
Um curto período de alimentação rica em calorias e ultraprocessados pode afetar a ação da insulina no cérebro de maneiras que persistem mesmo após o retorno a uma dieta normal. Essas mudanças podem contribuir para o desenvolvimento da resistência à insulina no cérebro e, potencialmente, para a obesidade e outras doenças metabólicas. Isso reforça a importância de manter uma alimentação equilibrada e de evitar o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, que podem ter impactos duradouros na saúde cerebral e metabólica.
A resistência à insulina é um problema comum em pessoas com obesidade e diabetes tipo 2. Esse quadro afeta não apenas o corpo, mas também o cérebro. Normalmente, a insulina no cérebro ajuda a reduzir a fome e controlar o metabolismo.
No entanto, quando há resistência à insulina, essa função fica comprometida, o que pode levar a dificuldades no controle do peso e até aumentar o risco de problemas metabólicos, psiquiátricos e neurodegenerativos.
Apesar de já se saber que a insulina no cérebro está ligada a esses processos, ainda não está claro como essa resposta se desenvolve ao longo do tempo.
Para entender melhor essa questão, pesquisadores realizaram um estudo para analisar como o consumo de uma dieta altamente calórica e rica em alimentos ultraprocessados pode afetar a ação da insulina no cérebro.

O estudo envolveu 29 homens saudáveis, com idades entre 19 e 27 anos, que foram divididos em dois grupos. Um grupo seguiu sua dieta normal, enquanto o outro adicionou 1.500 calorias extras por dia, consumindo lanches ultraprocessados por cinco dias.
Após esse período, os participantes do grupo de dieta calórica voltaram à sua alimentação regular por sete dias, e os pesquisadores acompanharam as mudanças no corpo e no cérebro durante três momentos: antes da mudança na dieta, logo após os cinco dias de dieta calórica e uma semana depois de voltarem à alimentação normal.
Para medir a ação da insulina no cérebro, os pesquisadores utilizaram um spray nasal de insulina e ressonância magnética funcional (fMRI). Essa técnica permitiu observar como diferentes regiões cerebrais respondiam à insulina antes e depois da dieta calórica.
Os resultados mostraram que, imediatamente após os cinco dias de alimentação rica em calorias, algumas áreas do cérebro ligadas à recompensa alimentar (como o córtex insular e o mesencéfalo) mostraram uma atividade maior em resposta à insulina.

Isso sugere que o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados pode aumentar a sensibilidade do cérebro à insulina nessas regiões, o que pode influenciar o desejo por comida e o comportamento alimentar.
No entanto, uma semana após a volta à dieta normal, os pesquisadores observaram o efeito oposto: a atividade da insulina caiu em outras áreas do cérebro, como o hipocampo e o giro fusiforme, que são importantes para a memória e o aprendizado.
Isso indica que, mesmo depois que a alimentação voltou ao normal, o impacto no cérebro persistiu. Essas mudanças podem ter implicações a longo prazo, pois o hipocampo é essencial para o controle da alimentação e para o aprendizado de hábitos saudáveis.

Além das mudanças na atividade cerebral, os pesquisadores também analisaram o impacto da dieta no corpo. Apesar de os participantes não terem ganhado peso significativo em apenas cinco dias, o grupo que consumiu mais calorias apresentou um aumento no acúmulo de gordura no fígado.
Esse achado é preocupante porque o excesso de gordura no fígado está associado a um maior risco de resistência à insulina e problemas metabólicos no futuro.
Curiosamente, a pesquisa não encontrou diferenças significativas na sensibilidade à insulina no resto do corpo, nem em marcadores de inflamação no sangue, como a proteína C-reativa e interleucinas.

Isso pode indicar que as mudanças no cérebro ocorrem antes das alterações metabólicas mais amplas. Outros estudos já mostraram que pessoas com obesidade apresentam respostas alteradas da insulina em áreas do cérebro ligadas à recompensa e que isso pode levar a dificuldades em regular o apetite.
Os novos achados sugerem que essas mudanças podem começar antes mesmo do ganho de peso, ou seja, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados pode alterar a função cerebral rapidamente, independentemente de mudanças imediatas no metabolismo periférico.
Os pesquisadores também destacaram que outras condições, como inflamação no cérebro, podem estar envolvidas nesse processo. Estudos anteriores sugerem que o excesso de comida pode desencadear inflamação em regiões cerebrais ligadas ao controle do apetite, o que pode levar a um ciclo vicioso de aumento da fome e dificuldade em regular o peso.

No estudo atual, os participantes que consumiram a dieta calórica apresentaram alterações na integridade da substância branca do cérebro, o que pode ser um indicativo de processos inflamatórios. No entanto, mais pesquisas são necessárias para entender melhor essa relação.
Embora o estudo tenha trazido descobertas importantes, ele também possui limitações. O número de participantes foi pequeno, o que dificulta a generalização dos resultados. Além disso, a pesquisa foi realizada apenas com homens jovens e saudáveis, então não se sabe se os mesmos efeitos ocorrem em mulheres ou em pessoas com diferentes condições de saúde.
Também não foi analisado o impacto de diferentes tipos de alimentos calóricos, como aqueles ricos em carboidratos versus aqueles ricos em gorduras saudáveis.
Em resumo, o estudo mostrou que um curto período de alimentação rica em calorias e ultraprocessados pode afetar a ação da insulina no cérebro de maneiras que persistem mesmo após o retorno a uma dieta normal.
Essas mudanças podem contribuir para o desenvolvimento da resistência à insulina no cérebro e, potencialmente, para a obesidade e outras doenças metabólicas. Isso reforça a importância de manter uma alimentação equilibrada e de evitar o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, que podem ter impactos duradouros na saúde cerebral e metabólica.
LEIA MAIS:
A short-term, high-caloric diet has prolonged effects on brain insulin action in men
Stephanie Kullmann, Lore Wagner, Robert Hauffe, Anne Kühnel, Leontine Sandforth, Ralf Veit, Corinna Dannecker, Jürgen Machann, Andreas Fritsche, Nobert Stefan, Hubert Preissl, Nils B. Nature Metabolism. 21 February 2025
DOI: 10.1038/s42255-025-01226-9–
Abstract:
Brain insulin responsiveness is linked to long-term weight gain and unhealthy body fat distribution. Here we show that short-term overeating with calorie-rich sweet and fatty foods triggers liver fat accumulation and disrupted brain insulin action that outlasted the time-frame of its consumption in healthy weight men. Hence, brain response to insulin can adapt to short-term changes in diet before weight gain and may facilitate the development of obesity and associated diseases.
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