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Novo Estudo Desmonta Mito: Doenças Maternas Não Causam Autismo


Os achados do estudo fornecem um mapeamento detalhado das conexões entre a saúde materna na gestação e o autismo na infância, trazendo mais clareza sobre os mecanismos envolvidos. Além disso, reforçam a importância de considerar fatores genéticos e ambientais familiares ao interpretar essas associações, para evitar conclusões precipitadas sobre causas diretas.


O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que geralmente é identificado nos primeiros anos de vida. Ele se caracteriza por dificuldades na comunicação social e pela presença de comportamentos repetitivos e restritivos. 


Como sua origem está ligada ao desenvolvimento precoce do cérebro e ao ambiente intrauterino, muitos estudos buscam entender como fatores não genéticos, especialmente aqueles relacionados à saúde da mãe durante a gravidez, podem influenciar o risco de uma criança desenvolver autismo. 


Neste contexto, ao longo do estudo, o termo "autismo" será utilizado para se referir ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), sua nomenclatura clínica formal.


Diversas pesquisas já identificaram relações entre certas condições maternas durante a gestação e o risco aumentado de autismo na criança. Por exemplo, estudos epidemiológicos apontam que mães que tiveram depressão, diabetes, doenças do sistema imunológico ou infecções durante a gravidez podem ter filhos com maior probabilidade de receber um diagnóstico de TEA.  

No entanto, ainda existem muitas dúvidas sobre esse tema. Um dos principais desafios é que outras condições médicas maternas não foram estudadas nesse contexto, e muitas delas podem ocorrer simultaneamente, dificultando a análise dos impactos isolados de cada uma. 


Além disso, mesmo quando uma associação entre uma doença materna e o autismo é identificada, não está claro se essa relação é de causa e efeito ou se decorre de outros fatores comuns na família.


As condições médicas maternas podem afetar o bebê diretamente, seja por meio de alterações fisiológicas associadas à doença ou pelo uso de medicamentos. Esse impacto direto é plausível, já que substâncias presentes no sangue da mãe podem atravessar a placenta e chegar ao feto, influenciando seu desenvolvimento. 


Além disso, a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro do bebê contra substâncias potencialmente prejudiciais, só se forma completamente durante a gestação, tornando o cérebro mais vulnerável nos estágios iniciais.


Entretanto, essas associações podem também ser explicadas por fatores familiares compartilhados entre mãe e filho, como predisposição genética ou exposição a um ambiente comum, como poluição do ar ou nível socioeconômico. 

Pesquisas anteriores sugerem que pode haver uma relação genética entre algumas doenças maternas e o autismo. Por exemplo, algumas condições psiquiátricas e metabólicas que ocorrem nas mães também são mais frequentes em parentes de indivíduos autistas. 


Isso sugere que variações genéticas herdadas podem desempenhar um papel tanto na saúde materna quanto no risco de TEA. Além disso, mesmo quando uma condição não é diretamente herdada, os genes da mãe podem influenciar o ambiente intrauterino de forma indireta. 


Assim, é essencial compreender até que ponto os efeitos observados são causados pela doença em si ou se refletem apenas uma predisposição genética compartilhada entre mãe e filho.


Para distinguir entre essas possibilidades, diferentes abordagens de pesquisa são necessárias. Um método eficiente é comparar irmãos nascidos da mesma mãe, onde um tem autismo e o outro não. 


Isso permite controlar fatores genéticos e ambientais familiares que permanecem constantes entre os irmãos. Outra estratégia é utilizar o pai como controle negativo: se uma determinada condição materna estiver associada ao autismo, mas uma condição semelhante no pai não estiver, isso pode indicar um efeito direto da gravidez. 


O uso dessas estratégias, combinado com estudos observacionais tradicionais, ajuda a esclarecer a verdadeira influência da saúde materna na origem do autismo.


No presente estudo, os pesquisadores da NYU Grossman School of Medicine, USA, analisaram uma ampla base de dados da Dinamarca, incluindo registros médicos de mais de 1,1 milhão de crianças nascidas entre 1998 e 2015, bem como informações detalhadas sobre a saúde de suas mães durante a gestação.  

Esse banco de dados, vinculado a registros nacionais de saúde, permitiu um exame aprofundado da relação entre diferentes condições maternas e o diagnóstico de autismo na infância, levando em conta fatores demográficos e socioeconômicos. 


