, permitindo que elas ajudem na regeneração e adaptação dos tecidos a mudanças fisiológicas e ambientais.


Embora estudos anteriores tenham mostrado que o jejum melhora a função de células-tronco em tecidos como intestino, músculos e sistema hematopoiético, os efeitos em outros tecidos, como a pele, permanecem pouco explorados. 


A pele, que abriga os folículos capilares, oferece um modelo ideal para investigar como o jejum intermitente afeta as células-tronco e a regeneração tecidual, especialmente devido à natureza visível do crescimento capilar. 

Os folículos capilares seguem um ciclo de crescimento organizado em três fases distintas. A primeira é a anágena, que corresponde à fase de crescimento ativo do cabelo. Durante essa etapa, as células-tronco do folículo capilar são ativadas, promovendo a formação e alongamento do fio.


Em seguida, o folículo entra na catágena, uma fase de regressão. Nessa etapa, o crescimento do cabelo é interrompido, e o folículo começa a se preparar para um período de inatividade. 


Finalmente, ocorre a telógena, conhecida como fase de repouso. Durante esse estágio, as células-tronco capilares, chamadas HFSCs (Hair Follicle Stem Cells), permanecem em estado quiescente, ou seja, inativas. Elas aguardam sinais específicos para serem reativadas e reiniciar o ciclo de regeneração, voltando à fase anágena.


As HFSCs não agem sozinhas. Elas estão inseridas em um ambiente altamente especializado, o nicho capilar, composto por diversas células e estruturas adjacentes. O nicho desempenha um papel fundamental na regulação das atividades regenerativas das HFSCs. 


Ele interpreta sinais externos, como alterações na dieta ou fatores ambientais, e ajusta o comportamento das células-tronco em resposta a essas mudanças. Essa interação entre as HFSCs e o nicho é essencial para a regeneração saudável e contínua dos folículos capilares.


Observações clínicas indicam que pessoas submetidas a dietas extremas para perda rápida de peso frequentemente apresentam queda de cabelo. Apesar disso, o impacto do jejum intermitente na regeneração capilar ainda não era conhecido.


Este estudo foi projetado para preencher essa lacuna e investigar como diferentes regimes de jejum intermitente afetam o comportamento das HFSCs e a regeneração do cabelo em modelos animais.

Para investigar os efeitos do jejum intermitente, os pesquisadores utilizaram dois modelos populares de jejum em camundongos. O primeiro modelo foi a Alimentação com Restrição de Tempo (TRF), em que os camundongos tinham um período diário de alimentação limitado a 8 horas, seguido por 16 horas de jejum.


O segundo modelo foi o Jejum em Dias Alternados (ADF), que consistia em alternar entre um dia completo de jejum de 24 horas e um dia de alimentação irrestrita.


Os camundongos foram submetidos a esses regimes de jejum a partir do 60º dia de vida (P60), quando seus folículos capilares estavam na fase telógena estendida, ou seja, em repouso. 


Antes de iniciar o tratamento, os pesquisadores rasparam a pele das costas dos animais para acompanhar o crescimento dos pelos ao longo do estudo. O monitoramento foi realizado por 96 dias, durante os quais os camundongos passaram pelos regimes de jejum e a regeneração do pelo foi observada e documentada.


Camundongos submetidos à alimentação regular começaram a regenerar seus pelos rapidamente, entrando na fase anágena por volta do dia P80 e recuperando a maior parte do pelo até o dia P100.


Em contraste, aqueles que seguiram os regimes TRF ou ADF tiveram rege-neração capilar significativamente prejudicada, com apenas um crescimento parcial de pelos observado até o dia P156.


Exames histológicos (com coloração hematoxilina e eosina) revelaram que os folículos capilares desses camundongos ficaram presos em uma fase telógena prolongada ou em uma transição incompleta para a fase anágena, resultando na falta de novos fios. Esse efeito foi observado tanto em camundongos machos quanto em fêmeas, independentemente da idade em que os regimes foram iniciados.


Apesar disso, os camundongos em jejum intermitente apresentaram melhor tolerância à glicose, indicando que os benefícios metabólicos do jejum estavam presentes, mesmo com os efeitos negativos na regeneração capilar.

