Resumo:
Esse estudo fornece um panorama detalhado do acúmulo de ferro no cérebro em idosos, destacando o impacto de nutrientes específicos na proteção contra os efeitos negativos do ferro. Com isso, abre-se uma nova perspectiva para intervenções dietéticas que possam mitigar o envelhecimento cerebral e melhorar a qualidade de vida na velhice.
O ferro não-heme desempenha um papel crucial na saúde cerebral, sustentando funções neurais vitais e contribuindo para processos celulares essenciais, como a geração de energia nas mitocôndrias (trifosfato de adenosina, ou ATP), formação de conexões sinápticas (sinaptogênese), síntese de neurotransmissores e desenvolvimento de mielina, que protege os neurônios.
Apesar de suas funções essenciais, o ferro não-heme também pode agir como um agente oxidante, contribuindo para a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS). Essas moléculas podem causar danos em estruturas celulares como lipídios, proteínas e DNA, prejudicando a função de neurônios, células de suporte (gliais) e a própria mielina.
Estudos recentes associam o acúmulo de ferro no hipocampo a uma menor produção de fatores de crescimento cerebral, como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). Esse efeito ocorre devido à regulação negativa de enzimas-chave mediadas pelo ferro.
Em condições normais, o ferro não-heme é armazenado dentro de estruturas intracelulares, como a ferritina, e sua liberação pelas mitocôndrias é estritamente controlada para prevenir danos celulares.
No entanto, o processo de envelhecimento interrompe esse equilíbrio, resultando no acúmulo de ferro em áreas cerebrais e no aumento do estresse oxidativo, o que está associado ao declínio cognitivo.
Embora os efeitos do ferro no envelhecimento cerebral sejam conhecidos, sua distribuição espacial específica e implicações regionais nas funções cognitivas ainda são pouco compreendidas. Estudos longitudinais limitados têm focado em áreas subcorticais, como o estriado, enquanto análises de áreas corticais, como o córtex pré-frontal, são escassas.
Além disso, a maioria das pesquisas utiliza técnicas baseadas na relaxometria para medir ferro cerebral, que podem ser influenciadas por fatores externos não relacionados ao ferro, como heterogeneidades no campo magnético.
Para avançar na compreensão desse tema, torna-se crucial identificar fatores que possam mitigar o acúmulo de ferro cerebral relacionado à idade.
Estudos anteriores sugerem que nutrientes antioxidantes e compostos quelantes de ferro, como vitaminas, flavonoides e ácidos graxos poli-insaturados, podem oferecer proteção ao reduzir o estresse oxidativo e prevenir danos celulares associados ao ferro. No entanto, sua eficácia a longo prazo ainda não foi devidamente estabelecida.
Neste estudo longitudinal, realizado por pesquisadores da University of Kentucky, USA, foram analisados 74 idosos saudáveis, que participaram de uma avaliação inicial e um acompanhamento de 2,5 a 3 anos.
Os níveis de ferro cerebral foram medidos usando mapeamento quantitativo de suscetibilidade (QSM), uma técnica de ressonância magnética que fornece estimativas mais diretas e precisas do conteúdo de ferro, em comparação com métodos tradicionais.
Além disso, o desempenho cognitivo foi avaliado utilizando testes neuropsicológicos que medem memória episódica e função executiva, capacidades frequentemente afetadas pelo envelhecimento.
A ingestão alimentar dos participantes foi registrada no início do estudo, focando em nutrientes como antioxidantes, flavonoides e ácidos graxos. Esses compostos foram selecionados com base em evidências de modelos animais que sugerem sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e proteger o cérebro contra os efeitos prejudiciais do ferro.
Além disso, dados sobre o estilo de vida, como nível de atividade física, consumo de álcool e tabagismo, foram coletados para controlar fatores não alimentares que podem influenciar os resultados.
Os resultados mostraram que o acúmulo de ferro cerebral ao longo de 2,5 anos foi detectado em várias regiões corticais e subcorticais, sendo associado a um pior desempenho em testes de memória e função executiva.
No entanto, o consumo de nutrientes antioxidantes e outros compostos benéficos na dieta foi correlacionado a menores níveis de ferro em regiões específicas do cérebro. Isso sugere que a dieta pode desempenhar um papel protetor, retardando o acúmulo de ferro cerebral e preservando funções cognitivas.
