O estudo compara como as formigas e os humanos resolvem quebra-cabeças geométricos de maneira cooperativa. Foi observado que as formigas tendem a coordenar suas ações de forma mais eficiente quando trabalham em equipe, baseadas em simples interações locais. Já os humanos, por outro lado, enfrentam maiores dificuldades em trabalhar em grupo para resolver problemas dessa natureza.
A vida em grupo oferece muitas vantagens, e uma das mais interessantes é o conceito de “cognição coletiva”. Isso se refere à capacidade de um grupo de integrar informações e reagir de maneira coordenada ao ambiente, potencialmente superando as habilidades dos indivíduos que o compõem.
Quando os membros de um grupo cooperam e compartilham informações, suas capacidades cognitivas combinadas podem ultrapassar as de qualquer um dos membros agindo sozinho.
Esse aprimoramento das habilidades coletivas é crucial, pois permite que grupos ampliem suas capacidades para resolver problemas e enfrentar desafios complexos. No entanto, coordenação em grandes grupos nem sempre é simples; frequentemente, os esforços coletivos podem ser ineficientes ou até contraproducentes.
A comparação direta entre as habilidades cognitivas de grupos grandes e indivíduos pode ser difícil e, muitas vezes, sem sentido, pois diferentes tamanhos de grupos interagem com o ambiente em diferentes escalas.
Um exemplo clássico é a comparação entre um neurônio individual e o cérebro como um todo. Não faz sentido medir a capacidade cognitiva de um único neurônio em relação ao cérebro completo, pois eles operam em níveis muito diferentes.
Da mesma forma, comparar diretamente a cognição de um indivíduo com a de um grupo é um desafio, e há poucos exemplos onde isso foi feito de forma quantitativa.
Espécies que realizam transporte cooperativo de carga oferecem uma oportunidade única para fazer comparações significativas entre indivíduos e grupos.
Nessas espécies, cargas pequenas podem ser carregadas por indivíduos, enquanto cargas maiores exigem o esforço coordenado de um grupo.
O aumento do número de membros de um grupo não apenas aumenta a força física disponível, mas pode também melhorar a capacidade do grupo de navegar em ambientes complexos e desordenados.
Formigas da especie Paratrechina longicornis, que realizam transporte cooperativo de carga, foram utilizadas no estudo. Imagem: Rajesh V. Sanap.
Para testar se o trabalho em grupo melhora as habilidades cognitivas de maneira mensurável, cientistas do Instituto Weizmann de Ciências em Israel desenvolveram um experimento usando um quebra-cabeça físico chamado "piano-movers".
Esse quebra-cabeça envolve transportar uma carga em forma de T por uma série de câmaras conectadas por passagens estreitas. A carga deve ser manobrada através dessas passagens de maneira eficiente, sem etapas desnecessárias.
Os cientistas criaram versões em diferentes tamanhos desse quebra-cabeça para testar tanto humanos quanto formigas.
As pessoas foram instruídas a resolver o quebra-cabeça, enquanto as formigas, motivadas a carregar a carga para o ninho, se comportaram como se estivessem transportando comida.
O quebra-cabeça representava desafios significativos para ambos. Para humanos, o desafio estava nas avaliações precisas de comprimento, rotações mentais e compreensão de simetria.
Para as formigas, a dificuldade residia na comunicação simples baseada em feromônios, que não levava em consideração a geometria da carga ou das passagens.
O quebra-cabeça do movimento do piano. (A) Instantâneos de dois solucionadores de formigas: uma única formiga (esquerda) e um grande grupo de formigas (direita) durante uma tentativa de resolução, com zoom-ins em formigas transportadoras. A configuração da carga dentro do quebra-cabeça é definida por sua posição de centro de massa e seu ângulo de orientação. (B) Instantâneos de dois solucionadores humanos: uma única pessoa (esquerda) e um grande grupo de pessoas (direita) durante uma tentativa de resolução. Nos painéis A e B, a carga em cada instantâneo é destacada em vermelho. (C) Possíveis estados da carga dentro do quebra-cabeça. Setas em verde indicam as melhores solução do quebra-cabeça
Foram testados diferentes tamanhos de grupos de formigas e pessoas. Para as formigas, grupos pequenos (cerca de 7 formigas) e grupos grandes (cerca de 80 formigas) enfrentaram versões em escalas diferentes do quebra-cabeça.
