O Novo Analgésico? Como Ver Natureza Pode Reduzir a Dor no Cérebro
- Lidi Garcia
- 21 de mar.
- 5 min de leitura

Estar em contato com a natureza, mesmo que apenas virtualmente, pode reduzir a percepção da dor. Um estudo mostrou que pessoas submetidas a pequenos choques elétricos relataram sentir menos dor ao observar imagens de cenários naturais. Além disso, exames cerebrais indicaram que a natureza reduz a atividade em áreas do cérebro ligadas ao desconforto emocional da dor. Esses achados sugerem que a exposição à natureza pode ser uma alternativa para complementar tratamentos contra a dor, sem a necessidade de medicamentos.
A presença da natureza ao nosso redor, como parques, florestas, praias e até mesmo elementos isolados, como árvores, pôr do sol e o som de pássaros, pode trazer benefícios significativos para a saúde mental e o bem-estar.
Estudos já demonstraram que viver em bairros com mais áreas verdes pode reduzir o estresse e melhorar a saúde mental a longo prazo. Além disso, pessoas que visitam regularmente a natureza relatam sentir-se mais felizes e menos ansiosas. Até mesmo uma exposição breve a ambientes naturais já pode trazer efeitos positivos para o cérebro e o estado emocional.
Existem algumas teorias que explicam por que a natureza tem esse efeito positivo. Uma delas é a Teoria da Recuperação do Estresse (SRT), que sugere que ambientes naturais transmitem uma sensação de segurança e tranquilidade, ajudando a aliviar o estresse.

Outra teoria importante é a Teoria da Restauração da Atenção (ART), que argumenta que a natureza ajuda a recuperar nossa capacidade de concentração de maneira espontânea e sem esforço. Embora essas teorias tenham diferenças, ambas mostram que a exposição à natureza pode beneficiar a saúde mental e emocional.
Um efeito menos conhecido da exposição à natureza é a redução da dor. Há cerca de 40 anos, um estudo inovador mostrou que pacientes que se recuperavam de cirurgias precisavam de menos remédios para dor e tinham alta mais cedo quando tinham uma janela com vista para árvores, em comparação com aqueles que viam apenas uma parede de tijolos.
Outros estudos mais recentes reforçaram essa ideia ao mostrar que pessoas expostas à natureza durante procedimentos médicos dolorosos, como tratamentos odontológicos ou exames invasivos, relataram sentir menos dor.

Apesar desses achados promissores, ainda existem algumas dúvidas. Muitos estudos anteriores não controlaram adequadamente os fatores que poderiam influenciar os resultados.
Por exemplo, a natureza é frequentemente comparada a cenários urbanos desagradáveis e estressantes, o que pode fazer parecer que a natureza reduz a dor, quando na verdade o ambiente urbano pode estar piorando a experiência.
Além disso, a maioria das pesquisas foi baseada apenas no relato das próprias pessoas sobre sua dor, o que pode ser influenciado por fatores subjetivos e expectativas individuais.
Para aprofundar essa questão, os cientistas começaram a utilizar técnicas de neuroimagem (como ressonância magnética funcional, ou fMRI) para analisar diretamente a atividade cerebral durante experiências dolorosas.
Quando sentimos dor, várias áreas do cérebro são ativadas, algumas relacionadas à percepção física da dor (como a intensidade e a localização no corpo) e outras associadas à parte emocional e psicológica do desconforto. Com novas ferramentas de análise, os pesquisadores agora conseguem diferenciar esses dois tipos de processamento da dor no cérebro.
O presente estudo utilizou essas técnicas avançadas para investigar como a exposição à natureza afeta a dor e sua percepção pelo cérebro. Para isso, 49 voluntários saudáveis foram submetidos a pequenas descargas elétricas para simular dor aguda enquanto observavam imagens de três cenários diferentes: natureza, ambientes urbanos e um ambiente neutro interno.
Durante o experimento, sua atividade cerebral foi registrada por ressonância magnética funcional.
O experimento expôs os participantes a três tipos de cenários visuais: natureza, ambiente urbano e ambiente interno, cada um acompanhado por um som correspondente.

