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YY: Engenharia Genética Permite Criação de Camundongo com Dois Pais do Mesmo Sexo


Este estudo demonstrou, pela primeira vez, que a reprodução bi-paternal em mamíferos é possível através da correção de defeitos de imprinting genômico. Utilizando 20 modificações genéticas direcionadas, os pesquisadores conseguiram gerar camundongos saudáveis a partir de dois pais biológicos, superando barreiras que antes tornavam esses embriões inviáveis. A pesquisa comprova que o imprinting é o principal obstáculo para a reprodução unissexual em mamíferos e abre novas possibilidades para engenharia genética e medicina regenerativa, embora desafios como crescimento anormal e infertilidade ainda precisem ser resolvidos.


A tecnologia de células-tronco pluripotentes e a clonagem de animais são avanços importantes na ciência, permitindo o desenvolvimento de novas abordagens na medicina regenerativa.


Isso significa que essas técnicas ajudam na criação de tratamentos inovadores para doenças e no estudo de organismos vivos de maneira mais controlada. 


Elas também têm possibilitado a geração de modelos animais geneticamente modificados para estudar doenças humanas, além da criação de embriões artificiais em laboratório e organoides, pequenas estruturas que imitam órgãos humanos e são feitas a partir de células-tronco.


Além disso, essas tecnologias já estão sendo aplicadas na medicina, como no uso de células-tronco para tratar doenças e até na ideia de transplantes de órgãos de animais para humanos (transplante xenogênico). 

No entanto, seu verdadeiro potencial é limitado por um problema biológico chamado imprinting genômico. Esse termo se refere a um mecanismo pelo qual certos genes são ativados ou silenciados dependendo se foram herdados da mãe ou do pai. 


Quando há falhas nesse processo, surgem grandes dificuldades, como a morte precoce de embriões clonados, problemas na geração de descendentes a partir de células-tronco embrionárias e redução da capacidade de células-tronco induzidas de se transformarem em outros tipos de células.


Resolver essa instabilidade no imprinting poderia melhorar muito a eficiência dessas tecnologias e ampliar suas aplicações.


Alguns anos atrás, um grande avanço foi alcançado na reprodução bi-maternal (ou seja, descendentes gerados apenas a partir de duas mães, sem a participação de um pai). Isso foi possível ao modificar regiões específicas do DNA chamadas regiões diferencialmente metiladas gaméticas (gDMRs), que controlam a ativação de genes herdados dos pais. 

Ao fazer essas alterações em células-tronco embrionárias haploides derivadas de óvulos, os pesquisadores conseguiram corrigir falhas genéticas e produzir descendentes saudáveis. Esse experimento também abriu caminho para técnicas mais avançadas de edição genética e modificações cromossômicas em mamíferos.


Entretanto, enquanto algumas espécies de vertebrados inferiores (como certos répteis e anfíbios) conseguem se reproduzir espontaneamente sem a necessidade de dois sexos, isso não ocorre naturalmente em mamíferos. 


A reprodução bi-paternal (ou seja, a criação de embriões a partir de dois pais) nunca foi observada na natureza. Na verdade, mesmo quando os cientistas tentam criar embriões bi-maternos ou bi-paternos em laboratório, eles não sobrevivem sem modificações genéticas. 


E os embriões bi-paternos morrem ainda mais cedo que os bi-maternos, o que sugere que o problema do imprinting tem um impacto ainda mais severo nesses casos.


A proposta deste estudo, realizado por pesquisadores da Chinese Academy of Sciences, China,  é desenvolver uma estratégia para permitir a reprodução bi-paternal, aumentando a viabilidade desses embriões e permitindo modificações genéticas mais complexas na medicina regenerativa.


Pesquisas anteriores já tentaram modificar sete regiões impressas no DNA que estão associadas à morte precoce de embriões bi-paternos.

Os cientistas demonstraram que células-tronco embrionárias haploides derivadas de gametas, quando cultivadas sob certas condições, perdem a marcação epigenética do imprinting e entram em um estado “neutro”, sem marcas específicas de herança materna ou paterna. 


Quando sete regiões impressas foram excluídas nesse estado, os camundongos bi-paternos conseguiram nascer, mas não sobreviveram, indicando que somente apagar o imprinting não era suficiente para garantir a viabilidade.


No entanto, mesmo após essas modificações, os embriões ainda apresentavam defeitos graves e não conseguiam sobreviver. Isso levantou uma dúvida fundamental: será que os genes de imprinting são a única barreira que impede a reprodução bi-paternal em mamíferos?


Para responder a essa pergunta, este estudo utilizou diferentes técnicas de edição genética, incluindo exclusão de genes, mutações específicas e alterações em regiões regulatórias do DNA, para tentar corrigir os problemas causados pelo imprinting. No total, foram feitas 20 modificações genéticas, afetando centenas de genes.


Com essa abordagem, os pesquisadores conseguiram desenvolver uma estratégia que corrigiu os principais defeitos de desenvolvimento em embriões bi-paternos. Isso permitiu, pela primeira vez, a geração de camundongos adultos saudáveis a partir de dois pais biológicos do mesmo sexo. 


O estudo utilizou três métodos diferentes para alcançar esse feito: complementação com células-tronco embrionárias (ESCs), injeção de células haploides e clonagem nuclear (SCNT).

