
Os achados indicam que as mudanças na percepção de recompensa alimentar associadas à depressão não ocorrem de maneira generalizada, mas sim de forma específica para determinados tipos de macronutrientes. Isso reforça a ideia de que a depressão pode estar ligada a disfunções na sinalização entre o intestino e o cérebro.
O transtorno depressivo maior (TDM) é uma condição que afeta milhões de pessoas no mundo todo, trazendo sintomas como tristeza persistente, falta de interesse em atividades antes prazerosas e mudanças no apetite e peso corporal.
Algumas pessoas com depressão sentem mais fome e ganham peso, enquanto outras perdem o apetite e emagrecem. Essas variações podem indicar diferentes tipos de depressão, já que afetam o cérebro de maneiras distintas, especialmente na forma como ele responde a estímulos relacionados à comida.
Muitos estudos utilizam testes de resposta a imagens de alimentos para entender melhor essas diferenças. Durante esses testes, os participantes veem fotos de diversos tipos de comida, e os pesquisadores analisam a atividade cerebral em resposta a esses estímulos.

As imagens incluem alimentos de diferentes níveis calóricos e composições nutricionais, como ricos em carboidratos, gorduras ou proteínas. Estudos anteriores já mostraram que nosso cérebro reage de forma diferente a cada tipo de alimento e que essa resposta pode estar ligada ao quanto estamos dispostos a pagar por uma comida saborosa.
Nosso cérebro processa o valor nutricional dos alimentos de forma surpreendentemente rápida. Algumas pesquisas indicam que, em apenas 100 milissegundos, conseguimos identificar a densidade energética de um alimento.
Isso sugere que pessoas com depressão podem ter uma alteração na forma como seus cérebros avaliam os alimentos, o que pode influenciar seus hábitos alimentares e até mesmo seu metabolismo.

Existe uma relação entre a composição dos alimentos e a maneira como o sistema nervoso processa a recompensa alimentar. Gorduras e carboidratos ativam diferentes caminhos no cérebro e no intestino.
Enquanto as gorduras são detectadas principalmente por nervos ligados ao estômago, os carboidratos são identificados por sensores na veia porta, um grande vaso sanguíneo ligado ao fígado.
Já as proteínas parecem ser processadas por um caminho diferente, ainda não completamente compreendido. Essas conexões entre cérebro e intestino podem ser um dos fatores que explicam por que algumas pessoas com depressão têm mudanças no apetite e no peso.
Além disso, há uma ligação entre a depressão e o metabolismo energético do corpo. Estudos mostram que pessoas com depressão podem ter um metabolismo de lipídios (gorduras) alterado e que a estimulação do nervo vago, que conecta o cérebro ao sistema digestivo, pode ajudar a aliviar sintomas depressivos, incluindo alterações no apetite e no prazer ao comer.
O estudo realizado por pesquisadores da University of Bonn, Alemanha, contou com a participação de 117 indivíduos, sendo 54 diagnosticados com transtorno depressivo maior (TDM) e 63 participantes saudáveis, que formaram o grupo de controle (HCPs).
Todos os participantes realizaram uma tarefa de reatividade a estímulos alimentares, na qual avaliaram 60 tipos de alimentos e 20 itens não alimentares, atribuindo notas de desejo (o quanto queriam consumir o item) e de gosto (o quanto achavam o item saboroso).

Para entender melhor como a depressão pode influenciar essas avaliações, analisaram a relação entre as notas dadas pelos participantes e a composição nutricional dos alimentos, focando em seus macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas).
Os resultados mostraram que os pacientes com transtorno depressivo maior tinham um desejo significativamente reduzido por alimentos em comparação ao grupo de controle, mas a percepção de gosto permaneceu semelhante entre os grupos.
Quando incluíram a composição de macronutrientes nos modelos de análise, a precisão dos resultados aumentou substancialmente.
Observamos que, em relação aos alimentos ricos em carboidratos, os pacientes com transtorno depressivo maior deram notas ainda mais baixas de gosto e desejo para alimentos ricos em gordura e proteína.
Além disso, suas preferências alimentares mostraram correlações mais fracas entre os diferentes tipos de macronutrientes, sugerindo possíveis alterações na forma como seus cérebros processam a relação entre comida e recompensa.

Em resumo, nossos achados indicam que as mudanças na percepção de recompensa alimentar associadas à depressão não ocorrem de maneira generalizada, mas sim de forma específica para determinados tipos de macronutrientes.
Isso reforça a ideia de que a depressão pode estar ligada a disfunções na sinalização entre o intestino e o cérebro. Esses resultados levantam a possibilidade de que intervenções direcionadas ao sistema digestivo poderiam ajudar a restaurar padrões saudáveis de resposta a alimentos ricos em gordura e proteína.
LEIA MAIS:
Altered food liking in depression is driven by macronutrient composition.
Lilly Thurn, Corinna Schulz, Diba Borgmann, Johannes Klaus, Sabine Ellinger, Martin Walter and Nils B. Kroemer
Psychological Medicine. 2025;55:e20.
doi:10.1017/S0033291724003581
Abstract:
Major depressive disorder (MDD) is characterized by changes in appetite and body weight as well as blunted reward sensitivity (‘anhedonia’). However, it is not well understood which mechanisms are driving changes in reward sensitivity, specifically regarding food. Here, we used a sample of 117 participants (54 patients with MDD and 63 healthy control participants [HCPs]) who completed a food cue reactivity task with ratings of wanting and liking for 60 food and 20 non-food items. To evaluate which components of the food may contribute to altered ratings in depression, we tested for associations with macronutrients of the depicted items. In line with previous studies, we found reduced ratings of food wanting (p = .003) but not liking (p = .23) in patients with MDD compared to matched HCPs. Adding macronutrient composition to the models of wanting and liking substantially improved their fit (ps < .001). Compared to carbohydrate-rich foods, patients with MDD reported lower liking and wanting ratings for high-fat and high-protein foods. Moreover, patients with MDD showed weaker correlations in their preferences for carbohydrate- versus fat- or protein-rich foods (ps < .001), pointing to potential disturbances in metabolic signaling. To conclude, our results suggest that depression-related alterations in food reward ratings are more specific to the macronutrient composition of the food than previously anticipated, hinting at disturbances in gut–brain signaling. These findings raise the intriguing question of whether interventions targeting the gut could help normalize aberrant reward signals for foods rich in fat or protein.
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