
Os resultados deste estudo indicam que tanto o uso recente quanto o consumo frequente e prolongado de cannabis ao longo da vida estão ligados a uma redução na atividade cerebral e no desempenho em tarefas que exigem memória de trabalho. Isso significa que pessoas que usam cannabis com frequência podem ter mais dificuldade para manter e processar informações temporárias, algo essencial para atividades do dia a dia, como seguir instruções ou resolver problemas.
À medida que mais estados e países permitem a produção e venda de cannabis para fins medicinais e recreativos, observa-se um aumento na potência dos produtos à base da planta, na frequência de consumo e nos casos de dependência.
Além disso, a maior acessibilidade à cannabis tem sido associada a um crescimento nos acidentes de trânsito relacionados ao seu uso.
O consumo frequente da substância também pode levar a problemas de saúde, como a síndrome de hiperêmese canabinoide (um distúrbio caracterizado por episódios intensos de vômito) e doenças cardiovasculares.
No entanto, mesmo com esses efeitos negativos, muitas pessoas ainda acreditam que a cannabis não traz riscos à saúde. Por isso, é fundamental aprofundar o conhecimento sobre seus impactos a curto e longo prazo para embasar políticas de saúde pública.

Pesquisas indicam que, no curto prazo, a cannabis pode prejudicar funções cognitivas, como a memória verbal. No entanto, esses efeitos podem desaparecer após 72 horas sem consumo.
Como o principal composto ativo da cannabis, o THC, interfere no sistema canabinoide natural do cérebro, os cientistas acreditam que isso pode afetar áreas cerebrais que possuem muitos receptores para essa substância.
Estudos sugerem que adolescentes usuários de cannabis podem ter um córtex pré-frontal mais fino, uma região do cérebro essencial para o planejamento e o controle de impulsos.
Vários estudos já analisaram como a cannabis afeta o funcionamento do cérebro. Por exemplo, pesquisas mostram que usuários frequentes apresentam uma ativação maior de certas regiões cerebrais quando expostos a estímulos relacionados à cannabis, o que pode indicar um desejo intenso pela substância.
Além disso, indivíduos que começaram a consumir cannabis na adolescência podem ter alterações na conectividade entre diferentes regiões do cérebro.

O uso frequente também está associado a uma redução na atividade cerebral em áreas envolvidas na memória, no controle de emoções, no processamento de recompensas e na interação social. Entretanto, a maioria desses estudos contou com menos de 30 participantes, o que limita a força das conclusões.
Para aprofundar essa investigação, pesquisadores da University of Colorado Anschutz Medical Campus, USA, utilizaram dados do Human Connectome Project (HCP), um grande banco de informações sobre a estrutura e a função do cérebro.
O estudo analisou a relação entre o consumo de cannabis e a ativação cerebral em diferentes tarefas cognitivas, considerando tanto o histórico de uso ao longo da vida quanto o consumo recente.
O HCP também permitiu levar em conta fatores como idade, nível socioeconômico e o uso de outras substâncias, como álcool e nicotina, garantindo que os resultados fossem realmente atribuídos à cannabis.

A pesquisa envolveu mais de 1000 jovens adultos, com idade média de 28,7 anos. Os participantes foram classificados em três grupos: usuários pesados (com mais de 1000 usos ao longo da vida), usuários moderados (entre 10 e 999 usos) e não usuários (menos de 10 usos).
Durante o estudo, exames de ressonância magnética funcional avaliaram a ativação cerebral enquanto os participantes realizavam diferentes tarefas, como testes de memória, linguagem, tomada de decisões e controle motor.
Os resultados mostraram que pessoas com um histórico de uso pesado de cannabis apresentaram menor ativação cerebral durante uma tarefa de memória de trabalho. As áreas mais afetadas incluíam o córtex pré-frontal medial, o córtex pré-frontal dorsolateral e a ínsula anterior, todas regiões essenciais para o pensamento estratégico e a tomada de decisões.

