
Os resultados deste estudo inédito indicam que a infecção por SARS-CoV-2 pode estar associada a um aumento nos marcadores de patologia cerebral ligados ao Alzheimer. Embora ainda não se possa afirmar que a COVID-19 cause a doença, esses achados reforçam a hipótese de que infecções sistêmicas podem acelerar processos neurodegenerativos.
Exposições a doenças infecciosas ao longo da vida têm sido associadas a um maior risco de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, além de outras doenças sistêmicas.
Estudos já relacionaram infecções como encefalite viral, meningite, gripe, pneumonia e infecções intestinais virais a um maior risco de desenvolvimento da doença de Alzheimer.
Além disso, pesquisas indicam que vacinas que previnem essas infecções podem ter um efeito protetor contra essas condições. Isso pode ocorrer por diversos mecanismos, como danos aos tecidos durante a fase aguda da infecção ou processos inflamatórios crônicos que afetam o cérebro direta ou indiretamente.
No entanto, para entender melhor essa relação, são necessários estudos amplos e bem controlados, que consigam diferenciar se a infecção é realmente um fator de risco direto ou se há outros fatores em comum entre pessoas que adoecem e aquelas que desenvolvem demência.

A pandemia de COVID-19 trouxe uma oportunidade única para estudar essa relação em larga escala, pois milhões de pessoas ao redor do mundo foram expostas ao vírus em períodos bem definidos.
Embora o SARS-CoV-2 não ataque diretamente o cérebro, já foram observados impactos neurológicos significativos em pessoas que tiveram a infecção, mesmo naquelas que não precisaram ser hospitalizadas.
Isso se deve, em parte, à forte resposta inflamatória que o vírus desencadeia no organismo, que pode persistir por muito tempo após a infecção inicial.
Estudos preliminares já sugerem um aumento na incidência de demência entre grupos vulneráveis que tiveram COVID-19 grave. Por isso, a pandemia pode ser vista como um “experimento natural” para investigar se infecções sistêmicas podem iniciar ou acelerar processos degenerativos no cérebro, aumentando o risco de Alzheimer no futuro.
Dado o envelhecimento da população e o impacto global da pandemia, entender essa possível relação se tornou uma prioridade de saúde pública.
Atualmente, há biomarcadores no sangue e no líquido cefalorraquidiano (LCR) que permitem identificar sinais precoces de doenças neurodegenerativas anos antes do surgimento dos sintomas.
Esses biomarcadores incluem níveis reduzidos da proteína β-amiloide 42 (Aβ42), além de alterações na razão entre β-amiloide 42 e β-amiloide 40 (Aβ42:Aβ40) e aumentos na proteína tau fosforilada (pTau).
Essas alterações são indicativas do acúmulo anormal de proteínas no cérebro, um dos principais sinais da doença de Alzheimer. Outros biomarcadores, como a proteína ácida fibrilar glial (GFAP) e o neurofilamento de cadeia leve (NfL), indicam ativação de células do sistema nervoso e danos neuronais.

Pesquisas mostram que essas mudanças nos biomarcadores podem ocorrer até 18 anos antes do diagnóstico clínico de Alzheimer. Atualmente, exames de sangue conseguem medir esses biomarcadores com alta precisão, o que possibilita avaliar os efeitos da COVID-19 na saúde cerebral de pessoas ainda sem sintomas de demência.
Estudos anteriores já relataram alterações nesses biomarcadores em pessoas que tiveram COVID-19, especialmente nos casos mais graves. No entanto, para compreender melhor a relação entre a infecção pelo SARS-CoV-2 e o risco de Alzheimer, é necessário acompanhar pacientes ao longo do tempo, incluindo aqueles que tiveram infecções leves ou moderadas.
Para isso, pesquisadores utilizaram dados do UK Biobank, um grande banco de dados do Reino Unido que reúne informações de saúde e exames laboratoriais de milhares de pessoas. Durante o início da pandemia (2020–2021), esse banco de dados foi utilizado para monitorar a exposição ao SARS-CoV-2 e seus efeitos no organismo.
O estudo analisou amostras de sangue de 1.252 participantes antes e depois da infecção, comparando seus biomarcadores com os de um grupo controle semelhante em idade, sexo e estado de saúde.
Isso permitiu avaliar os possíveis impactos da COVID-19 no cérebro sem que outros fatores de risco, como envelhecimento ou predisposição genética, interferissem nos resultados.

