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Testemunhar o Medo: Como o Trastorno do Estresse Pós Traumático do Espectador Altera o Cérebro

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 20 de mar.
  • 5 min de leitura

O estudo investiga como o medo pode ser aprendido indiretamente, ou seja, apenas observando outra pessoa ou animal passando por uma experiência traumática. Os pesquisadores descobriram que, embora as reações comportamentais de quem aprende o medo indiretamente sejam parecidas com reflexos automáticos, os processos no cérebro são diferentes e envolvem assinaturas moleculares únicas. Essas descobertas podem ajudar a melhorar tratamentos para o TEPT, considerando diferenças entre traumas diretos e indiretos, além de possíveis variações entre homens e mulheres.


O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é um grave transtorno de ansiedade que pode se desenvolver após uma pessoa vivenciar ou testemunhar um evento traumático.


Curiosamente, não é apenas quem sofre diretamente o trauma que pode desenvolver TEPT; aproximadamente 30% das pessoas que testemunham o sofrimento de outra pessoa também podem apresentar os mesmos sintomas. 


Esse fenômeno é chamado de transtorno de estresse pós-traumático do espectador e tem sido estudado por apresentar características fisiológicas e comportamentais semelhantes ao TEPT de quem viveu diretamente a experiência traumática. 


No entanto, pouco se sabe sobre as diferenças nos circuitos cerebrais e nas assinaturas moleculares entre esses dois tipos de TEPT, pois ambos são diagnosticados e tratados da mesma maneira. Compreender melhor essas diferenças pode ajudar no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e personalizados.

Desde a década de 1980, os cientistas utilizam modelos animais para estudar os mecanismos do transtorno de estresse pós-traumático, especialmente em relação ao medo. Um dos métodos mais comuns é o condicionamento do medo, no qual os pesquisadores ensinam um animal a associar um som específico a um evento desagradável, como um leve choque nos pés. 


Isso permite observar como as memórias de medo são formadas no cérebro e quais processos biológicos estão envolvidos. 


Estudos anteriores mostraram que a amígdala cerebral, uma região essencial para processar emoções, desempenha um papel fundamental na criação dessas memórias. Pesquisas também revelaram que a degradação de proteínas, um processo pelo qual proteínas antigas ou danificadas são eliminadas das células, é essencial para a consolidação da memória do medo. 


Além disso, já foi identificado que machos e fêmeas podem ter diferentes formas de processar e armazenar essas memórias devido a variações na maneira como as proteínas são degradadas na amígdala. 

Apesar dos avanços no estudo da memória do medo, a maioria das pesquisas se concentra nos indivíduos que passam diretamente pelo evento traumático. Isso significa que ainda sabemos muito pouco sobre como memórias de medo adquiridas indiretamente, ou seja, apenas observando outra pessoa em perigo, são formadas e processadas no cérebro. 


Para investigar essa questão, os cientistas desenvolveram um modelo de aprendizado de medo indireto (IFL - Indirect Fear Learning). Esse modelo, também chamado de aprendizado social do medo, tem sido estudado em várias espécies, incluindo roedores e primatas. 


Em ratos, por exemplo, um animal (o observador) assiste a outro rato (o demonstrador) recebendo um choque nos pés sempre que um som é emitido. Depois de algumas repetições, o rato observador começa a demonstrar sinais de medo ao ouvir o mesmo som, mesmo que ele próprio nunca tenha recebido um choque. Isso indica que ele aprendeu a associação apenas por observação.


Pesquisas anteriores mostraram que algumas regiões cerebrais envolvidas no medo direto, como a amígdala e o córtex cingulado anterior (ACC), também são ativadas quando um animal adquire medo de forma indireta. Essas regiões também desempenham um papel fundamental na empatia, ou seja, na capacidade de perceber e reagir ao sofrimento de outros indivíduos. 

Estudos com humanos e roedores mostraram que a atividade neural nessas áreas aumenta tanto quando uma pessoa ou animal sente dor quanto quando observa outra pessoa sofrendo.


Além disso, foi descoberto que a comunicação entre o córtex cingulado anterior e a amígdala é essencial para a transmissão do medo social, mas ainda não se sabe se as vias moleculares envolvidas no  aprendizado do medo indireto são as mesmas que no medo direto.