Camundongos viáveis ​​gerados por meio de deleções de região impressa em ESCs bi-paternas e complementação tetraploide. (A) Esquema da criação de embriões de camundongo bi-paternal por meio da co-injeção de esperma e ESCs haploides com deleções de região impressa em oócitos enucleados, seguido por complementação tetraploide. (B) Imagem de filhotes bi-paternas recém-nascidos 18KO. Todos são GFP-positivos com placentas GFP-negativas da complementação tetraploide. Dois filhotes com pálpebras abertas (asteriscos) e um controle de tipo selvagem (WT) GFP-negativo são mostrados. (C–D) Comparação de edema, pesos corporais, hérnias abdominais e macroglossia entre filhotes 7KO (7 dias), 10KO (10 dias) e 18KO (18 dias). Cada ponto representa uma ninhada ou filhote individual.


Esses resultados confirmam que os defeitos de imprinting são a principal barreira que impede a reprodução bi-paternal em mamíferos. Além disso, o estudo demonstra um nível sem precedentes de controle sobre a modificação genética em mamíferos, abrindo novas possibilidades para a engenharia genética e a medicina regenerativa.


Outro achado interessante foi que, ao corrigir os defeitos de imprinting, as células-tronco embrionárias masculinas e femininas passaram a ter estabilidade semelhante, sugerindo que as diferenças normalmente observadas podem estar ligadas ao imprinting e não apenas aos cromossomos sexuais.


Ao analisar o DNA dos camundongos bi-paternos, os pesquisadores descobriram que seus padrões de metilação (marcas químicas que controlam a ativação de genes) eram semelhantes aos dos genomas paternos normais.


Um foco especial foi dado à região do gene Peg13, que contém várias marcas regulatórias críticas. Ao modificar essa região, foi possível restaurar a ativação correta de genes vizinhos e corrigir os defeitos que impediam o desenvolvimento dos embriões.


Apesar dos avanços significativos, ainda existem desafios a serem superados. Por exemplo, embora os camundongos bi-paternos tenham sobrevivido até a fase adulta, muitos não atingiram a maturidade plena e apresentaram crescimento excessivo e menor expectativa de vida.  

(D) Imagem de camundongos 19KO adultos. Fluorescência verde de ESCs bi-paternas marcadas com GFP é visível nos pés, boca e cauda (áreas sem pelos). (E) Curvas de crescimento para camundongos WT (n = 6, macho) e 19KO (n = 7, macho). Linhas tracejadas com sombreamento representam desvios-padrão, e pontos pretos alinhados indicam a proporção média semanal de peso corporal de camundongos 19KO versus WT. As setas denotam o período de desmame. (H) Imagens de tomografia computadorizada (TC) de camundongos 19KO e WT de 6 semanas de idade. Pontas de setas vermelhas e azuis indicam suturas interfrontais e coronais em camundongos 19KO e WT.


Isso sugere que o imprinting pode ter papéis adicionais ao longo da vida, além do desenvolvimento embrionário.


Além disso, os camundongos bi-paternos não foram capazes de se reproduzir naturalmente, sendo necessários métodos de clonagem para propagar a linhagem.


No futuro, técnicas de edição epigenética, como o uso de proteínas específicas para modificar a regulação dos genes sem alterar permanentemente o DNA, podem ser alternativas para evitar os desafios das mutações permanentes.


Mesmo com essas limitações, o estudo representa um avanço histórico na biotecnologia, provando que é possível superar barreiras genéticas para criar embriões a partir de dois pais do mesmo sexo e abrindo caminho para novas aplicações na genética e medicina regenerativa. 

Comparação da razão de volume do hipocampo para o cérebro entre camundongos WT (n = 3) e 19KO (n = 4) em 6 semanas. Dados de ressonância magnética mostrando reconstrução 3D dos cérebros de camundongos WT e 19KO (cinza) e hipocampos (verde) em 6 semanas.



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Adult bi-paternal offspring generated through direct modification of imprinted genes in mammals

Zhi-kun Li, Li-bin Wang, Le-yun Wang, Xue-han Sun, Ze-hui Ren, Si-nan Ma, Yu-long Zhao, Chao Liu, Gui-hai Feng, Tao Liu, Tian-shi Pan, Qing-tong Shan, Kai Xu, Guan-zheng Luo, Qi Zhou, and Wei Li 

Cell Stem Cell. Available online 28 January 2025


Abstract:


Imprinting abnormalities pose a significant challenge in applications involving embryonic stem cells, induced pluripotent stem cells, and animal cloning, with no universal correction method owing to their complexity and stochastic nature. In this study, we targeted these defects at their source—embryos from same-sex parents—aiming to establish a stable, maintainable imprinting pattern de novo in mammalian cells. Using bi-paternal mouse embryos, which exhibit severe imprinting defects and are typically non-viable, we introduced frameshift mutations, gene deletions, and regulatory edits at 20 key imprinted loci, ultimately achieving the development of fully adult animals, albeit with a relatively low survival rate. The findings provide strong evidence that imprinting abnormalities are a primary barrier to unisexual reproduction in mammals. Moreover, this approach can significantly improve developmental outcomes for embryonic stem cells and cloned animals, opening promising avenues for advancements in regenerative medicine.

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