Resumo:
Pesquisas recentes revelaram um papel inesperado dos receptores CB1 em células chamadas astrócitos. Astrócitos são células gliais que, por muito tempo, foram vistas apenas como suporte para os neurônios, mas agora sabemos que desempenham funções ativas na regulação da plasticidade sináptica. Esse estudo traz insights importantes sobre como células não neuronais, como os astrócitos, desempenham um papel essencial no desenvolvimento de circuitos cerebrais e no aprendizado.
O cérebro humano é moldado pela experiência, especialmente durante os períodos iniciais da vida. Esse fenômeno ocorre por meio de circuitos neuronais que se adaptam às mudanças no ambiente. No entanto, essa capacidade de adaptação, ou plasticidade, é muito mais intensa no cérebro jovem do que no adulto.
Esses períodos críticos pós-natais são fases em que o cérebro apresenta uma habilidade excepcional de se reorganizar e aprender, fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e sensorial.
Uma das moléculas-chave que regulam essa plasticidade no cérebro são os endocanabinoides. Eles agem por meio de receptores chamados CB1 (CB1Rs), que desempenham um papel crucial na maturação dos circuitos inibitórios no córtex cerebral.
Em particular, no córtex visual primário em desenvolvimento (conhecido como V1), esses receptores regulam a formação e a maturação das sinapses inibitórias, que são conexões entre neurônios que controlam a atividade cerebral e mantêm o equilíbrio das redes neurais.
No V1, as sinapses inibitórias passam por um processo de amadurecimento. Inicialmente, elas apresentam uma característica chamada depressão de curto prazo, onde a transmissão dos sinais neuronais é enfraquecida rapidamente após repetidos estímulos.
Com a maturação, essa depressão de curto prazo diminui, permitindo sinapses mais estáveis e eficientes. Durante essa fase de imaturidade, as sinapses também podem sofrer um fenômeno chamado depressão de longo prazo induzida por endocanabinoides (iLTD), que desaparece conforme as sinapses amadurecem.
Organização do córtex visual primário. Fonte: Lyes Bachatene, Vishal Bharmauria and Stéphane Molotchnikoff. DOI: 10.5772/46011
O término dessa maturação coincide com o início do período crítico de plasticidade, uma fase em que o cérebro é mais receptivo a mudanças e aprendizado.
Estudos em camundongos e ratos mostraram que o amadurecimento inibitório no V1 ocorre por volta de 28 a 35 dias de vida (em camundongos) e aproximadamente uma semana mais tarde em ratos.
A criação de animais no escuro, que impede a estimulação visual, prolonga esse período crítico, sugerindo que a estimulação ambiental é necessária para que o amadurecimento sináptico seja concluído no tempo adequado.
Pesquisas recentes revelaram um papel inesperado dos receptores CB1 em células chamadas astrócitos. Astrócitos são células gliais que, por muito tempo, foram vistas apenas como suporte para os neurônios, mas agora sabemos que desempenham funções ativas na regulação da plasticidade sináptica.
Ao remover os receptores CB1 especificamente de astrócitos no V1, os cientistas observaram que a maturação das sinapses inibitórias foi prejudicada e a plasticidade do período crítico foi significativamente reduzida. Por outro lado, a remoção desses receptores de interneurônios, outro tipo de célula envolvida na sinalização cerebral, não teve o mesmo impacto.
Os pesquisadores descobriram que a remoção dos receptores CB1 dos astrócitos significava que o cérebro poderia se ajustar com menos facilidade às mudanças durante o desenvolvimento. A) A desativação dos receptores CB1 nos interneurônios não tem efeito na flexibilidade. B) A desativação dos receptores CB1 nos astrócitos torna o cérebro menos flexível e a plasticidade diminui. Fonte: Rogier Min and Christiaan Levelt’s, the Netherlands Institute for Neuroscience.
Essas descobertas destacam a importância dos astrócitos e seus receptores CB1 na plasticidade do período crítico no V1. A ausência desses receptores em astrócitos compromete o amadurecimento das sinapses inibitórias, afetando diretamente o início do período crítico de plasticidade ocular, uma fase em que o cérebro ajusta sua resposta a estímulos visuais.
Esse estudo traz insights importantes sobre como células não neuronais, como os astrócitos, desempenham um papel essencial no desenvolvimento de circuitos cerebrais e no aprendizado.
Por fim, os resultados sugerem que intervenções no sistema endocanabinoide podem ter implicações terapêuticas para distúrbios de desenvolvimento relacionados à plasticidade cerebral, embora mais pesquisas sejam necessárias para entender plenamente esses mecanismos.
LEIA MAIS:
Inhibitory maturation and ocular dominance plasticity in mouse visual cortex require astrocyte CB1 receptors
Rogier Min, Yi Qin, Sven Kerst, M. Hadi Saiepour, Mariska van Lier, and Christiaan N. Levelt
iScience. Volume 27, Issue 12111410, December 20, 2024
DOI: 10.1016/j.isci.2024.111410
Abstract:
Endocannabinoids, signaling through the cannabinoid CB1 receptor (CB1R), regulate several forms of neuronal plasticity. CB1Rs in the developing primary visual cortex (V1) play a key role in the maturation of inhibitory circuits. Although CB1Rs were originally thought to reside mainly on presynaptic axon terminals, several studies have highlighted an unexpected role for astrocytic CB1Rs in endocannabinoid mediated plasticity. Here, we investigate the impact of cell-type-specific removal of CB1Rs from interneurons or astrocytes on development of inhibitory synapses and network plasticity in mouse V1. We show that removing CB1Rs from astrocytes interferes with maturation of inhibitory synaptic transmission. In addition, it strongly reduces ocular dominance (OD) plasticity during the critical period. In contrast, removing interneuron CB1Rs leaves these processes intact. Our results reveal an unexpected role of astrocytic CB1Rs in critical period plasticity in V1 and highlight the involvement of glial cells in plasticity and synaptic maturation of sensory circuits.
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