Resumo:
Uma célula T projetada (centro) é projetada para administrar terapias ao cérebro. Esta célula T exibe receptores sintéticos laranja em sua superfície, que reconhecem componentes de fibras da matriz extracelular que são encontradas apenas no cérebro. Dentro da célula, vias de sinalização downstream são programadas para iniciar a transcrição e liberar uma carga terapêutica.
O sistema nervoso central (SNC), que inclui o cérebro e a medula espinhal, é notoriamente difícil de tratar devido aos desafios de administrar terapias efetivamente através da barreira hematoencefálica.
Essa barreira protetora protege o cérebro de substâncias nocivas, mas também impede que muitas moléculas terapêuticas atinjam seu alvo. Além disso, terapias que chegam ao cérebro geralmente afetam outras partes do corpo, causando efeitos colaterais indesejados.
Para superar esses desafios, os pesquisadores estão explorando uma estratégia revolucionária: usar células imunes, particularmente células T, como veículos de administração para terapias cerebrais direcionadas.
As células T são um tipo de célula imune que desempenha um papel crucial na defesa do corpo contra infecções e outras ameaças. Essas células são altamente adaptáveis e podem navegar por vários tecidos, incluindo o cérebro, em condições saudáveis e doentes.
As células T têm a capacidade única de reconhecer e responder a marcadores específicos, chamados antígenos, na superfície das células. Essa capacidade as torna candidatas ideais para administrar terapias diretamente ao cérebro, poupando outros tecidos de exposição desnecessária.
A equipe de pesquisa, da University of California San Francisco, levantou a hipótese de que seria possível "programar" células T para entregar seletivamente moléculas terapêuticas ao cérebro.
Para conseguir isso, eles identificaram antígenos que são encontrados única ou predominantemente no SNC. Esses antígenos agem como um "sinal de GPS", guiando as células T para o cérebro. Por exemplo, um desses antígenos, brevican (BCAN), é uma proteína encontrada exclusivamente na matriz extracelular do cérebro — uma rede que fornece suporte estrutural às células cerebrais.
Para permitir que as células T reconheçam esses antígenos, os pesquisadores projetaram receptores Notch sintéticos (synNotch). Esses receptores são projetados para detectar antígenos específicos, como BCAN, e desencadear uma resposta controlada dentro da célula T.
Quando uma célula T equipada com synNotch encontra seu antígeno alvo no cérebro, ela ativa a expressão de uma molécula terapêutica adaptada para tratar a condição subjacente.
Para testar sua abordagem, os pesquisadores usaram essas células T projetadas em modelos de camundongos de câncer cerebral e neuroinflamação
1- Tumores cerebrais:
A equipe programou células T para produzir um receptor de antígeno quimérico (CAR) ao detectar antígenos específicos do cérebro. Os CARs permitem que as células T procurem e destruam células cancerígenas. Em camundongos com glioblastoma (um tumor cerebral primário) e câncer de mama metastático que se espalhou para o cérebro, essas células T eliminaram efetivamente os tumores sem prejudicar os tecidos saudáveis fora do cérebro.
2- Neuroinflamação:
A neuroinflamação desempenha um papel fundamental em doenças como a esclerose múltipla (EM). Em um modelo de camundongo de EM, os pesquisadores programaram células T para liberar interleucina-10 (IL-10), uma molécula anti-inflamatória, quando entraram no cérebro. Essa liberação direcionada de IL-10 reduziu a inflamação e melhorou os sintomas, demonstrando o potencial para tratar doenças inflamatórias do SNC.
