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Recordações de Sabores: O Caminho das Memórias para a Compulsão e Obesidade


O hipocampo, especialmente o hipocampo dorsal (dHPC), desempenha um papel crítico no controle da ingestão de alimentos, influenciando memória espacial, motivação e preferência por certos tipos de alimentos. A estimulação desses neurônios aumentou a ingestão alimentar, enquanto sua ablação preveniu o ganho de peso induzido por dietas ricas em gordura e açúcar. Essas descobertas representam um campo promissor para intervenções terapêuticas destinadas a regular a ingestão alimentar e combater o excesso de peso.


A sobrevivência de qualquer ser vivo depende fundamentalmente de sua capacidade de adquirir alimentos suficientes para atender às suas demandas metabólicas.


Isso significa que os animais precisam consumir energia e nutrientes em quantidade suficiente para manter suas funções corporais e atividades diárias. 


Para isso, é crucial que eles desenvolvam habilidades para localizar e retornar a fontes alimentares conhecidas em seu ambiente. Essa capacidade de construir um "mapa cognitivo”, ou seja, uma representação mental do espaço ao seu redor, confere uma vantagem significativa, pois permite que eles naveguem com precisão até essas fontes de alimento.

Os animais aprendem a associar pistas contextuais, como cheiros, cores e sons, ao valor nutricional dos alimentos que encontram. Por exemplo, se um animal descobre que certo tipo de planta é nutritiva, ele pode memorizar o local onde essa planta cresce e os sinais ao redor para retornar a ela no futuro. 


Essa memória específica é chamada de memória episódica, pois está relacionada a eventos específicos e à sua localização espacial.


Esse comportamento é amplificado quando os animais repetidamente associam pistas específicas, como um som ou um cheiro, à disponibilidade de alimentos. Essa associação não apenas facilita a memorizao do local, mas também cria um estado motivacional que aumenta o desejo de comer. 


Esse fenômeno é conhecido como "alimentação potencializada por pistas" e se refere ao aumento do apetite provocado pela presença de sinais relacionados à comida.


No entanto, em nosso ambiente moderno, que é repleto de alimentos de fácil acesso e ricos em gorduras e açúcares, esses mecanismos adaptativos podem se tornar prejudiciais.


As pistas alimentares estão em toda parte, desde comerciais de TV até o cheiro de comida em restaurantes, e essas pistas constantes podem amplificar a suscetibilidade ao ganho de peso e ao desenvolvimento da obesidade. 

Estudos mostram que a reatividade do cérebro a esses sinais alimentares pode prever o índice de massa corporal (IMC) de uma pessoa, sua propensão a ganhar peso e suas escolhas alimentares futuras. 


O hipocampo (HPC), uma região do cérebro envolvida na formação de memórias e navegação espacial, desempenha um papel importante no controle da ingestão alimentar.


Quando os animais estão em jejum, o hormônio grelina, produzido no estômago, ativa o hipocampo, aumentando a ingestão de alimentos e a motivação para buscar recompensas alimentares. 


Em humanos, a atividade do hipocampo também aumenta em resposta a imagens e cheiros de alimentos, promovendo a excitação e o desejo de comer, especialmente em indivíduos com obesidade.


Em estudos de com ressonância magnética funcional (fMRI) em humanos, a atividade do hipocampo é aumentada em resposta a imagens de alimentos e saborizantes.


Estudos recentes identificaram uma sub-região do hipocampo que desempenha um papel crucial na codificação do valor apetitivo de alimentos ricos em gordura e açúcar.


Essa sub-rede dentro do hipocampo está comprometida em pessoas com obesidade, sugerindo que alterações na atividade  nessa area podem influenciar o aumento da ingestão alimentar. 

No entanto, ainda não está claro se existe uma população específica de neurônios no hipocampo responsável por esses efeitos orexígenos (que aumentam o apetite).


A pesquisa tem mostrado que o hipocampo dorsal (dHPC) é pouco estudado, apesar de avanços recentes nas técnicas de análise molecular que revelaram uma diversidade de tipos de neurônios nessa região. 


Descobertas mostram que muitos neurônios no dHPC são ativados pela alimentação, e alguns desses neurônios, que expressam o receptor de dopamina do tipo 2 (DRD2), demonstraram reduzir a ingestão alimentar quando inibidos.

 

O processamento apetitivo orexígeno depende da integração de sinais sensoriais, interoceptivos e hormonais para governar comportamentos consumatórios.