Gravação de uma sucessão de formigas únicas resolvendo o quebra-cabeça (acelerado 10 vezes e cortado de forma que longos períodos de tempo sem movimento de carga sejam removidos). A distância entre os pontos vermelhos no chão da arena é de 2 cm.
Para os humanos, indivíduos, pequenos grupos (6 a 9 pessoas) e grandes grupos (16 a 26 pessoas) tentaram resolver versões correspondentes do quebra-cabeça. Nesse grupo, foram subdivididos em um grupos que poderiam se comunicar e outro grupo sem comunicação.
Gravação de uma única pessoa resolvendo o quebra-cabeça (acelerada 10 vezes).
Os resultados mostraram que as formigas, apesar de sua comunicação simples, foram mais eficazes em grandes grupos. Sua coordenação eficiente, baseada em interações simples, permitiu que superassem significativamente o desempenho de formigas individuais ou de pequenos grupos.
Gravação de um grande grupo de formigas resolvendo o quebra-cabeça (acelerado 10 vezes). A distância entre os pontos vermelhos no chão da arena é de 2 cm.
Já os humanos enfrentaram desafios maiores, especialmente quando sua comunicação foi restrita, o que fez com que tivessem dificuldades em coordenar seus esforços tão bem quanto as formigas.
Os humanos, especialmente em grupos com comunicação restrita, enfrentaram dificuldades em igualar o desempenho das formigas, indicando que a comunicação é fundamental para a colaboração humana eficaz.
Enquanto grupos de pessoas com comunicação restrita se comunicam por meio de forças como as formigas, eles não mostraram uma melhora correspondente com números. Na verdade, o oposto foi verdadeiro, pois esses grupos tiveram um desempenho significativamente pior do que os indivíduos.
Gravação de um grande grupo de pessoas com comunicação restrita resolvendo o quebra-cabeça (acelerado 10 vezes).
Os grupos que foram autorizados a se comunicar revertem esse efeito e superam marginalmente os indivíduos.
Este estudo destacou que, embora os humanos tenham habilidades cognitivas avançadas, sua colaboração em grupo pode ser menos eficiente sem uma comunicação clara.
Por outro lado, as formigas, com suas interações simples e diretas, demonstraram uma organização social que lhes permite enfrentar desafios complexos de forma eficaz.
A pesquisa também mostrou como diferentes formas de comunicação e organização social afetam a eficiência na resolução de problemas em grupo.
Enquanto as formigas utilizam uma memória coletiva emergente que as ajuda a realizar varreduras sistemáticas e ordenadas, os humanos, mesmo com sua maior flexibilidade cognitiva, precisam de comunicação avançada para melhorar a cooperação em grupo.
Esse estudo revelou diferenças importantes entre como formigas e humanos resolvem problemas coletivamente, sugerindo que em certos contextos, a organização simples das formigas pode ser mais eficaz do que as habilidades cognitivas superiores dos humanos.
Isso tem implicações para a compreensão da cognição coletiva e pode inspirar o design de sistemas cooperativos em robótica e outros campos.
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Comparing cooperative geometric puzzle solving in ants versus humans
Tabea Dreyer, Amir Haluts, Amos Korman, Nir Gov, Ehud Fonio, and Ofer Feinerman
PNAS. 122 (1) e2414274121
Abstract:
Biological ensembles use collective intelligence to tackle challenges together, but suboptimal coordination can undermine the effectiveness of group cognition. Testing whether collective cognition exceeds that of the individual is often impractical since different organizational scales tend to face disjoint problems. One exception is the problem of navigating large loads through complex environments and toward a given target. People and ants stand out in their ability to efficiently perform this task not just individually but also as a group. This provides a rare opportunity to empirically compare problem-solving skills and cognitive traits across species and group sizes. Here, we challenge people and ants with the same “piano-movers” load maneuvering puzzle and show that while ants perform more efficiently in larger groups, the opposite is true for humans. We find that although individual ants cannot grasp the global nature of the puzzle, their collective motion translates into emergent cognitive skills. They encode short-term memory in their internally ordered state and this allows for enhanced group performance. People comprehend the puzzle in a way that allows them to explore a reduced search space and, on average, outperform ants. However, when communication is restricted, groups of people resort to the most obvious maneuvers to facilitate consensus. This is reminiscent of ant behavior, and negatively impacts their performance. Our results exemplify how simple minds can easily enjoy scalability while complex brains require extensive communication to cooperate efficiently.
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