Os achados desse estudo indicam que infecções por SARS-CoV-2 podem ter efeitos profundos e duradouros na saúde humana. Desde a pandemia, foram relatados níveis persistentemente elevados de doenças e mortes associadas à COVID-19.
No entanto, os impactos de infecções leves e moderadas no risco de demência ainda não foram completamente investigados. Embora este estudo não possa provar que a COVID-19 causa Alzheimer, os resultados sugerem que a infecção pode acelerar o acúmulo de proteínas anormais no cérebro, o que pode aumentar o risco da doença no futuro.
Pesquisas anteriores já indicavam que infecções virais poderiam aumentar o risco de demência, mas isso ainda não havia sido explorado especificamente para o SARS-CoV-2. Para investigar essa relação, os pesquisadores mediram biomarcadores ligados ao Alzheimer no sangue de voluntários do UK Biobank antes e depois da infecção.
Os resultados mostraram que pessoas que tiveram COVID-19 apresentaram uma redução na razão Aβ42:Aβ40 e, nos casos mais vulneráveis, também tiveram níveis mais baixos da proteína β-amiloide 42 e maiores de proteína tau fosforilada.
Essas alterações foram mais pronunciadas em pessoas que foram hospitalizadas ou que já tinham hipertensão antes da infecção. Além disso, essas mudanças nos biomarcadores foram associadas a sinais de degeneração cerebral em exames de imagem, pior desempenho em testes cognitivos e uma percepção geral de piora na saúde.
Os pesquisadores também observaram que a redução na razão Aβ42:Aβ40 após a infecção foi equivalente ao envelhecimento de quatro anos ou a 60% do efeito causado por herdar um único alelo do gene APOE-ε4, um dos principais fatores genéticos de risco para Alzheimer.
Essa razão mais baixa é uma das primeiras alterações detectáveis em estágios pré-clínicos da doença. Os participantes mais vulneráveis apresentaram mudanças ainda mais significativas, com quedas adicionais nos níveis de proteína β-amiloide 42 e aumentos no maiores de proteína tau fosforilada.
Essas alterações estavam associadas a padrões cerebrais típicos do Alzheimer na ressonância magnética, pior desempenho cognitivo e pior qualidade geral de saúde.
Embora o SARS-CoV-2 não ataque diretamente o cérebro, a infecção desencadeia uma forte resposta inflamatória no organismo, que pode persistir mesmo em casos leves a moderados.

Estudos anteriores já sugeriram que eventos inflamatórios sistêmicos podem estar relacionados ao desenvolvimento de demência, pois a inflamação crônica pode afetar a função das células de defesa do cérebro, dificultando a eliminação de proteínas tóxicas como o β-amiloide.
Além disso, a inflamação pode prejudicar a barreira hematoencefálica, permitindo a entrada de substâncias inflamatórias na região cerebral. Algumas pesquisas sugerem que essa inflamação pode estimular a produção de β-amiloide, contribuindo para o acúmulo de placas no cérebro.
Os resultados deste estudo indicam que a infecção por SARS-CoV-2 pode estar associada a um aumento nos marcadores de patologia cerebral ligados ao Alzheimer. Embora ainda não se possa afirmar que a COVID-19 cause a doença, esses achados reforçam a hipótese de que infecções sistêmicas podem acelerar processos neurodegenerativos.
Compreender melhor essa relação é fundamental para antecipar os impactos da pandemia na saúde neurológica da população e, possivelmente, desenvolver estratégias para reduzir os riscos futuros de demência.
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Plasma proteomic evidence for increased β-amyloid pathology after SARS-CoV-2 infection
Eugene P. Duff, Henrik Zetterberg, Amanda Heslegrave, Abbas Dehghan, Paul Elliott, Naomi Allen, Heiko Runz, Rhiannon Laban, Elena Veleva, Christopher D. Whelan, Benjamin B. Sun & Paul M. Matthews
Nature Medicine (2025)
Abstract:
Previous studies have suggested that systemic viral infections may increase risks of dementia. Whether this holds true for severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) virus infections is unknown. Determining this is important for anticipating the potential future incidence of dementia. To begin to do this, we measured plasma biomarkers linked to Alzheimer’s disease pathology in the UK Biobank before and after serology-confirmed SARS-CoV-2 infections. SARS-CoV-2 infection was associated with biomarkers associated with β-amyloid pathology: reduced plasma Aβ42:Aβ40 ratio and, in more vulnerable participants, lower plasma Aβ42 and higher plasma pTau-181. The plasma biomarker changes were greater in participants who had been hospitalized with COVID-19 or had reported hypertension previously. We showed that the changes in biomarkers were linked to brain structural imaging patterns associated with Alzheimer’s disease, lower cognitive test scores and poorer overall health evaluations. Our data from this post hoc case–control matched study thus provide observational biomarker evidence that SARS-CoV-2 infection can be associated with greater brain β-amyloid pathology in older adults. While these results do not establish causality, they suggest that SARS-CoV-2 (and possibly other systemic inflammatory diseases) may increase the risk of future Alzheimer’s disease.
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