Resumo:
Este estudo revolucionário destaca o papel central do intestino na saúde emocional e no comportamento humano. A serotonina intestinal, muitas vezes negligenciada em discussões sobre saúde mental, desempenha um papel crítico no alívio da ansiedade e da depressão, enquanto a exposição aos ISRS durante a gestação pode ter consequências de longo prazo no desenvolvimento infantil.
O intestino desempenha um papel crucial na produção de serotonina, uma molécula que atua como neurotransmissor e hormônio. Cerca de 90% da serotonina do corpo é produzida no trato gastrointestinal, especialmente pelas células enterocromafins no revestimento intestinal.
Essa serotonina regula importantes funções digestivas, como motilidade intestinal, secreção e percepção de dor visceral. Além disso, a serotonina intestinal influencia o sistema nervoso central indiretamente, por meio da comunicação com o nervo vago e outras vias.
Essa conexão entre o intestino e o cérebro, conhecida como eixo intestino-cérebro, destaca o papel do intestino não apenas na digestão, mas também na modulação do humor e das emoções.
Os transtornos de humor e os distúrbios gastrointestinais baseados em interações cérebro-intestino (DGBI) são problemas de saúde altamente prevalentes e frequentemente coexistem em pacientes. Apesar disso, ainda há uma lacuna significativa no desenvolvimento de terapias plenamente eficazes para ambos.
Atualmente, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) são considerados a primeira linha de tratamento farmacológico para esses transtornos devido à sua capacidade de aumentar os níveis de serotonina no organismo.
No entanto, os ISRS podem causar uma série de efeitos adversos, como aumento da ansiedade, anedonia (perda de prazer), alterações na motilidade gastrointestinal, e outros efeitos negativos.
Quando administrados durante a gravidez, também foram associados a um maior risco de problemas cognitivos, transtornos de humor e disfunções gastrointestinais em crianças expostas no útero.
Os ISRS atuam em todo o organismo ao bloquear o transportador de serotonina (SERT), promovendo um aumento da sinalização serotoninérgica no cérebro, no epitélio intestinal e nos neurônios entéricos.
Porém, ainda não está claro quais desses compartimentos do corpo são responsáveis pelos efeitos terapêuticos e quais estão relacionados aos efeitos colaterais. Além disso, há dúvidas sobre como a exposição gestacional aos ISRS pode influenciar diretamente o desenvolvimento de DGBI em humanos.
Para entender melhor essas questões, pesquisadores da New York University realizaram uma série de estudos utilizando técnicas transgênicas, cirúrgicas e farmacológicas.
O foco foi explorar os efeitos do SERT intestinal e da serotonina epitelial na regulação do humor e na função gastrointestinal. Além disso, investigaram as vias de comunicação entre o intestino e o cérebro para identificar os mecanismos pelos quais essas interações ocorrem.
Grande parte das investigações sobre os mecanismos do transportador de serotonina (SERT) e o papel da serotonina epitelial intestinal foi conduzida em modelos animais.
Os pesquisadores utilizaram camundongos transgênicos e outras abordagens experimentais para manipular o SERT e a produção de serotonina intestinal. Essas técnicas permitiram observar os efeitos desses fatores no comportamento (como ansiedade e depressão) e na função gastrointestinal.
Os cientistas também conduziram um estudo de coorte prospectivo com humanos, que avaliou os efeitos da exposição gestacional aos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) no desenvolvimento de distúrbios gastrointestinais baseados na interação cérebro-intestino (DGBI) em bebês durante o primeiro ano de vida, isolando esses efeitos dos sintomas depressivos maternos.
Os experimentos revelaram que a ablação do SERT de maneira específica no epitélio intestinal resultou em efeitos positivos sobre o humor, reduzindo comportamentos de ansiedade e sintomas de depressão. Esses efeitos foram alcançados sem causar danos ao trato gastrointestinal ou ao funcionamento do cérebro.
Por outro lado, a inibição da síntese de serotonina no epitélio intestinal teve o efeito oposto, aumentando os níveis de ansiedade e os comportamentos relacionados à depressão. Isso sugere que o equilíbrio da serotonina no intestino desempenha um papel crucial na regulação emocional.