Esse estudo fornece um panorama detalhado do acúmulo de ferro no cérebro em idosos, destacando o impacto de nutrientes específicos na proteção contra os efeitos negativos do ferro. Com isso, abre-se uma nova perspectiva para intervenções dietéticas que possam mitigar o envelhecimento cerebral e melhorar a qualidade de vida na velhice.
A Figura mostra os resultados das análises voxel a voxel realizadas para avaliar as associações entre as mudanças longitudinais nos valores de QSM (ΔQSM) e o desempenho cognitivo em dois domínios principais: memória episódica (MEM) e função executiva (EF). As correlações entre ΔQSM e MEM são apresentadas no painel (A), enquanto as correlações com EF são mostradas no painel (B). O aumento no acúmulo de ferro em regiões específicas do cérebro ao longo do tempo está associado a uma piora na memória episódica e na função executiva. Isso reforça a hipótese de que o ferro cerebral pode ser um fator importante no declínio cognitivo relacionado à idade. Foi observado que o aumento no acúmulo de ferro cerebral (ΔQSM) está negativamente associado ao desempenho em MEM e EF. Isso significa que, quanto maior a diferença nos valores de QSM entre a linha de base e o acompanhamento, pior é o desempenho nesses domínios cognitivos. Cores quentes (laranja a amarelo): Indicam correlações positivas, sugerindo que um aumento no QSM estaria associado a uma melhora no desempenho (neste caso, isso não é predominante).
Cores frias (azul a ciano): Indicam correlações negativas, sugerindo que um aumento no ΔQSM está relacionado à piora no desempenho cognitivo. L (hemisfério esquerdo) e R (hemisfério direito): As siglas indicam em qual hemisfério do cérebro a análise está focada.
Regiões Cerebrais Identificadas: Giro fusiforme (FG): Associado a processos de reconhecimento visual e memória. Hipocampo (HIPP): Crucial para a memória episódica e navegação espacial. Córtex orbitofrontal medial (MOC): Envolvido na tomada de decisão e integração de informações emocionais. Giro frontal superior (SFG): Associado a funções executivas, como planejamento e controle de atenção. Giro pré-central (PG): Principalmente motor, mas também pode estar envolvido em funções cognitivas complexas. Córtex cingulado anterior (ACC): Relacionado à regulação emocional, atenção e controle executivo. Giros temporal inferior (ITG) e médio (MTG): Envolvidos em processamento de memória e integração semântica. Pré-cuneus (PRECUN): Relacionado à autorreferência e memória episódica. Córtex cingulado médio (MCC): Associado à cognição social e tomada de decisão.
LEIA MAIS:
Exploring the links among brain iron accumulation, cognitive performance, and dietary intake in older adults: A longitudinal MRI study
Valentinos Zachariou, Colleen Pappas, Christopher E. Bauer, Elayna R. Seago, and Brian T. Gold
Neurobiology of Aging. Volume 145, January 2025, Pages 1-12
Abstract:
This study evaluated longitudinal brain iron accumulation in older adults, its association with cognition, and the role of specific nutrients in mitigating iron accumulation. MRI-based, quantitative susceptibility mapping estimates of brain iron concentration were acquired from seventy-two healthy older adults (47 women, ages 60–86) at a baseline timepoint (TP1) and a follow-up timepoint (TP2) 2.5–3.0 years later. Dietary intake was evaluated at baseline using a validated questionnaire. Cognitive performance was assessed at TP2 using the uniform data set (Version 3) neuropsychological tests of episodic memory (MEM) and executive function (EF). Voxel-wise, linear mixed-effects models, adjusted for longitudinal gray matter volume alterations, age, and several non-dietary lifestyle factors revealed brain iron accumulation in multiple subcortical and cortical brain regions, which was negatively associated with both MEM and EF performance at T2. However, consumption of specific dietary nutrients at TP1 was associated with reduced brain iron accumulation. Our study provides a map of brain regions showing iron accumulation in older adults over a short 2.5-year follow-up and indicates that certain dietary nutrients may slow brain iron accumulation.
Comments