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O Grão de Areia Que Desmentiu Francis Crick: O Maior Mapa do Cérebro Já Feito Quebrou Uma Profecia da Ciência

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • há 6 dias
  • 4 min de leitura

Um consorcio de Cientistas conseguiram, pela primeira vez, mapear em altíssimo detalhe tanto a estrutura quanto o funcionamento de um pedacinho do cérebro de um camundongo, do tamanho de um grão de areia. Eles usaram tecnologias avançadas para registrar como cerca de 75 mil neurônios respondem a imagens e, depois, reconstruíram em 3D mais de 200 mil células e meio bilhão de conexões entre elas. Isso permite entender melhor como o cérebro processa informações e pode ajudar a revelar os "algoritmos" que ele usa para pensar e perceber o mundo. É um enorme passo rumo à compreensão mais profunda do cérebro.


Em 1979, o cientista Francis Crick (um dos descobridores da estrutura do DNA) disse que seria impossível obter um "diagrama de fiação" completo de até mesmo um minúsculo pedaço do cérebro, como um milímetro cúbico de tecido. Ele se referia ao desafio de mapear todas as conexões entre os neurônios, pois é justamente isso que define como eles funcionam. 

Dr. Francis Crick


Por décadas, os cientistas estudaram essas conexões com métodos muito trabalhosos, analisando neurônios um a um ou medindo sua atividade elétrica. Depois, começaram a usar outras técnicas, como imagens de cálcio (para ver os neurônios funcionando), registros em laboratório e até rastreamento viral.


Apesar de muito úteis, essas abordagens ainda entregavam informações parciais, como se víssemos apenas pedaços de um quebra-cabeça gigante.


Hoje, graças a avanços tecnológicos, essa visão de Crick está se tornando realidade. Combinando imagens de cálcio com microscopia eletrônica de alta resolução (ME), cientistas conseguiram estudar em detalhes um milímetro cúbico do córtex visual de um camundongo, uma região do cérebro responsável por processar informações visuais. 


Eles fizeram isso registrando a atividade de milhares de neurônios enquanto o animal via imagens, e depois analisaram esse mesmo tecido com microscopia eletrônica para ver a estrutura exata das células e suas conexões. 

Imagens de cálcio


O resultado foi uma reconstrução 3D completa, feita com inteligência artificial e depois revisada manualmente para garantir precisão. Por fim, ligaram as respostas funcionais dos neurônios às suas respectivas conexões.


Esse banco de dados é impressionante: ele inclui neurônios de vários tipos (como os piramidais e inibitórios), células de suporte como astrócitos e microglia, e até vasos sanguíneos. Através de uma plataforma online, qualquer pessoa pode explorar essas estruturas, ver sinapses de entrada e saída, e até baixar os dados para fazer suas próprias análises. 


Essa iniciativa permitiu novas formas de identificar os tipos de neurônios, mostrando que, em muitos casos, a maneira como eles se conectam revela mais sobre seu tipo do que a forma deles. Também começou-se a conectar esses tipos a dados genéticos, unindo diferentes áreas da ciência.


Outro resultado importante foi a descoberta de padrões de conectividade entre neurônios que respondem a estímulos semelhantes, indicando que o cérebro pode seguir regras organizacionais mais complexas do que se pensava.  

Célula piramidais reconstruídas a partir das imagens de ME (inserção)


Para isso, os cientistas usaram uma inteligência artificial treinada para prever a atividade dos neurônios com base nas imagens que o camundongo via. Isso ajudou a entender melhor como o cérebro processa informações visuais, incluindo aspectos como contexto e constância de percepção, e apontou caminhos para novos estudos.


Mas o impacto vai além dessas descobertas iniciais. O projeto, chamado MICrONS, tornou esses dados públicos, com ferramentas para análise e visualização. Ele também desenvolveu tecnologias que estão sendo usadas em outros esforços gigantescos, como a reconstrução completa do cérebro da mosca-das-frutas, algo comparável ao primeiro "mapa" neural já feito, o do verme C. elegans.


Pode parecer pequeno, mas um milímetro cúbico de cérebro contém dezenas de milhares de neurônios e centenas de milhões de sinapses. Por muito tempo, era impossível estudar tudo isso de uma vez. 


Os cientistas focavam em pares de neurônios ou pequenos grupos. Mas com os avanços em imageamento e inteligência artificial, além de computadores muito mais potentes, isso finalmente se tornou viável. A reconstrução desse volume gerou cerca de 1 petabyte de dados (mil vezes um terabyte!) e só foi possível com métodos automatizados para revisar erros e extrair partes específicas dos neurônios, como axônios e dendritos.


Outro desafio era lidar com essa quantidade enorme de informação de forma colaborativa. Por isso, o projeto também criou um sistema próprio de controle de versões (como se fosse o "GitHub" do cérebro), garantindo que os dados fossem organizados e ninguém fizesse trabalho duplicado. Assim, o MICrONS não é só um banco de dados, mas também um modelo de como lidar com grandes projetos científicos de forma integrada e eficiente. (https://www.microns-explorer.org/)

Com todos esses dados, os pesquisadores criaram um “gêmeo digital” do cérebro do camundongo estudado. Esse modelo pode ser usado para simular experimentos e testar teorias sobre como o cérebro funciona, tudo de forma virtual. Esse tipo de abordagem já está ajudando a revelar princípios computacionais sobre o processamento da informação visual e promete revolucionar a forma como estudamos o cérebro.


Em resumo, o conjunto de dados MICrONS é um marco na história da neurociência. Ele combina estrutura e função, inclui centenas de milhares de células e milhões de conexões, e está disponível abertamente para a comunidade científica. O projeto mostra como é possível, pela primeira vez, estudar o cérebro em uma escala e com um nível de detalhe antes inimaginável, e estamos só no começo.



LEIA MAIS:


Functional connectomics spanning multiple areas of mouse visual cortex

The MICrONS Consortium

Nature, volume 640, pages 435 – 447 (2025)


Abstract


Understanding the brain requires understanding neurons’ functional responses to the circuit architecture shaping them. Here we introduce the MICrONS functional connectomics dataset with dense calcium imaging of around 75,000 neurons in primary visual cortex (VISp) and higher visual areas (VISrl, VISal and VISlm) in an awake mouse that is viewing natural and synthetic stimuli. These data are co-registered with an electron microscopy reconstruction containing more than 200,000 cells and 0.5 billion synapses. Proofreading of a subset of neurons yielded reconstructions that include complete dendritic trees as well the local and inter-areal axonal projections that map up to thousands of cell-to-cell connections per neuron. Released as an open-access resource, this dataset includes the tools for data retrieval and analysis1,2. Accompanying studies describe its use for comprehensive characterization of cell types3,4,5,6, a synaptic level connectivity diagram of a cortical column4, and uncovering cell-type-specific inhibitory connectivity that can be linked to gene expression data4,7. Functionally, we identify new computational principles of how information is integrated across visual space8, characterize novel types of neuronal invariances9 and bring structure and function together to uncover a general principle for connectivity between excitatory neurons within and across areas10,11.

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