A desregulação desse processo leva a um comportamento alimentar mal-adaptativo, como compulsão alimentar, e está associado à obesidade. Esse circuito, no entanto, era ilusório em humanos, até agora. Crédito da imagem: Barbosa et al., doi: 10.1038/s41586-023-06459-w.


Pesquisadores da University of Pennsylvania hipotetizaram que os alimentos ricos em gordura e açúcar poderiam ativar um subconjunto de neurônios do hipocampo com função orexígena. Para isso utilizaram camundongos.


O estudo demonstrou que os neurônios do hipocampo dorsal (dHPC) que respondem ao açúcar são parte de um engrama apetitivo, que é uma memória física no cérebro que codifica a localização onde o açúcar foi encontrado.


Usando técnicas de manipulação genética, conseguiram ativar ou apagar artificialmente essas memórias. 


Isso significa que poderiam fazer com que os animais lembrassem ou esquecessem onde o açúcar estava localizado, demonstrando que esses neurônios são cruciais para armazenar essa informação.


Por outro lado, os neurônios do dHPC que respondem à gordura têm um papel diferente. Eles estão mais envolvidos em aumentar a motivação para buscar gordura e em fortalecer as associações entre pistas ambientais e a gordura após a ingestão. 

Esses neurônios ajudam a criar um modelo interno do ambiente que indica onde encontrar alimentos ricos em gordura e também modulam o desejo de obtê-los.


Para investigar isso, os pesquisadores conduziram experimentos em que expuseram camundongos a diferentes alimentos ricos em açúcar e gordura, enquanto monitoravam a atividade dos neurônios do dHPC. 


Descobriram que os neurônios responsivos ao açúcar eram ativados especificamente quando os camundongos buscavam locais onde já haviam encontrado açúcar antes, indicando que esses neurônios armazenam memórias espaciais de onde o açúcar está localizado. 


Já os neurônios responsivos à gordura aumentavam a atividade quando os camundongos estavam motivados a buscar gordura, mesmo sem pistas claras, mostrando seu papel na motivação interna.


Em nosso ambiente alimentar atual, que é repleto de alimentos obesogênicos ricos em gordura e açúcar, esses neurônios orexígenos (que estimulam o apetite) podem ter um impacto devastador ao aumentar o consumo impulsionado por pistas ambientais. 

Isso significa que a exposição constante a sinais de comida pode exacerbar o comportamento alimentar descontrolado, contribuindo para o desenvolvimento da obesidade.


Ao entender melhor os mecanismos neurais que controlam o consumo de nutrientes específicos, essas descobertas abrem caminho para o desenvolvimento de estratégias que podem ajudar a neutralizar o impacto desse ambiente obesogênico.


Em resumo, o hipocampo, especialmente o hipocampo dorsal (dHPC), desempenha um papel crítico no controle da ingestão de alimentos, influenciando memória espacial, motivação e preferência por certos tipos de alimentos. 


Descobertas recentes destacam populações neuronais distintas no dHPC que respondem seletivamente a gorduras ou açúcares, oferecendo novos alvos para potenciais tratamentos da obesidade.


Essas populações neuronais orexígenas representam um campo promissor para intervenções terapêuticas destinadas a regular a ingestão alimentar e combater o excesso de peso.



LEIA MAIS:


Separate orexigenic hippocampal ensembles shape dietary choice by enhancing contextual memory and motivation

Mingxin Yang, Arashdeep Singh, Alan de Araujo, Molly McDougle, Hillary Ellis, Léa Décarie-Spain, Scott E. Kanoski & Guillaume de Lartigue 


Abstract:


The hippocampus (HPC) has emerged as a critical player in the control of food intake, beyond its well-known role in memory. While previous studies have primarily associated the HPC with food intake inhibition, recent research suggests a role in appetitive processes. Here we identified spatially distinct neuronal populations within the dorsal HPC (dHPC) that respond to either fats or sugars, potent natural reinforcers that contribute to obesity development. Using activity-dependent genetic capture of nutrient-responsive dHPC neurons, we demonstrate a causal role of both populations in promoting nutrient-specific intake through different mechanisms. Sugar-responsive neurons encoded spatial memory for sugar location, whereas fat-responsive neurons selectively enhanced the preference and motivation for fat intake. Importantly, stimulation of either nutrient-responsive dHPC neurons increased food intake, while ablation differentially impacted obesogenic diet consumption and prevented diet-induced weight gain. Collectively, these findings uncover previously unknown orexigenic circuits underlying macronutrient-specific consumption and provide a foundation for developing potential obesity treatments.

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