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Novo tratamento medicamentoso possibilita que mulheres com epilepsia sejam mães


Resumo:

O valproato de sódio é um medicamento comumente utilizado para tratar epilepsia, mas seu uso durante a gravidez pode ser arriscado, pois está associado ao aumento do risco de malformações fetais, como defeitos na espinha do bebê. Pesquisas recentes descobriram que a rapamicina, um outro medicamento, pode neutralizar esses efeitos adversos. Usando organoides, que são pequenas versões de órgãos cultivadas em laboratório, os cientistas conseguiram identificar como o valproato de sódio interfere no desenvolvimento embrionário, causando essas malformações. O estudo mostrou que quando a rapamicina é administrada em conjunto com o valproato, os efeitos prejudiciais são prevenidos. Esse avanço traz esperança para mulheres com epilepsia, pois pode permitir que elas continuem seu tratamento de forma mais segura durante a gravidez, evitando riscos para o desenvolvimento do bebê.


A epilepsia — também conhecida como transtorno convulsivo — é uma condição cerebral que causa convulsões recorrentes. Existem muitos tipos de epilepsia. Em algumas pessoas, a causa pode ser identificada. Em outras, a causa não é conhecida. A epilepsia é comum e estima-se que 1,2% das pessoas nos Estados Unidos tenham epilepsia ativa, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. A epilepsia afeta pessoas de todos os gêneros, raças, origens étnicas e idades.


Os sintomas de convulsão podem variar amplamente. Algumas pessoas podem perder a consciência durante uma convulsão, enquanto outras não. Algumas pessoas olham fixamente por alguns segundos durante uma convulsão. Outras podem contrair repetidamente os braços ou as pernas, movimentos conhecidos como convulsões. Ter uma única convulsão não significa que você tem epilepsia.


A epilepsia é diagnosticada se você teve pelo menos duas convulsões não provocadas com pelo menos 24 horas de intervalo. As convulsões não provocadas não têm uma causa clara. 


O tratamento com medicamentos ou, às vezes, cirurgia pode controlar as convulsões para a maioria das pessoas com epilepsia. Algumas pessoas requerem tratamento vitalício. Por isso, para mulheres que querem engravidar isso se torna um problema, sendo ate mesmo contraindicado.

O ácido valproico (VPA) é um medicamento amplamente utilizado para tratar epilepsia, transtorno bipolar e enxaquecas. No entanto, seu uso durante a gravidez é arriscado, pois pode causar uma série de malformações no feto, como problemas cardíacos, defeitos craniofaciais e defeitos do tubo neural (que envolve a formação do cérebro e da medula espinhal).


Esses problemas são conhecidos como Síndrome do Valproato Fetal (FVS). Devido a esses riscos, o VPA é contraindicado para gestantes e, em muitos países, sua prescrição para mulheres em idade fértil é desencorajada.


Infelizmente, algumas mulheres com epilepsia não possuem opções alternativas de tratamento tão eficazes quanto o VPA. Pesquisas em diversos modelos animais, como peixes-zebra e camundongos, mostraram que o VPA causa problemas no desenvolvimento de células da crista neural (NCCs), que são essenciais para a formação de muitos tecidos no embrião, incluindo células do sistema nervoso e musculatura.

Para elucidar o mecanismo de teratogenicidade induzida por VPA, cientistas da University of Queensland criaram uma técnica especial para observar um tipo específico de célula (as células da crista neural) durante o desenvolvimento. Eles usaram células-tronco humanas, que têm a capacidade de se transformar em vários tipos de células.


A "recombinase genética" é como uma ferramenta molecular que permite ligar ou desligar genes específicos, e o "SOX10" é um marcador genético que identifica essas células da crista neural. 


A partir desse sistema, os cientistas conseguiram observar o comportamento dessas células em um modelo de laboratório que imita o desenvolvimento do sistema nervoso humano (usando organoides, que são como "mini-órgãos" cultivados em laboratório). Isso ajudou a entender como essas células se movem e se desenvolvem.


