Antidepressivos Podem Reativar Areas Do Cérebro Afetadas Pelo Alzheimer
- Lidi Garcia
- 11 de jun.
- 5 min de leitura

Pesquisadores descobriram que antidepressivos chamados ISRS (como fluoxetina e sertralina) podem ter efeitos positivos no cérebro de pessoas com Alzheimer. Esses remédios parecem reduzir uma proteína ligada à doença (a tau) e melhorar o funcionamento de uma área importante do cérebro, chamada núcleo dorsal da rafe. No entanto, os efeitos sobre a memória e o pensamento ainda são variados, e mais estudos são necessários para entender totalmente como esses medicamentos podem ajudar.
A doença de Alzheimer (DA) é uma condição neurodegenerativa que provoca deterioração progressiva das funções cognitivas, como memória, atenção e linguagem. Um dos elementos mais importantes na sua progressão é o acúmulo anormal de proteínas no cérebro, como a tau e a beta-amiloide. Essas proteínas formam emaranhados e placas que interferem na comunicação entre neurônios e levam à morte dessas células.
Um dos primeiros locais do cérebro a apresentar sinais dessas alterações é o núcleo dorsal da rafe (NDR), uma região localizada no tronco cerebral, na região da nuca. Essa área é particularmente importante porque é a principal fonte de serotonina do cérebro, um neurotransmissor fundamental para regular o humor, o sono e a cognição.

A serotonina é amplamente conhecida por seu papel na depressão, e por isso os medicamentos que aumentam sua disponibilidade, chamados de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), são frequentemente usados como antidepressivos.
Estudos anteriores mostraram que a disfunção no sistema serotoninérgico (ou seja, aquele que usa a serotonina como mensageiro) está ligada ao aparecimento precoce de alterações típicas da doença de Alzheimer, incluindo o acúmulo de proteína tau no núcleo dorsal da rafe.
Além disso, a depressão é uma condição comum em pessoas com Alzheimer, o que reforça a hipótese de que há uma conexão biológica entre esses sistemas.

Dado esse cenário, pesquisadores da University of Calgary, Canada, se propuseram a investigar se o uso do medicamento ISRS poderia afetar o desenvolvimento da doença de Alzheimer, influenciando a presença de proteínas anormais e o funcionamento do cérebro.
Para isso, eles usaram dados de um grande banco de pesquisa chamado ADNI (Iniciativa de Neuroimagem da Doença de Alzheimer), que reúne exames de imagem cerebral e informações clínicas de milhares de pessoas acompanhadas ao longo de muitos anos.
Os participantes incluídos nesse estudo eram classificados como cognitivamente normais ou com diagnóstico de Alzheimer, e apenas aqueles que tinham exames de imagem específicos e histórico de uso do medicamento ISRS foram analisados.

O estudo concentrou-se especialmente em como o cérebro “gasta energia” numa área do núcleo dorsal da rafe. Para entender esse gasto, os médicos usam um exame chamado PET-FDG, que funciona como um “termômetro de açúcar” no cérebro: eles injetam uma forma especial de glicose (FDG) e, durante a tomografia, veem onde esse açúcar é consumido.
Regiões que usam muita energia brilham mais na imagem, enquanto as que estão funcionando pouco aparecem mais frias. Assim, é possível saber se o núcleo dorsal da rafe, responsável por produzir serotonina, está ativo ou “desligado” em pacientes com Alzheimer, dando uma ideia de como aquela parte do cérebro está trabalhando (ou não) na doença.
Em pacientes com Alzheimer, observou-se uma queda importante no metabolismo do núcleo dorsal da rafe, o que significa que essa região está funcionando abaixo do normal.
Porém, nos pacientes que faziam uso prolongado dos medicamentos ISRS, essa atividade metabólica no núcleo dorsal da rafe foi restaurada, sugerindo que os antidepressivos podem reativar o funcionamento dessa área.