Além disso, os pesquisadores analisaram a presença de comorbidades, ou seja, a ocorrência de múltiplas condições médicas ao mesmo tempo, e investigaram se essas associações variavam de acordo com o sexo da criança e a presença de deficiência intelectual.


Os resultados revelaram que, entre as 1.131.899 crianças acompanhadas, 18.374 (cerca de 1,6%) receberam um diagnóstico de TEA. A idade média do diagnóstico foi de 8,3 anos, mas essa média variou ao longo do período do estudo, refletindo tanto um aumento no diagnóstico precoce quanto diferenças na duração do acompanhamento de cada criança. 


Os pesquisadores analisaram 236 diferentes condições maternas, das quais 30 mostraram uma associação estatisticamente significativa com o autismo, mesmo após ajustes para fatores demográficos e comorbidades. 


Entre essas condições, destacaram-se doenças obstétricas, cardiometabólicas e psiquiátricas, como diabetes gestacional e depressão. 


Os pesquisadores utilizaram métodos que levam em conta fatores genéticos e características familiares para analisar a relação entre as condições de saúde das mães durante a gravidez e o autismo nos filhos. 

Com isso, eles descobriram que muitas dessas associações não indicavam uma relação de causa e efeito. Ou seja, o fato de uma mãe ter uma determinada doença durante a gestação não significa necessariamente que essa condição causou o autismo na criança.


Em vez disso, os resultados sugerem que o aumento do risco de autismo em filhos de mães com certas doenças pode estar relacionado a características genéticas herdadas ou a fatores do ambiente familiar que influenciam tanto a saúde da mãe quanto o desenvolvimento da criança.


Por exemplo, algumas condições psiquiátricas e metabólicas podem ter uma base genética compartilhada entre mãe e filho, e fatores como nível socioeconômico e exposição a poluentes ambientais também podem estar envolvidos.


Portanto, embora os dados mostrem que algumas doenças maternas estão estatisticamente associadas ao autismo na prole, essa relação parece ser explicada principalmente pela predisposição genética e por influências familiares, em vez de um efeito direto da doença da mãe no bebê durante a gestação. Isso reforça a importância de interpretar essas associações com cautela e considerar outros fatores que podem estar influenciando os resultados.

Os achados do estudo fornecem um mapeamento detalhado das conexões entre a saúde materna na gestação e o autismo na infância, trazendo mais clareza sobre os mecanismos envolvidos.


Além disso, reforçam a importância de considerar fatores genéticos e ambientais familiares ao interpretar essas associações, para evitar conclusões precipitadas sobre causas diretas. 


Esse tipo de pesquisa pode ajudar a direcionar futuras investigações e a informar políticas públicas e estratégias de saúde materno-infantil, garantindo que recomendações médicas sejam baseadas em evidências sólidas.



LEIA MAIS:


Familial confounding in the associations between maternal health and autism

Vahe Khachadourian, Elias Speleman Arildskov, Jakob Grove, Paul F. O’Reilly, Joseph D. Buxbaum, Abraham Reichenberg, Sven Sandin, Lisa A. Croen, Diana Schendel, Stefan Nygaard Hansen & Magdalena Janecka 


Abstract:


Evidence suggests that maternal health in pregnancy is associated with autism in the offspring. However, most diagnoses in pregnant women have not been examined, and the role of familial confounding remains unknown. Our cohort included all children born in Denmark between 1998 and 2015 (n = 1,131,899) and their parents. We fitted Cox proportional hazard regression models to estimate the likelihood of autism associated with each maternal prenatal ICD-10 diagnosis, accounting for disease chronicity and comorbidity, familial correlations and sociodemographic factors. We examined the evidence for familial confounding using discordant sibling and paternal negative control designs. Among the 1,131,899 individuals in our sample, 18,374 (1.6%) were diagnosed with autism by the end of follow-up. Across 236 maternal diagnoses we tested (prevalence ≥0.1%), 30 were significantly associated with autism after accounting for sociodemographic factors, disorder chronicity and comorbidity, and correction for multiple testing. This included obstetric, cardiometabolic and psychiatric disorders (for example, diabetes in pregnancy (hazard ratio (HR) 1.19, 95% confidence interval (CI) 1.08–1.31) and depression (HR 1.49, 95% CI 1.27–1.75)), previously shown to be associated with autism. Family-based analyses provided strong evidence for familial confounding in most of the observed associations. Our findings indicate pervasive associations between maternal health in pregnancy and offspring autism and underscore that these associations are largely attributable to familial confounding.

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