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O perigo oculto dos "ideais de homem": Risco de Suicídio em dobro


Resumo:

O suicídio entre homens é uma questão multifacetada que exige abordagens inovadoras para compreender e abordar os fatores de risco. Enquanto transtornos de saúde mental e ideação suicida continuam sendo fatores importantes, normas culturais associadas à masculinidade desempenham um papel crítico, mas muitas vezes negligenciado, no aumento do risco de suicídio em homens. Reconhecer a interação entre essas dimensões e os fatores psicossociais pode ajudar a salvar vidas e promover uma compreensão mais abrangente do comportamento suicida.


O suicídio é um fenômeno complexo que afeta desproporcionalmente os homens, que têm até quatro vezes mais probabilidade de morrer por suicídio em comparação às mulheres. Ao mesmo tempo, os homens geralmente são menos propensos a revelar pensamentos suicidas e tendem a passar mais rapidamente da ideação suicida para a ação, o que dificulta a intervenção precoce. 


Para entender esse risco elevado, é necessário investigar os fatores que influenciam esses comportamentos, especialmente no contexto de normas culturais e sociais associadas à masculinidade.


Historicamente, os transtornos de saúde mental, como depressão, têm sido considerados fatores de risco importantes para pensamentos e comportamentos suicidas (STBs). Cerca de 90% das pessoas que morrem por suicídio apresentam diagnóstico psiquiátrico, sendo que transtornos de humor, como a depressão, têm a associação mais forte com STBs.  

No entanto, muitos homens que morrem por suicídio nunca foram diagnosticados ou buscaram ajuda profissional, sugerindo que a depressão nesses casos pode se manifestar de forma atípica, como irritabilidade, abuso de substâncias ou sintomas físicos.


Além disso, a ideação suicida, outro fator frequentemente discutido, é um construto instável e heterogêneo. Muitos indivíduos negam pensamentos suicidas antes de uma tentativa, como demonstrado por estudos em que uma alta proporção de pessoas que tentaram suicídio não relatou ideação suicida anterior. Esse padrão é ainda mais comum entre os homens, que têm maior dificuldade em verbalizar sofrimento emocional.


Por conta da falta de consistência e previsibilidade na ideação suicida, os pesquisadores têm proposto o uso de crenças suicidas mais estáveis, como a sensação de ser um fardo ou de estar socialmente desconectado, para avaliar o risco. Essas crenças são mais duradouras e podem fornecer uma base mais confiável para identificar indivíduos em risco.


As normas de gênero masculino, conhecidas como ideologias tradicionais de masculinidade (TMI), apresentam um conjunto de crenças culturais que moldam como os homens devem se comportar. Essas normas incluem expectativas de autossuficiência, controle emocional e rejeição de comportamentos considerados femininos, como a expressão de vulnerabilidade. 


Homens que aderem fortemente a essas normas frequentemente demonstram estoicismo e relutância em buscar ajuda, mesmo diante de intenso sofrimento psicológico. 

A conformidade com essas normas masculinas (CMN) não apenas está associada a uma menor busca por tratamento de saúde mental, mas também pode levar a manifestações externas de sofrimento, como comportamentos de risco e raiva, que aumentam o risco de suicídio. 


Além disso, em contextos em que as normas masculinas são rígidas, o suicídio pode ser percebido como uma forma de retomar o controle sobre situações consideradas insuportáveis, reforçando o comportamento suicida como uma saída “aceitável” para a angústia emocional.


Pesquisas recentes apontam que diferentes dimensões da CMN podem interagir de maneiras únicas para aumentar o risco de suicídio. Por exemplo, homens que valorizam a autossuficiência extrema e evitam expressar emoções frequentemente enfrentam dificuldade em lidar com sintomas depressivos.


Esse padrão comportamental, combinado com crenças suicidas como a insuportabilidade da dor emocional, pode criar um sistema psicossocial que torna o suicídio mais provável. 

Usando dados de uma pesquisa on-line anônima de 488 homens cisgênero, foi realizada uma análise de perfil latente para identificar subgrupos de CMN. Comparações multigrupos e análises de regressão hierárquica foram usadas para estimar diferenças em características sociodemográficas, sintomas de depressão, uso de psicoterapia e STBs.


O estudo identificou três subgrupos de homens com base em sua conformidade com normas masculinas:


1- Igualitários (58,6%): Caracterizados por baixa adesão às normas tradicionais de masculinidade, apresentaram menor risco de depressão e comportamento suicida.