Durante o teste, cada ambiente foi exibido por 9 minutos, enquanto os participantes recebiam 16 choques dolorosos e 16 choques não dolorosos. Todos os participantes passaram por todos os ambientes em uma ordem alternada.
Cada teste seguiu um cronograma específico:
Um sinal visual indicava se o próximo choque seria doloroso (vermelho) ou não doloroso (amarelo) por 2 segundos.
Depois, havia um intervalo variável de cerca de 3,5 segundos antes da aplicação do choque.
O choque era então administrado por 0,5 segundos, ao mesmo tempo em que o sinal visual reaparecia por 1 segundo.
Outro intervalo variável de 3,5 segundos seguia a aplicação do choque.
A cada três choques, os participantes avaliavam a intensidade da dor e o desconforto em uma escala por 6 segundos.
Por fim, um intervalo fixo de 2 segundos encerrava cada teste antes do próximo.
Durante todo o experimento, os estímulos visuais (natureza, cidade ou ambiente interno) permaneciam na tela, exceto durante a fase de avaliação da dor. Os choques elétricos, tanto os dolorosos quanto os não dolorosos, eram administrados no dorso da mão esquerda dos participantes por meio de eletrodos.
Os resultados mostraram que os participantes relataram sentir menos dor quando estavam olhando para cenários naturais, em comparação com os outros ambientes. Mas o mais interessante foi a descoberta no nível cerebral: a exposição à natureza reduziu a atividade em regiões do cérebro associadas à parte emocional e cognitiva da dor com o tálamo, córtex somatossensorial secundário e ínsula posterior.
Ou seja, a natureza não apenas diminuiu a dor percebida pelas pessoas, mas também impactou diretamente as áreas do cérebro envolvidas na experiência dolorosa.

Esses achados são importantes porque mostram que a natureza pode ter um efeito analgésico real, influenciando diretamente como o cérebro processa a dor. Além disso, o fato de o estudo ter usado imagens virtuais da natureza sugere que mesmo exposições não físicas, como vídeos ou realidade virtual, podem trazer benefícios.
Isso abre novas possibilidades para complementar o tratamento da dor sem o uso de medicamentos, o que pode ser útil para pessoas que sofrem de dores crônicas ou que querem reduzir o uso de analgésicos.
Em resumo, este estudo reforça a ideia de que o contato com a natureza pode ajudar na recuperação física e emocional, não apenas melhorando o humor, mas também reduzindo a percepção da dor. A partir desses achados, novas pesquisas podem explorar formas inovadoras de utilizar a natureza como uma ferramenta terapêutica para a saúde humana.
LEIA MAIS:
Nature exposure induces analgesic effects by acting on nociception-related neural processing
Maximilian O. Steininger, Mathew P. White, Lukas Lengersdorff, Lei Zhang, Alexander J. Smalley, Simone Kühn & Claus Lamm
Nature Communications, volume 16, Article number: 2037 (2025)
Abstract:
Nature exposure has numerous health benefits and might reduce self-reported acute pain. Given the multi-faceted and subjective quality of pain and methodological limitations of prior research, it is unclear whether the evidence indicates genuine analgesic effects or results from domain-general effects and subjective reporting biases. This preregistered neuroimaging study investigates how nature modulates nociception-related and domain-general brain responses to acute pain. Healthy participants (N = 49) receiving electrical shocks report lower pain when exposed to virtual nature compared to matched urban or indoor control settings. Multi-voxel signatures of pain-related brain activation patterns demonstrate that this subjective analgesic effect is associated with reductions in nociception-related rather than domain-general cognitive-emotional neural pain processing. Preregistered region-of-interest analyses corroborate these results, highlighting reduced activation of areas connected to somatosensory aspects of pain processing (thalamus, secondary somatosensory cortex, and posterior insula). These findings demonstrate that virtual nature exposure enables genuine analgesic effects through changes in nociceptive and somatosensory processing, advancing our understanding of how nature may be used to complement non-pharmacological pain treatment. That this analgesic effect can be achieved with easy-to-administer virtual nature exposure has important practical implications and opens novel avenues for research on the precise mechanisms by which nature impacts our mind and brain.
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