O jejum intermitente inibe a regeneração do folículo piloso. (A) Esquema de paradigmas de intervenção dietética, incluindo AL, 16/8 TRF e ADF. A alimentação começa no tempo zeitgeber (ZT) 12 após as luzes se apagarem. (B) Progressão do recrescimento capilar em camundongos fêmeas submetidos a AL, 16/8 TRF e ADF entre P60 e P156. Os camundongos foram raspados antes dos tratamentos. (C) Quantificação do recrescimento capilar em camundongos em (B). (D) Coloração hematoxilina e eosina da pele. (E) Dados metabólicos da gaiola de camundongos sob AL, TRF e ADF durante um período de 72 horas a partir de ZT0. Os períodos de jejum são sombreados em cinza. Parâmetros medidos: ingestão alimentar (grama), massa corporal (grama), ingestão de água (grama), quociente respiratório (VCO2/VO2), volume de oxigênio consumido VO2 (mL/min) e gasto energético (kcal/h, n = 3).


Os pesquisadores investigaram os mecanismos pelos quais o jejum intermitente afeta a regeneração capilar e descobriram que ele inibe esse processo ao induzir a morte celular programada, conhecida como apoptose, nas células-tronco capilares ativadas. 


Esse efeito foi observado independentemente de fatores comuns, como a redução total de calorias, alterações no ritmo circadiano, ou a regulação pelo mecanismo celular mTORC1, que é responsável por detectar nutrientes e regular processos celulares com base na disponibilidade de alimentos.


Em vez de depender desses fatores, o jejum ativou uma comunicação específica entre as glândulas suprarrenais e os adipócitos dérmicos (células de gordura na pele). Essa comunicação fez com que os adipócitos liberassem rapidamente ácidos graxos livres no nicho capilar, o ambiente ao redor das células-tronco. 


Esses ácidos graxos, por sua vez, causaram um estresse oxidativo nas células-tronco capilares (HFSCs), elevando os níveis de espécies reativas de oxigênio e gerando danos celulares que resultaram em apoptose, ou seja, na morte das células-tronco responsáveis pela regeneração do cabelo.


Os efeitos observados em camundongos foram corroborados por um ensaio clínico randomizado (NCT05800730), que mostrou que o jejum intermitente também inibe o crescimento capilar em humanos.


Embora o jejum seja amplamente promovido como benéfico para a saúde metabólica, este estudo destaca uma possível consequência negativa: a inibição da regeneração tecidual, particularmente nos folículos capilares.


Este estudo trouxe à luz novos detalhes sobre como o jejum intermitente afeta as células-tronco somáticas e a regeneração de tecidos periféricos, especialmen--te na pele.


A descoberta de que o jejum altera a comunicação entre órgãos e causa apoptose nas células-tronco capilares ativadas revela um mecanismo anteriormente desconhecido que pode ter implicações importantes para práticas dietéticas e saúde capilar.


Enquanto os benefícios metabólicos do jejum intermitente são evidentes, é essencial considerar esses efeitos adversos ao avaliar sua aplicação em diferentes contextos.



LEIA MAIS:


Intermittent fasting triggers interorgan communication to suppress hair follicle regeneration

Han Chen, Chao Liu, Shiyao Cui,Yingqian Xia, Ke Zhang, Hanxiao Cheng, Jingyu Peng, Xiaoling Yu,  Luyang Li, Hualin Yu, Jufang Zhang, Ju-Sheng Zheng, and  Bing Zhang

Cell. December 13, 2024

DOI: 10.1016/j.cell.2024.11.004


Abstract:


Intermittent fasting has gained global popularity for its potential health benefits, although its impact on somatic stem cells and tissue biology remains elusive. Here, we report that commonly used intermittent fasting regimens inhibit hair follicle regeneration by selectively inducing apoptosis in activated hair follicle stem cells (HFSCs). This effect is independent of calorie reduction, circadian rhythm alterations, or the mTORC1 cellular nutrient-sensing mechanism. Instead, fasting activates crosstalk between adrenal glands and dermal adipocytes in the skin, triggering the rapid release of free fatty acids into the niche, which in turn disrupts the normal metabolism of HFSCs and elevates their cellular reactive oxygen species levels, causing oxidative damage and apoptosis. A randomized clinical trial (NCT05800730) indicates that intermittent fasting inhibits human hair growth. Our study uncovers an inhibitory effect of intermittent fasting on tissue regeneration and identifies interorgan communication that eliminates activated HFSCs and halts tissue regeneration during periods of unstable nutrient supply.

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