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O que faz com que Crianças Autistas vejam os Rostos de forma Diferente?


Resumo:

A modelagem computacional de Markov oculta é como uma lente poderosa para observar padrões escondidos em comportamentos complexos. No estudo do autismo, ela permitiu que os cientistas analisassem como as crianças olham para rostos ao longo do tempo, revelando diferenças importantes nos padrões de atenção social. Essa técnica não apenas fornece insights sobre como o autismo afeta a percepção visual, mas também abre portas para novas formas de diagnóstico e intervenção.


Uma das dificuldades mais comuns enfrentadas por crianças com autismo é a redução na atenção social, ou seja, a dificuldade em focar nos rostos durante interações sociais. Esse comportamento tem um impacto profundo no desenvolvimento social dessas crianças, já que o rosto humano é uma das principais fontes de informações sociais, como emoções e intenções. 


Embora essa característica seja bem conhecida, pouco se sabe sobre como a atenção social se desenvolve ao longo do tempo em crianças com autismo e como ela se diferencia qualitativamente em relação a crianças neurotípicas.


Para investigar essa questão, os pesquisadores usaram uma abordagem avançada chamada modelagem computacional de Markov oculta.


Essa técnica analisa padrões complexos de comportamento, como os movimentos oculares, permitindo observar como as crianças processam visualmente as informações sociais. 

A modelagem computacional de Markov oculta é uma técnica matemática e estatística usada para analisar padrões e prever comportamentos em sistemas complexos. Ela é especialmente útil quando queremos entender processos que mudam ao longo do tempo e cujos estados internos não podem ser observados diretamente, mas podem ser inferidos a partir de dados visíveis.


Apesar do nome complicado, o conceito pode ser explicado de forma acessível.

Imagine que você está assistindo a uma peça de teatro, mas as cortinas estão fechadas e você só pode ouvir sons vindos do palco.


A partir desses sons, você tenta adivinhar o que está acontecendo: uma conversa, uma cena de ação ou um momento calmo. Nesse exemplo, os eventos no palco (cenas) são os estados ocultos, você não os vê diretamente. Já os sons que você ouve são as observações visíveis, os dados que você coleta.


A modelagem de Markov oculta ajuda a construir um modelo para conectar os sons (observações) com o que provavelmente está acontecendo no palco (estados ocultos). Ela faz isso com base em probabilidades, ou seja, usando as chances de que determinado som esteja relacionado a uma cena específica.


O estudo envolveu 280 crianças com autismo e 119 crianças neurotípicas, todas com idades entre 6 e 11 anos. Cada criança participou de três sessões de rastreamento ocular social realizadas em três momentos diferentes: no início do estudo, seis semanas depois e, por fim, 24 semanas após a primeira sessão.


Durante os testes, os cientistas identificaram dois padrões principais de movimento ocular que foram consistentes entre os participantes.


O primeiro foi chamado de padrão focado, no qual as crianças direcionavam seu olhar para pequenas áreas do rosto, como os olhos ou a boca. Esse padrão indicava uma alta sensibilidade inicial às informações sociais relevantes, como expressões faciais ou intenções comunicativas.


O segundo padrão foi chamado de padrão exploratório. Nesse caso, o olhar das crianças se distribuía de maneira mais ampla, incluindo áreas maiores do rosto e, frequentemente, regiões não sociais, como o ambiente ao redor. Esse padrão era menos eficiente em captar informações sociais, já que os participantes não fixavam rapidamente o olhar em partes essenciais do rosto. 

Os resultados mostraram que as crianças com autismo tinham maior tendência a adotar o padrão exploratório, enquanto as crianças neurotípicas exibiam predominantemente o padrão focado.


Essa diferença foi observada em todos os testes de percepção social e nos três momentos ao longo do tempo, sugerindo que o padrão exploratório é uma característica marcante e persistente em crianças com autismo.


Além disso, o padrão de movimento ocular observado nas crianças com autismo estava associado a características clínicas específicas, como dificuldades no reconhecimento facial, maior gravidade dos sintomas do autismo e comprometimento da função adaptativa.


Isso significa que as crianças que tinham mais dificuldade em focar os rostos apresentavam também maiores desafios nas habilidades sociais e no reconhecimento de expressões faciais, essenciais para interações interpessoais.


Os dados sugerem que uma diminuição na probabilidade de fixar o olhar em rostos no início do processamento visual pode ser uma característica fundamental do autismo.


Essa dificuldade não está apenas relacionada ao comportamento social, mas pode refletir uma menor sensibilidade visual às informações faciais. Em outras palavras, o cérebro das crianças com autismo parece processar as informações sociais de maneira diferente desde os primeiros momentos de observação.


Esses achados têm implicações importantes para intervenções e tratamentos no autismo. Compreender os padrões de atenção social pode ajudar a desenvolver terapias específicas que incentivem o foco em regiões importantes do rosto, como os olhos, desde cedo. Isso pode melhorar a percepção social e ajudar no desenvolvimento de habilidades de interação.


Além disso, o estudo oferece novas pistas para identificar o autismo de forma mais precoce, possibilitando intervenções mais direcionadas e personalizadas.


Por fim, ao demonstrar que crianças com autismo processam rostos de forma diferente ao longo do tempo, este estudo reforça a importância de investigar não apenas as diferenças comportamentais, mas também as bases neurocognitivas dessas diferenças. Ele abre portas para futuros avanços em diagnóstico, tratamento e compreensão das dinâmicas sociais no autismo.



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Spatiotemporal Eye Movement Dynamics Reveal Altered Face Prioritization in Early Visual Processing Among Children With Autism

Jason W. Griffin, Adam Naples, Raphael Bernier, Katarzyna Chawarska, Geraldine Dawson, James Dziura, Susan Faja, Shafali Jeste, Natalia Kleinhans, Catherine Sugar, Sara Jane Webb, Frederick Shic, and James C. McPartland 

Biological Psychiatry: Cognitive Neuroscience and Neuroimaging. 3 September 2024


Abstract:


Reduced social attention—looking at faces—is one of the most common manifestations of social difficulty in autism that is central to social development. Although reduced social attention is well characterized in autism, qualitative differences in how social attention unfolds across time remains unknown. We used a computational modeling (i.e., hidden Markov modeling) approach to assess and compare the spatiotemporal dynamics of social attention in a large, well-characterized sample of children with autism (n = 280) and neurotypical children (n = 119) (ages 6–11) who completed 3 social eye-tracking assays at 3 longitudinal time points (baseline, 6 weeks, 24 weeks). Our analysis supported the existence of 2 common eye movement patterns that emerged across 3 eye-tracking assays. A focused pattern was characterized by small face regions of interest, which had high a probability of capturing fixations early in visual processing. In contrast, an exploratory pattern was characterized by larger face regions of interest, with a lower initial probability of fixation and more nonsocial regions of interest. In the context of social perception, children with autism showed significantly more exploratory eye movement patterns than neurotypical children across all social perception assays and all 3 longitudinal time points. Eye movement patterns were associated with clinical features of autism, including adaptive function, face recognition, and autism symptom severity. Decreased likelihood of precisely looking at faces early in social visual processing may be an important feature of autism that is associated with autism-related symptomology and may reflect less visual sensitivity to face information.

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