
O compartilhamento de afeto, ou contágio emocional, é a capacidade de sentir indiretamente as emoções dos outros, sendo a base da empatia. Pesquisadores descobriram que o cérebro possui neurônios específicos no córtex cingulado anterior (ACC) que se ativam tanto quando sentimos dor quanto quando vemos alguém sofrendo. Em camundongos, esses neurônios ajudam a desencadear reações de medo ao observar outro em perigo. Essa descoberta mostra que a empatia pode ser um processo biológico inato, não dependendo apenas de experiências passadas, e pode ajudar a entender melhor condições como o autismo e outros transtornos ligados à empatia.
O compartilhamento de afeto, também chamado de contágio emocional, é a capacidade de sentir e refletir as emoções dos outros, formando a base da empatia. Esse processo ocorre porque nosso cérebro possui redes neurais que são ativadas tanto quando experimentamos uma emoção quanto quando a observamos em outra pessoa.
Por exemplo, quando vemos alguém com medo ou em dor, nosso cérebro pode reagir como se estivéssemos passando pela mesma situação, desencadeando respostas emocionais e comportamentais semelhantes.

Nos roedores, esse fenômeno pode ser medido pelo "congelamento vicário”, um comportamento em que o animal imobiliza-se ao testemunhar outro recebendo estímulos dolorosos.
O córtex cingulado anterior (ACC), uma região do cérebro associada à dor, ao afeto negativo e às interações sociais, desempenha um papel central nesse processo, sendo ativado tanto quando o indivíduo sente dor quanto quando observa outro em sofrimento.
Para entender melhor como o cérebro processa essa empatia pela dor, pesquisadores da Institute for Basic Science, South Korea, estudaram a atividade dos neurônios do córtex cingulado anterior em camundongos que observavam outros passando por experiências dolorosas.
Utilizando uma técnica avançada de imagem chamada fluorescência de cálcio, eles analisaram a ativação desses neurônios em diferentes situações: quando os animais viam outro em dor, quando sentiam dor diretamente e quando presenciavam uma ameaça inanimada.

Diferentes sub-regiões dentro do córtex pré-frontal. No livro: In Consciousness we Trust. Licença CC BY-NC-ND 4.0
Os resultados mostraram que um grupo específico de neurônios no córtex cingulado anterior mantém um padrão de atividade estável ao longo do tempo, codificando emoções negativas ligadas à dor e contribuindo para o comportamento de congelamento vicário.
Além disso, os pesquisadores descobriram que determinados neurônios do córtex cingulado anterior se conectam à substância cinzenta periaquedutal (PAG), uma área do cérebro envolvida no controle das reações ao medo e à dor.
Esses neurônios, e não aqueles conectados à amígdala basolateral (BLA), parecem ser os responsáveis por transmitir a informação emocional da dor, regulando a resposta de medo observacional.
Isso sugere que a empatia pela dor dos outros pode ser mais influenciada pela experiência afetiva do que por uma simples percepção sensorial da dor.

Experimento para estudar como camundongos reagem ao medo observado em outros. (a) No experimento, um camundongo "observador" (OB) e um "demonstrador" (DM) são colocados em gaiolas separadas, mas transparentes. Primeiro, eles exploram o ambiente por 5 minutos. Depois, o camundongo observador assiste ao demonstrador receber pequenos choques elétricos nos pés por 4 minutos. Isso permite analisar se o observador aprende a associar a situação ao medo, mesmo sem sentir a dor diretamente. (b) O estudo usa uma técnica chamada imagem de cálcio para registrar a atividade dos neurônios no córtex cingulado anterior (ACC), uma região do cérebro ligada à dor e à empatia. (c) A imagem mostra a expressão de uma proteína fluorescente (GCaMP6f), usada para visualizar a atividade das células cerebrais no ACC, com a ajuda de uma lente especial implantada no cérebro do camundongo. (d) Uma imagem representativa exibe os sinais fluorescentes que indicam a atividade dos neurônios durante o experimento. (e) O diagrama ilustra três comportamentos analisados: o congelamento do camundongo observador (quando ele fica imóvel por medo), a reação do demonstrador ao choque e o congelamento do demonstrador após o choque (f) Gráficos mostram a atividade dos neurônios associada a cada um desses comportamentos, destacando como diferentes células cerebrais respondem ao medo sentido e ao medo observado.
A empatia desempenha um papel crucial na forma como aprendemos e reagimos ao ambiente. Estudos anteriores já mostraram que o córtex pré-frontal dorsomedial ajuda a associar ameaças observadas a estímulos ambientais e que o córtex pré-frontal ventromedial regula comportamentos de fuga baseados na observação do sofrimento alheio.
No entanto, o papel do córtex cingulado anterior na codificação da angústia de outros indivíduos ainda não era totalmente compreendido. Enquanto alguns estudos analisaram a atividade do córtex cingulado anterior em animais previamente expostos a experiências aversivas, pouco se sabia sobre sua função no contágio emocional em indivíduos sem experiência prévia com o medo ou a dor.

Esse estudo revelou que o córtex cingulado anterior contém populações específicas de neurônios que codificam a experiência da dor de outros, sem que o observador tenha passado pela mesma situação antes.
Essa descoberta reforça a ideia de que o compartilhamento de emoções não depende apenas de experiências prévias, mas sim de circuitos neurais especializados que permitem a empatia inata.
Além disso, ao identificar quais áreas do cérebro são responsáveis por essa transmissão de emoções, os cientistas podem, no futuro, entender melhor distúrbios ligados à empatia, como transtornos do espectro autista ou certas condições psiquiátricas.
LEIA MAIS:
Cortical representations of affective pain shape empathic fear in male mice
Jiye Choi, Young-Beom Lee, Dahm So, Jee Yeon Kim, Sungjoon Choi, Sowon Kim, and Sehoon Keum
Nature Communications, volume 16, Article number: 1937 (2025)
Abstract:
Affect sharing, the ability to vicariously feel others’ emotions, constitutes the primary component of empathy. However, the neural basis for encoding others’ distress and representing shared affective experiences remains poorly understood. Here, using miniature endoscopic calcium imaging, we identify distinct and dynamic neural ensembles in the anterior cingulate cortex (ACC) that encode observational fear across both excitatory and inhibitory neurons in male mice. Notably, we discover that the population dynamics encoding vicarious freezing information are conserved in ACC pyramidal neurons and are specifically represented by affective, rather than sensory, responses to direct pain experience. Furthermore, using circuit-specific imaging and optogenetic manipulations, we demonstrate that distinct populations of ACC neurons projecting to the periaqueductal gray (PAG), but not to the basolateral amygdala (BLA), selectively convey affective pain information and regulate observational fear. Taken together, our findings highlight the critical role of ACC neural representations in shaping empathic freezing through the encoding of affective pain.
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