Segredos da Memória: Onde o Cérebro Armazena e Processa Palavras
- Lidi Garcia
- 24 de mar.
- 5 min de leitura

A memória verbal envolve várias áreas do cérebro, incluindo o lobo temporal e o hipocampo. Pacientes com epilepsia do lobo temporal muitas vezes têm dificuldades nessa função, e a cirurgia para tratar a condição pode afetar ainda mais a memória. Um estudo mostrou que a redução do volume em certas regiões cerebrais está ligada a pior desempenho na aprendizagem de palavras. Essas descobertas ajudam a entender melhor como o cérebro processa a memória verbal e podem levar a tratamentos mais eficazes e cirurgias mais seguras.
A memória verbal, ou seja, a capacidade de entender, lembrar e utilizar palavras e informações faladas, é uma função essencial do nosso cérebro. No entanto, ainda não compreendemos completamente como essa habilidade é estruturada e quais áreas cerebrais são mais importantes para o seu funcionamento.
Sabemos que o lobo temporal, uma região do cérebro localizada perto das têmporas, tem um papel crucial na memória. Pessoas que sofrem de epilepsia do lobo temporal (ELT), uma condição neurológica em que descargas elétricas anormais afetam essa região, frequentemente apresentam dificuldades de memória.
Em casos mais graves, quando os medicamentos não controlam as crises epilépticas, muitos pacientes precisam passar por uma cirurgia chamada ressecção do lobo temporal anterior (ATLR), na qual parte desse lobo é removida.

O problema é que essa cirurgia pode ter um efeito colateral significativo: até 60% dos pacientes apresentam piora na memória verbal após o procedimento. No entanto, os impactos variam bastante de pessoa para pessoa, enquanto alguns sofrem grande prejuízo na memória, outros apresentam poucos ou nenhum problema.
Isso sugere que o cérebro pode compensar a perda de algumas áreas, ou que diferentes partes do cérebro podem contribuir de maneiras variadas para a memória verbal.
Os cientistas vêm estudando essa questão há anos e sabem que a memória verbal não depende apenas do lobo temporal. O processamento das palavras envolve várias regiões do cérebro, como o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio e planejamento, e o córtex cingulado, que ajuda na comunicação entre diferentes áreas cerebrais.
O hipocampo, uma estrutura localizada dentro do lobo temporal, também tem um papel fundamental, sendo considerado uma espécie de "arquivador" das nossas lembranças.

Mas qual é exatamente a relação entre essas áreas e a memória verbal?
Para responder a essa pergunta, um grupo de pesquisadores da National Hospital for Neurology and Neurosurgery, UK, realizou um estudo analisando imagens do cérebro de 84 pacientes com epilepsia do lobo temporal e comparando-as com as de 43 pessoas saudáveis.
Eles usaram exames de ressonância magnética avançados para medir o tamanho de diferentes regiões do cérebro e verificaram o desempenho dos participantes em testes de memória verbal.
Os resultados mostraram que pacientes com menores volumes em certas áreas cerebrais tinham pior desempenho em tarefas que envolviam o aprendizado de palavras. Especificamente, a redução de massa cinzenta em regiões como o lobo temporal, o lobo frontal e o córtex cingulado estava diretamente ligada a dificuldades na memória verbal.

Além disso, dentro do hipocampo, subestruturas específicas, como o giro dentado e áreas chamadas CA3 e CA4, também foram associadas a dificuldades de aprendizado verbal.
Esses achados são muito importantes porque mostram que a memória verbal não depende apenas de uma única região do cérebro, mas sim de uma rede interligada de áreas cerebrais. Essa descoberta pode ter implicações clínicas significativas, ajudando a desenvolver tratamentos mais eficazes para pessoas com dificuldades de memória.
Também pode contribuir para tornar cirurgias cerebrais mais seguras, permitindo que médicos tentem preservar ao máximo as áreas responsáveis pela memória verbal ao remover partes do lobo temporal afetadas pela epilepsia.
Em resumo, este estudo avança nosso entendimento sobre como o cérebro processa a memória verbal e reforça a ideia de que múltiplas áreas estão envolvidas nessa função.
Ao identificar quais regiões são mais críticas, abre-se a possibilidade de desenvolver abordagens terapêuticas que minimizem os impactos da epilepsia e das cirurgias cerebrais na capacidade de aprendizado e recordação das palavras.

