
Os achados fornecem novas evidências para a relação entre a dopamina e os ciclos comportamentais no transtorno bipolar. A identificação de um oscilador de dopamina no cérebro, que regula ritmos infradianos como os ciclos de 48 horas, abre caminho para novas estratégias de tratamento focadas em regular esse sistema oscilatório nos pacientes.
Os ritmos de sono-vigília são naturalmente regulados pelo ciclo de 24 horas do dia solar, controlados por nossos relógios biológicos internos. No entanto, algumas pessoas apresentam ciclos de sono que excedem esse padrão, com períodos mais longos que um dia.
Esse fenômeno ocorre no chamado “distúrbio de ritmo de sono-vigília não-24 horas” (N24SWD), no qual os ciclos podem atingir períodos infradianos, ou seja, ciclos muito mais longos que 24 horas.
No transtorno bipolar (TB), um exemplo de ritmos infradianos é o ciclo de 48 horas. Nesses casos, padrões de sono alternam entre dias de sono curto, frequentemente associados a estados maníacos ou hipomaníacos, e dias de sono prolongado, associados à depressão.
O intrigante é que esses ciclos de sono e humor persistem mesmo quando a pessoa está em isolamento temporal, sem estímulos externos para regular o tempo, sugerindo que a origem do ciclo é endógena, ou seja, controlada por mecanismos internos no cérebro. Apesar disso, os mecanismos biológicos por trás desses ciclos ainda não são completamente entendidos.

Pesquisas com animais mostraram que ritmos infradianos podem ser induzidos experimentalmente usando metanfetamina (Meth). Camundongos tratados cronicamente com Meth através da água potável desenvolvem um segundo ritmo locomotor (2ndC), distinto do ritmo circadiano padrão.
Esse novo ritmo, que pode ter períodos mais longos que 24 horas, é independente do relógio biológico circadiano tradicional, sugerindo a existência de outro mecanismo oscilatório no cérebro.
Sabe-se que a metanfetamina atua sobre o transportador de dopamina (DAT), uma proteína que regula os níveis de dopamina no cérebro, invertendo sua função e aumentando a liberação de dopamina.
Curiosamente, mesmo sem o uso de Meth, a simples interrupção genética do transportador de dopamina também pode gerar esse segundo ritmo locomotor em camundongos. Isso sugere que a dopamina tem um papel central no desenvolvimento desses ritmos alternativos.
A partir desses achados, levantou-se a hipótese de que os neurônios dopaminérgicos, que expressam o DAT, são cruciais para a geração desses ritmos, possivelmente operando como um "oscilador de dopamina".
O objetivo principal do estudo foi identificar quais áreas do cérebro e quais neurônios estão envolvidos na geração de ritmos infradianos e verificar como eles estão relacionados aos ciclos comportamentais observados no transtorno bipolar.
Para isso, os pesquisadores da McGill University, Canada, utilizaram camundongos como modelo experimental e analisaram o papel da dopamina e dos neurônios dopaminérgicos localizados na área tegmentar ventral (VTA).

Os pesquisadores induziram ritmos infradianos em camundongos expondo-os cronicamente à metanfetamina na água potável. Eles monitoraram o comportamento locomotor e o sono dos camundongos ao longo de várias semanas para identificar mudanças nos ciclos rítmicos.
Além disso, manipulações genéticas e farmacológicas foram usadas para investigar o papel dos neurônios dopaminérgicos.
Camundongos geneticamente modificados, como aqueles com o gene do transportador de dopamina eliminado (knockout), foram analisados para verificar se a ausência de DAT afetava a formação dos ritmos.
A técnica de quimiogenética foi empregada para ativar ou desativar seletivamente os neurônios dopaminérgicos da área tegmentar ventral e avaliar os impactos no ritmo locomotor. Por fim, tratamentos com medicamentos antipsicóticos foram testados para determinar se esses compostos poderiam neutralizar os ritmos alterados.