Além disso, os pesquisadores identificaram as vias vagais aferentes como o principal mecanismo pelo qual a serotonina intestinal afeta o comportamento emocional. Essas vias conectam o intestino ao cérebro, permitindo a comunicação bidirecional entre os dois sistemas.
O estudo de coorte também trouxe resultados importantes. Foi demonstrado que a exposição intrauterina a ISRS é um fator de risco específico para o desenvolvimento de distúrbios gastrointestinais funcionais em bebês, particularmente constipação funcional, durante o primeiro ano de vida.
Esse efeito ocorreu de forma independente dos sintomas depressivos das mães, sugerindo uma ligação direta entre a exposição ao ISRS e os problemas gastrointestinais nas crianças.
Essas descobertas fornecem uma nova compreensão sobre como o trato gastrointestinal influencia os comportamentos emocionais, reforçando o papel central do intestino na regulação do humor.
Além disso, os resultados sugerem uma abordagem terapêutica inovadora que utiliza o intestino como alvo para tratar transtornos de humor de forma mais eficaz e com menos efeitos adversos.
Por fim, o estudo estabelece uma conexão importante entre a exposição intrauterina a ISRS e o desenvolvimento de DGBI em humanos, destacando a necessidade de considerar os potenciais impactos dessa classe de medicamentos durante a gravidez.
Essa descoberta tem implicações significativas para o tratamento de gestantes e para o desenvolvimento de intervenções que possam mitigar os riscos aos recém-nascidos.
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Intestinal Epithelial Serotonin as a Novel Target for Treating Disorders of Gut-Brain Interaction and Mood
Lin Y. Hung, Nuno D. Alves, Andrew Del Colle, Ardesheer Talati, Sarah A. Najjar, Virginie Bouchard, Virginie Gillet, Yan Tong, Zixing Huang, Kirsteen N. Browning, Jialiang Hua, Ying Liu, James O. Woodruff, Daniel Juarez, Melissa Medina, Jonathan Posner, Raquel Tonello, Nazli Yalcinkaya, Narek Israelyan, Roey Ringel, Letao Yang, Kam W. Leong, Mu Yang, Ji Ying Sze, Tor Savidge, Jay Gingrich, Robert J. Shulman, Michael D. Gershon, Annie Ouellet, Larissa Takser, Mark S. Ansorge, Kara Gross Margolis
Gastroenterology. December 11, 2024
DOI: 10.1053/j.gastro.2024.11.012
Abstract:
Mood disorders and DGBI are highly prevalent, commonly co-morbid and lack fully effective therapies. Although SSRIs are first line pharmacological treatments for these disorders, they may impart adverse effects including anxiety, anhedonia, dysmotility and, in children exposed in utero, an increased risk of cognitive, mood and gastrointestinal disorders. SSRIs act systemically to block SERT and enhance serotonergic signaling in the brain, intestinal epithelium and enteric neurons. Yet, the compartments that mediate the therapeutic and adverse effects of SSRIs are unknown, as is whether gestational SSRI exposure directly contributes to human DGBI development. We utilized transgenic, surgical, and pharmacological approaches to study the effects of intestinal epithelial SERT or serotonin on mood and gastrointestinal function, as well as relevant communication pathways. We also conducted a prospective birth cohort study to assess effects of gestational SSRI exposure on DGBI development. SERT ablation targeted to the intestinal epithelium promoted anxiolytic and anti-depressive-like effects without causing adverse effects on the gastrointestinal tract or brain; conversely, epithelial serotonin synthesis inhibition increased anxiety and depression-like behaviors. Afferent vagal pathways were found to be conduits by which intestinal epithelial serotonin affects behavior. In utero SSRI exposure is a significant and specific risk factor for development of the DGBI, functional constipation, in the first year of life, irrespective of maternal depressive symptoms. These findings provide fundamental insights into how the gastrointestinal tract modulates emotional behaviors, reveal a novel gut-targeted therapeutic approach for mood modulation and suggest a new link in humans between in utero SSRI exposure and DGBI development.
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