Histórico de vida de uso e ativação de cannabis durante a tarefa de memória de trabalho. A) Imagens cerebrais representando regiões e tamanho do efeito. Cada uma das 4 regiões no resumo da tarefa de memória de trabalho foi examinada separadamente como uma análise post hoc para determinar quais regiões estavam associadas ao histórico de cannabis. A imagem cerebral representa o tamanho do efeito da comparação entre usuários pesados e não usuários para cada uma das 4 regiões. B) Gráfico de barras dos modelos. Os modelos incluíram o histórico de vida como uma variável independente e ajustado para uso recente de cannabis (ou seja, triagem de urina positiva), idade, sexo, educação, renda, uso de álcool e uso de nicotina. dlPFC indica o córtex pré-frontal dorsolateral e dmPFC indica o córtex pré-frontal dorsomedial.
O consumo recente também foi associado a uma menor ativação em tarefas de memória e controle motor, mas essas diferenças não foram estatisticamente significativas. Nenhuma outra função cerebral analisada mostrou uma relação clara com o uso da substância.
Em resumo, o estudo indica que o uso pesado e prolongado de cannabis pode estar ligado a déficits na ativação cerebral em áreas responsáveis pela memória de trabalho. Esses efeitos podem ser duradouros e impactar a cognição de jovens adultos, mesmo que eles estejam saudáveis.
Esses achados reforçam a importância de continuar investigando os impactos do uso frequente de cannabis no cérebro e destacar os possíveis riscos para o funcionamento cognitivo.
LEIA MAIS:
Brain Function Outcomes of Recent and Lifetime Cannabis Use
Joshua L. Gowin, Jarrod M. Ellingson, Hollis C. Karoly, Peter Manza, J. Megan Ross, Matthew E. Sloan, Jody L. Tanabe, and Nora D. Volkow
JAMA Netw Open. 2025;8(1):e2457069. doi:10.1001/jamanetworkopen.2024.57069
Abstract:
Cannabis use has increased globally, but its effects on brain function are not fully known, highlighting the need to better determine recent and long-term brain activation outcomes of cannabis use. To examine the association of lifetime history of heavy cannabis use and recent cannabis use with brain activation across a range of brain functions in a large sample of young adults in the US. This cross-sectional study used data (2017 release) from the Human Connectome Project (collected between August 2012 and 2015). Young adults (aged 22-36 years) with magnetic resonance imaging (MRI), urine toxicology, and cannabis use data were included in the analysis. Data were analyzed from January 31 to July 30, 2024. History of heavy cannabis use was assessed using the Semi-Structured Assessment for the Genetics of Alcoholism, with variables for lifetime history and diagnosis of cannabis dependence. Individuals were grouped as heavy lifetime cannabis users if they had greater than 1000 uses, as moderate users if they had 10 to 999 uses, and as nonusers if they had fewer than 10 uses. Participants provided urine samples on the day of scanning to assess recent use. Diagnosis of cannabis dependence (per Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition criteria) was also included. Brain activation was assessed during each of the 7 tasks administered during the functional MRI session (working memory, reward, emotion, language, motor, relational assessment, and theory of mind). Mean activation from regions associated with the primary contrast for each task was used. The primary analysis was a linear mixed-effects regression model (one model per task) examining the association of lifetime cannabis and recent cannabis use on the mean brain activation value. The sample comprised 1003 adults (mean [SD] age, 28.7 [3.7] years; 470 men [46.9%] and 533 women [53.1%]). A total of 63 participants were Asian (6.3%), 137 were Black (13.7%), and 762 were White (76.0%). For lifetime history criteria, 88 participants (8.8%) were classified as heavy cannabis users, 179 (17.8%) as moderate users, and 736 (73.4%) as nonusers. Heavy lifetime use (Cohen d = −0.28 [95% CI, −0.50 to −0.06]; false discovery rate corrected P = .02) was associated with lower activation on the working memory task. Regions associated with a history of heavy use included the anterior insula, medial prefrontal cortex, and dorsolateral prefrontal cortex. Recent cannabis use was associated with poorer performance and lower brain activation in the working memory and motor tasks, but the associations between recent use and brain activation did not survive false discovery rate correction. No other tasks were associated with lifetime history of heavy use, recent use, or dependence diagnosis. In this study of young adults, lifetime history of heavy cannabis use was associated with lower brain activation during a working memory task. These findings identify negative outcomes associated with heavy lifetime cannabis use and working memory in healthy young adults that may be long lasting.
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