2- Jogadores (16,0%): Definidos por crenças patriarcais e comportamentos voltados à promiscuidade sexual e autoapresentação heterossexual, tiveram um risco moderado de depressão e STBs.


3- Estoicos (25,4%): Apresentaram características como emocionalidade restritiva, autoconfiança e inclinação para comportamentos de risco. Este grupo foi associado ao maior risco de tentativa de suicídio, somatização de sintomas depressivos e crenças suicidas sobre a insuportabilidade emocional.


Os estoicos, em particular, destacam-se como um grupo de alto risco, com um risco 2,32 vezes maior de tentativa de suicídio ao longo da vida. Essa vulnerabilidade está relacionada à combinação de fatores psicossociais, como dificuldade em lidar com emoções, percepção de incompatibilidade entre sofrimento e ideais de masculinidade, e crenças suicidas persistentes.


Reconhecer o impacto das normas masculinas restritivas na saúde mental é crucial para desenvolver estratégias preventivas eficazes.


Intervenções personalizadas que considerem as especificidades dos subgrupos masculinos podem ajudar a reduzir o risco de suicídio. Por exemplo, programas que desafiam os estereótipos de masculinidade e incentivam a expressão emocional podem facilitar a busca de ajuda e reduzir o isolamento emocional. 

Além disso, estratégias para identificar crenças suicidas persistentes, independentemente da manifestação de ideação suicida, podem melhorar a avaliação de risco e permitir intervenções mais precoces. Por fim, campanhas de conscientização que abordem as normas culturais de gênero e promovam modelos saudáveis de masculinidade podem ajudar a mitigar os fatores de risco associados ao suicídio em homens.


O suicídio entre homens é uma questão multifacetada que exige abordagens inovadoras para compreender e abordar os fatores de risco. Enquanto transtornos de saúde mental e ideação suicida continuam sendo fatores importantes, normas culturais associadas à masculinidade desempenham um papel crítico, mas muitas vezes negligenciado, no aumento do risco de suicídio em homens.


Reconhecer a interação entre essas dimensões e os fatores psicossociais pode ajudar a salvar vidas e promover uma compreensão mais abrangente do comportamento suicida.


IMPORTANTE:


Se você precisa de ajuda e quer conversar, entre em contato com CVV pelo número 188 ou pelo site https://www.cvv.org.br/. O atendimento funciona 24 horas por dia, todos os dias. Não hesite em buscar atendimento médico e psicológico ou um grupo de apoio.



LEIA MAIS:


Men's Suicidal thoughts and behaviors and conformity to masculine norms: A person-centered, latent profile approach

Lukas Eggenberger, Lena Spangenberg,  Matthew C. Genuchi,  and Andreas Walther

Heliyon. Volume 10, Issue 20. e39094October 30, 2024

DOI: 10.1016/j.heliyon.2024.e39094


Abstract:


Men are up to four times more likely to die by suicide than women. At the same time, men are less likely to disclose suicidal ideation and transition more rapidly from ideation to attempt. Recently, socialized gender norms and particularly conformity to masculine norms (CMN) have been discussed as driving factors for men's increased risk for suicidal thoughts and behaviors (STBs). This study aims to examine the individual interplay between CMN dimensions and their association with depression symptoms, help-seeking, and STBs. Using data from an anonymous online survey of 488 cisgender men, latent profile analysis was performed to identify CMN subgroups. Multigroup comparisons and hierarchical regression analyses were used to estimate differences in sociodemographic characteristics, depression symptoms, psychotherapy use, and STBs. Three latent CMN subgroups were identified: Egalitarians (58.6 %; characterized by overall low CMN), Players (16.0 %; characterized by patriarchal beliefs, endorsement of sexual promiscuity, and heterosexual self-presentation), and Stoics (25.4 %; characterized by restrictive emotionality, self-reliance, and engagement in risky behavior). Stoics showed a 2.32 times higher risk for a lifetime suicide attempt, younger age, stronger somatization of depression symptoms, and stronger unbearability beliefs. The interplay between the CMN dimensions restrictive emotionality, self-reliance, and willingness to engage in risky behavior, paired with suicidal beliefs about the unbearability of emotional pain, may create a suicidogenic psychosocial system. Acknowledging this high-risk subgroup of men conforming to restrictive masculine norms may aid the development of tailored intervention programs, ultimately mitigating the risk for a suicide attempt.

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