No presente estudo, os cientistas investigaram os mecanismos comportamentais e moleculares que sustentam as memórias de medo adquiridas indiretamente. Um foco especial foi dado à degradação de proteínas mediada pela poliubiquitinação K48, um processo que regula a formação de memórias no cérebro. 


Os experimentos envolveram 120 ratos machos e 104 fêmeas da linhagem Sprague-Dawley, todos com idades entre 8 e 9 semanas. Os ratos foram alojados em pares e tiveram acesso livre à comida e água, sendo expostos ao experimento apenas durante a fase clara do ciclo de 12 horas de luz e 12 horas de escuridão.


Para garantir que os dados fossem coletados de maneira precisa e sem interferência humana, os pesquisadores utilizaram um software automatizado para registrar as respostas comportamentais dos ratos durante os testes. 

Os resultados do estudo revelaram que tanto ratos machos quanto fêmeas foram capazes de aprender o medo de forma indireta, independentemente do sexo ou da familiaridade com o demonstrador. 


Comportamentalmente, os animais que adquiriram medo de forma indireta tiveram reações semelhantes às do pseudocondicionamento, um fenômeno no qual os animais parecem reagir ao estímulo, mas sem uma aprendizagem real. 


No entanto, quando os pesquisadores analisaram o perfil molecular dos cérebros dos ratos, descobriram algo surpreendente: as assinaturas moleculares das memórias de medo adquiridas indiretamente eram distintas daquelas das memórias adquiridas diretamente e do pseudocondicionamento.


Isso sugere que, mesmo que o comportamento aparente seja similar, os processos biológicos envolvidos são diferentes.


Além disso, a expressão de genes como Egr2 e c-fos, que estão associados à formação da memória, foi analisada em uma região do cérebro chamada córtex retroesplenial. 

Curiosamente, os ratos observadores apresentaram padrões de expressão genética semelhantes aos dos demonstradores, mas muito diferentes dos ratos pseudocondicionados. Isso reforça a ideia de que a memória do medo adquirida indiretamente envolve mecanismos específicos e não pode ser simplesmente explicada por um comportamento reflexo.


Essas descobertas têm implicações importantes para o estudo do transtorno de estresse pós-traumático do espectador. Elas sugerem que as memórias de medo adquiridas indiretamente podem ter mecanismos biológicos diferentes das memórias adquiridas por meio de experiências diretas. 


Isso significa que os tratamentos para o TEPT podem precisar ser ajustados dependendo da forma como o medo foi aprendido.



LEIA MAIS:


Indirectly acquired fear memories have distinct, sex-specific molecular signatures from directly acquired fear memories

Shaghayegh Navabpour, Morgan B. Patrick, Nour A. Omar, Shannon E. Kincaid, Yeeun Bae, Jennifer Abraham, Jacobi McGrew, Madeline Musaus,

W. Keith Ray, Richard F. Helm, Timothy J. Jarome 

PLoS ONE 19(12): e0315564.


Abstract: 


Post-traumatic stress disorder (PTSD) is a severe anxiety disorder that affects women more than men. About 30% of patients suffering from PTSD develop the disorder by witnessing a traumatic event happen to someone else. However, as the focus has remained on those directly experiencing the traumatic event, whether indirectly acquired fear memories that underlie PTSD have the same molecular signature as those that are directly acquired remains unknown. Here, using a rodent indirect fear learning paradigm where one rat (observer) watches another rat (demonstrator) associate an auditory cue with foot shock, we found that fear can be indirectly acquired by both males and females regardless of the sex or novelty (familiarity) of the demonstrator animal. However, behaviorally, indirectly acquired fear responses resemble those of pseudoconditioning, a behavioral response that is thought to not represent learning. Despite this, using unbiased proteomics, we found that indirectly acquired fear memories have distinct protein degradation profiles in the amygdala and anterior cingulate cortex (ACC) relative to directly acquired fear memories and pseudoconditioning, which further differed significantly by sex. Additionally, Egr2 and c-fos expression in the retrosplenial cortex of observer animals resembled that of demonstrator rats but was significantly different than that of pseudoconditioned rats. Together, these findings reveal that indirectly acquired fear memories have sex-specific molecular signatures that differ from those of directly acquired fear memories or pseudoconditioning. These data have important implications for understanding the neurobiology of indirectly acquired fear memories that may underlie bystander PTSD.

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