Outro achado importante foi em relação à proteína tau, especialmente a forma chamada p-tau181, que é usada como marcador da doença de Alzheimer. Nos indivíduos que usavam ISRS, os níveis dessa proteína no sangue estavam mais baixos, o que sugere uma possível redução na formação dos emaranhados patológicos que caracterizam a doença.
Isso indica que o uso desses medicamentos pode estar relacionado a uma menor carga da doença, pelo menos em nível molecular.

Essa figura mostra como o uso de antidepressivos do tipo ISRS (inibidores seletivos da recaptação de serotonina) pode afetar a atividade de uma região do cérebro chamada núcleo dorsal da rafe (NDR), especialmente em pessoas com Alzheimer. A imagem está dividida em três partes: (A) mostra que pessoas com Alzheimer que não tomaram ISRS (comparadas a pessoas saudáveis que também não tomaram) apresentam menor atividade metabólica no NDR, ou seja, essa região está funcionando menos, o que aparece em azul claro nas imagens. (B) mostra que pessoas com Alzheimer que usaram ISRS têm aumento da atividade no núcleo dorsal da rafe (NDR) em comparação com pacientes com Alzheimer que não usaram esses remédios. Esse aumento de função aparece em amarelo/laranja, sugerindo que os ISRS podem ajudar a "reativar" essa parte do cérebro afetada pela doença. (C) mostra que entre pessoas sem Alzheimer, o uso de ISRS não altera significativamente a atividade do núcleo dorsal da rafe (NDR), ou seja, nos cérebros saudáveis, o medicamento não provoca grandes mudanças nessa região.
Por outro lado, quando os pesquisadores analisaram os efeitos dos ISRS sobre a cognição (funções mentais como memória, atenção e raciocínio), os resultados foram variados. Enquanto alguns testes mostraram melhor desempenho cognitivo, outros não indicaram mudanças significativas.
Isso significa que, embora os ISRS possam ter efeitos biológicos promissores no cérebro, seu impacto direto sobre a memória e o pensamento ainda não é totalmente previsível.
Em resumo, este estudo sugere que o uso prolongado de antidepressivos ISRS pode exercer um efeito benéfico sobre algumas das alterações cerebrais que ocorrem na doença de Alzheimer, especialmente ao restaurar o metabolismo em regiões afetadas precocemente e ao reduzir níveis de proteína tau.
Contudo, seus efeitos sobre a cognição não são consistentes, e mais pesquisas são necessárias para entender completamente como esses medicamentos podem ser usados no contexto da prevenção ou tratamento do Alzheimer.
LEIA MAIS:
SSRIs reduce plasma tau and restore dorsal raphe metabolism in Alzheimer's disease
Dylan J. Terstege, Shaista Jabeen, Alzheimer's Disease Neuroimaging Initiative, Liisa A. M. Galea, Jonathan R. Epp, and Derya Sargin
Alzheimer’s & Dementia. Volume 21, Issue2 February 2025 e14579
Abstract:
Tau pathology impacts neurodegeneration and cognitive decline in Alzheimer's disease (AD), with the dorsal raphe nucleus (DRN) being among the brain regions showing the earliest tau pathology. As a serotonergic hub, DRN activity is altered by selective serotonin reuptake inhibitors (SSRIs), which also have variable effects on cognitive decline and pathology in AD. We examined N = 191 subjects with baseline 18F-fluorodeoxyglucose positron emission tomography and plasma biomarker data to study the effects of SSRIs on tau pathology, cognitive decline, and DRN metabolism. Plasma phosphorylated tau 181 (p-tau181) was lower with SSRI use. The effect of SSRIs on cognition varied by cognitive assessment. The DRN was hypometabolic in AD patients relative to healthy controls; however, SSRI use restored the metabolic activity of this region in AD patients. Long-term SSRI use may reduce the pathological presentation of AD but has variable effects on cognitive performance.



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