A interrupção seletiva de TH (Tirosina hidroxilase) na área tegmentar ventral elimina a capacidade de geração de ritmos infradianos. (A) Esquema ilustrando a elevação de DA extracelular mediada por metanfetamina em um terminal neuronal dopaminérgico. DDC: l-dopa descarboxilase. (B) Estratégia para eliminação seletiva da produção de dopamina em neurônios dopaminérgicos da área tegmentar ventral. (C e D) Imunomarcação de TH em seções do mesencéfalo de animais tratados com solução salina [(C), controle] e animais injetados com AAV-GFP-Cre [(D), THKO].
Os pesquisadores também examinaram como os ritmos infradianos se correlacionavam com comportamentos associados a estados maníacos ou depressivos nos camundongos, avaliando o padrão de atividade em dias de sono curto versus dias de sono prolongado.
Os camundongos tratados com metanfetamina desenvolveram ritmos infradianos com períodos de 48 horas ou mais. Esses ciclos estendiam-se para além do comportamento locomotor, afetando também a duração do sono e padrões comportamentais.
Dias de maior atividade, associados a estados maníacos, coincidiram com sono curto, enquanto dias de menor atividade, associados a estados depressivos, coincidiram com sono prolongado.
A interrupção genética do transportador de dopamina nos camundongos impediu o surgimento dos ritmos infradianos, mesmo quando eles foram tratados com Meth. Isso demonstrou que o DAT desempenha um papel central na geração desses ritmos.
Além disso, a ativação seletiva dos neurônios dopaminérgicos na área tegmentar ventral prolongou o período locomotor dos camundongos, reforçando a hipótese de que esses neurônios são essenciais para a criação do ritmo infradiano.

Os neurônios dopaminérgicos que se projetam da área tegmentar ventral para o nucleus accumbens revelaram-se especialmente importantes. Quando essas conexões foram eliminadas, os ritmos infradianos desapareceram completamente.
Por outro lado, tratamentos com antipsicóticos neutralizaram os efeitos da ativação dos neurônios dopaminérgicos, indicando que esses medicamentos poderiam regular o oscilador de dopamina.
Os resultados indicam que os ritmos infradianos observados no transtorno bipolar podem ser mediados por um mecanismo interno relacionado à dopamina. Os neurônios dopaminérgicos da VTA parecem desempenhar um papel fundamental nesse processo, possivelmente agindo como parte de um "oscilador de dopamina".
Um aspecto intrigante é que a geração desses ritmos não depende exclusivamente da liberação vesicular de dopamina. Mesmo quando a liberação de dopamina foi bloqueada, os ritmos infradianos ainda surgiram.
Isso sugere que a dinâmica do transportador de dopamina (DAT) e outras interações no sistema dopaminérgico desempenham papéis críticos no mecanismo.

Além disso, o fato de que os períodos dos ritmos infradianos alcançam 48 horas ou mais desafia a ideia de que o mecanismo envolvido é apenas circadiano. Em vez disso, os dados reforçam a existência de um "oscilador de dopamina", que pode regular ciclos de repouso e excitação em períodos muito maiores do que 24 horas.
Este estudo fornece novas evidências sobre como os ritmos infradianos no transtorno bipolar podem ser gerados por mecanismos endógenos baseados na dopamina. A identificação do "oscilador de dopamina" como regulador de ciclos comportamentais oferece insights valiosos para entender os ritmos de humor e sono no transtorno bipolar.
Além disso, esses achados abrem caminhos para o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas que visam regular esse oscilador em pacientes com TB.
LEIA MAIS:
Mesolimbic dopamine neurons drive infradian rhythms in sleep-wake and heightened activity state
PRATAP S. MARKAM, CLÉMENT BOURGUIGNON, LEI ZHU,
BRIDGET WARD, MARTIN DARVAS, PAUL V. SABATINI, MAIA V. KOKOEVA,
BRUNO GIROS, and KAI-FLORIAN STORCH
SCIENCE ADVANCES, 1 Jan 2025, Vol 11, Issue 1
DOI: 10.1126/sciadv.ado9965
Abstract:
Infradian mood and sleep-wake rhythms with periods of 48 hours and beyond have been observed in patients with bipolar disorder (BD), which even persist in the absence of exogenous timing cues, indicating an endogenous origin. Here, we show that mice exposed to methamphetamine in drinking water develop infradian locomotor rhythms with periods of 48 hours and beyond which extend to sleep length and manic state–associated behaviors in support of a model for cycling in BD. The cycling capacity is abrogated upon genetic disruption of dopamine (DA) production in DA neurons of the ventral tegmental area (VTA) or ablation of nucleus accumbens projecting DA neurons. Furthermore, chemogenetic activation of VTADA neurons including those that project to the nucleus accumbens led to locomotor period lengthening in circadian clock–deficient mice, which was counteracted by antipsychotic treatment. Together, our findings argue that BD cycling relies on infradian rhythm generation that depends on mesolimbic DA neurons.
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