A imagem ilustra as principais áreas do cérebro envolvidas no processamento e armazenamento da memória verbal (palavras ouvidas). A informação verbal auditiva entra no cérebro e passa por diferentes etapas até ser armazenada e integrada ao conhecimento já existente.
As setas indicam como a informação flui entre essas áreas, mostrando o caminho que as palavras percorrem no cérebro desde o momento em que são ouvidas até serem armazenadas como memória.
Processamento Inicial do Input (Input First-Processing): Junção Parietal-Temporal-Occipital (azul) e Giros Temporal Superior e Médio (laranja). Essas regiões recebem e processam os sons das palavras, ajudando a reconhecer e compreender o significado do que ouvimos.
Representação do Input (Input Representation): A informação processada segue para outras áreas do cérebro (seta rosa), onde ganha significado e é organizada para futura recuperação.
Codificação (Encoding): Córtex Pré-frontal Dorsolateral e Ventrolateral (azul escuro e roxo). Essas áreas ajudam a organizar e estruturar a informação para que possa ser armazenada corretamente na memória.
Integração de Esquema (Schema Integration): Córtex Pré-frontal Médio e Córtex Cingulado Anterior (roxo). Essas áreas integram as novas informações com o conhecimento já existente, ajudando a formar conexões para lembrar mais facilmente depois.
Aprendizado e Armazenamento (Learning): Hipocampo (vermelho escuro) e Córtex Cingulado Posterior (rosa). O hipocampo é essencial para transformar a informação em memória de longo prazo, garantindo que possamos lembrar das palavras e seus significados no futuro.
LEIA MAIS:
Cortico-hippocampal networks underpin verbal memory encoding in temporal lobe epilepsy
Giorgio Fiore, Davide Giampiccolo, Fenglai Xiao, Matthias J Koepp, Juan E Iglesias, Sjoerd B Vos, Jane de Tisi, Andrew W McEvoy, Giulio A Bertani, Marco Locatelli, Roisin Finn, Lorenzo Caciagli, Meneka Sidhu, Marian Galovic, Sallie Baxendale, John S Duncan, and Anna Miserocchi
Brain Communications, Volume 7, Issue 2, 2025, fcaf067
Abstract:
Knowledge of the structural underpinnings of human verbal memory is scarce. Understanding the human verbal memory network at a finer anatomical scale will have important clinical implications for the management of patients with verbal memory impairment. In this cross-sectional study, we aimed to assess the contributions of cerebral cortex and hippocampal subfields to verbal memory encoding in temporal lobe epilepsy. We included consecutive patients (n = 84) with radiologically and pathologically defined hippocampal sclerosis (HS) (44 left-sided) and unilateral temporal lobe epilepsy, and healthy volunteers (n = 43) who were comparable regarding age and sex. The morphometric and volumetric measures of cerebral cortex and hippocampal subfields were extracted from high-resolution MRI scans. People included in this study underwent standardized neuropsychological evaluation, including measures of verbal memory assessed through the Adult Memory and Information Processing Battery. Verbal memory performances were Z-scores corrected by using means and standard deviations published for sample standardization. Associations between verbal learning Z-scores and the grey matter volume of the cerebral cortex and hippocampal subfields were investigated. Reduction of grey matter volumes in the left and right medial and dorsolateral prefrontal cortex (Pcorr < 0.0001), superior and middle temporal gyri (Pcorr < 0.0001), anterior and posterior cingulate cortex (Pcorr < 0.0001) and of the left ventrolateral prefrontal cortex (Pcorr < 0.0001) and parietal–temporal–occipital junction (Pcorr < 0.0001) were associated with worse verbal learning. These findings were consistent across both the entire cohort and in a subgroup analysis focused exclusively on HS patients. Within hippocampi, smaller volumes of the left dentate gyrus (P = 0.003), cornu ammonis 4 (P = 0.005) and cornu ammonis 3 (P = 0.03) were associated with worse verbal learning Z-scores. This study demonstrates that verbal learning in patients with temporal lobe epilepsy is strongly related to the volume of distinct regions of the prefrontal, temporal and cingulate cortices and left dentate gyrus, cornu ammonis 4 and cornu ammonis 3 hippocampal subfields. It provides the basis to suggest a corticohippocampal network for verbal learning in these patients, improving our understanding of human verbal memory. These biomarkers may inform attractive targets for forthcoming modulating therapies. Future work may also analyse the impact of sparing part of the left dentate gyrus, cornu ammonis 4 and cornu ammonis 3 as a protective measure against verbal memory impairment after surgery for temporal lobe epilepsy.
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