Programação de células T sensíveis ao tecido para administrar terapêuticas ao cérebro. (A) células T projetadas que podem reconhecer antígenos endógenos normais específicos do SNC usando um receptor synNotch para induzir a produção de cargas terapêuticas especificamente no cérebro. Por exemplo, a indução de um receptor de antígeno quimérico (CAR) poderia ser usada para atingir tumores cerebrais, ou a indução de uma citocina anti-inflamatória como a IL-10 poderia ser usada para suprimir a neuroinflamação. Este sistema de administração específico do SNC poderia ser uma plataforma geral para tratar diversas doenças do SNC sem o risco de toxicidade sistêmica. (B) Quando injetadas em um camundongo, as células T sensíveis ao SNC expressaram especificamente a carga induzida pelo synNotch no cérebro, mas não na periferia (baço). (C) Em um modelo de glioblastoma em camundongo, células T sensíveis ao SNC equipadas para expressar um CAR anti-receptor tipo A de efrina 2/receptor IL-13 α2 (EphA2/IL13Rα2) eliminaram de forma eficiente e duradoura os tumores cerebrais. (D) Em um modelo de dois tumores, as células T sensíveis ao SNC eliminaram apenas o tumor implantado no cérebro (linha vermelha sólida), mas não um tumor implantado no flanco que expressa os antígenos alvo do CAR idênticos (linha rosa pontilhada). Portanto, as células T são seletivamente preparadas apenas no cérebro.
Uma das principais inovações dessa estratégia é sua especificidade de duas camadas. Primeiro, as células T projetadas são ativadas apenas no cérebro porque são projetadas para reconhecer antígenos específicos do cérebro.
Segundo, a molécula terapêutica que elas liberam (como CARs ou IL-10) é altamente direcionada ao processo da doença. Essa especificidade dupla minimiza o risco de efeitos colaterais sistêmicos e aumenta a eficácia da terapia no local alvo.
Essa abordagem inovadora demonstra como as células imunes podem ser aproveitadas para fornecer terapias de maneira altamente direcionada e controlada. Embora o foco atual seja nos distúrbios do SNC, o conceito pode ser estendido a outros tecidos e doenças. Ao programar as células imunes para integrar sinais do corpo e do ambiente da doença, os pesquisadores esperam criar terapias mais seguras, precisas e eficazes.
Este trabalho representa um grande passo à frente no tratamento de distúrbios complexos e desafiadores do SNC, oferecendo esperança para condições que variam de tumores cerebrais a doenças neurodegenerativas. A capacidade de personalizar células T para administração direcionada pode abrir novas portas na luta contra condições antes intratáveis.
LEIA MAIS:
Programming tissue-sensing T cells that deliver therapies to the brain
MILOS S. SIMIC, PAYAL B. WATCHMAKER, SASHA GUPTA,
YUAN WANG, SHARON A. SAGAN, JASON DUECKER,
CHANELLE SHEPHERD, DAVID DIEBOLD, PSALM PINEO-CAVANAUGH, JEFFREY HAEGELIN, ROBERT ZHU, BEN NG, WEI YU, YURIE TONAI, LIA CARDARELLI, NISHITH R. REDDY, SACHDEV S. SIDHU, OLGA TROYANSKAYA, STEPHEN L. HAUSER, MICHAEL R. WILSON, S. ZAMVIL, HIDEHO OKADA, AND WENDELL A. LIM
SCIENCE. 6 Dec 2024. Vol 386, Issue 6726
DOI: 10.1126/science.adl4237
Abstract:
To engineer cells that can specifically target the central nervous system (CNS), we identified extracellular CNS-specific antigens, including components of the CNS extracellular matrix and surface molecules expressed on neurons or glial cells. Synthetic Notch receptors engineered to detect these antigens were used to program T cells to induce the expression of diverse payloads only in the brain. CNS-targeted T cells that induced chimeric antigen receptor expression efficiently cleared primary and secondary brain tumors without harming cross-reactive cells outside of the brain. Conversely, CNS-targeted cells that locally delivered the immunosuppressive cytokine interleukin-10 ameliorated symptoms in a mouse model of neuroinflammation. Tissue-sensing cells represent a strategy for addressing diverse disorders in an anatomically targeted manner.
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