Eles descobriram que o ácido valproico (VPA), um medicamento, faz com que essas células parem de se dividir (um processo chamado de senescência celular) e comecem a se transformar em outro tipo de célula (as células mesenquimais), que não deveriam aparecer nesse estágio do desenvolvimento.

Exemplo de organoides de cérebros humanos com 6 meses de crescimento em cultura


A boa notícia é que cientistas descobriram que a rapamicina, um medicamento já aprovado para uso clínico, foi capaz de "corrigir" esses efeitos prejudiciais do VPA, impedindo que as células se comportassem de maneira anormal. Eles descobriram que uma molécula chamada AP1 é um dos responsáveis por essas mudanças nas células, indicando um alvo específico que pode ser importante no controle desses efeitos.


Isso mostra como esses modelos de laboratório (os organoides) são ferramentas poderosas para testar novos medicamentos e entender melhor como substâncias afetam o corpo humano.


O proximo passo foi testar a mesma teoria em um organismo vivo. Notavelmente, o modelo de peixe-zebra in vivo replica os defeitos de diferenciação de NCC induzidos por VPA e o resgate subsequente de Rapamicina, fornecendo validação adicional da significância biológica dessas  descobertas além do cenário in vitro.  

A rapamicina previne a promoção induzida por VPA da diferenciação de NCC em peixe-zebra. a) Imagem representativa de larvas de peixe-zebra e zoom da região craniana a 48 horas expostas aos compostos. b) Imagens representativas de campo claro sobrepostas com imagens confocal de larvas de peixe-zebra expostas a múltiplos compostos e imunomarcadas para Sox10 (verde) e reconstrução 3D de células Sox10+ identificadas dentro das larvas. c) Quantificação do número de células positivas para Sox10 contadas na região do palato (roxo), d) cabeça e parte superior do corpo inteiro de larvas de peixe-zebra expostas ao veículo, VPA e VPA+Rapamicina. https://doi.org/10.1038/s41380-024-02732-0


Finalmente, os pesquisadores indentificaram o fator de transcrição mestre AP1 como um provável mediador da senescência induzida por VPA e diferenciação aberrante. Coletivamente, esses dados lançam luz sobre o delicado equilíbrio entre a senescência celular e as escolhas de destino celular que fundamentam a teratogenicidade do VPA e identificam uma potencial estratégia de prevenção farmacológica por meio do tratamento com Rapamicina.


Essa descoberta pode abrir caminho para que, no futuro, mulheres que dependem do VPA possam tomar o medicamento de maneira mais segura durante a gravidez, reduzindo o risco de danos ao feto.


Este avanço é promissor porque destaca o potencial de usar modelos laboratoriais sofisticados para encontrar novas formas de tratamento e prevenção de complicações na gravidez, especialmente para aquelas que precisam continuar usando anticonvulsivantes.



LEIA MAIS:


Valproic acid-induced teratogenicity is driven by senescence and prevented by Rapamycin in human spinal cord and animal models. 

Pietrogrande, G., Shaker, M.R., Stednitz, S.J. et al. 


Abstract:


Valproic acid (VPA) is an effective and widely used anti-seizure medication but is teratogenic when used during pregnancy, affecting brain and spinal cord development for reasons that remain largely unclear. Here we designed a genetic recombinase-based SOX10 reporter system in human pluripotent stem cells that enables tracking and lineage tracing of Neural Crest cells (NCCs) in a human organoid model of the developing neural tube. We found that VPA induces extensive cellular senescence and promotes mesenchymal differentiation of human NCCs. We next show that the clinically approved drug Rapamycin inhibits senescence and restores aberrant NCC differentiation trajectory after VPA exposure in human organoids and in developing zebrafish, highlighting the therapeutic promise of this approach. Finally, we identify the pioneer factor AP1 as a key element of this process. Collectively our data reveal cellular senescence as a central driver of VPA-associated neurodevelopmental teratogenicity and identifies a new pharmacological strategy for prevention. These results exemplify the power of genetically modified human stem cell-derived organoid models for drug discovery.

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