Resumo:
Cientistas descobriram uma parte do cérebro responsável por fazer com que camundongos prefiram viver em grupos maiores. O estudo mostrou que a comunicação entre duas regiões do cérebro, o córtex cingulado anterior (ACC) e o septo lateral (LS), influencia essa preferência social. Quando os pesquisadores desligaram esse circuito, os camundongos machos passaram a preferir grupos menores, enquanto as fêmeas não demonstraram uma escolha clara. Essa pesquisa oferece uma nova forma de entender comportamentos sociais complexos e pode ajudar a aprender mais sobre como funcionam as interações sociais em humanos.
Para muitas espécies, incluindo os humanos, as condições do ambiente fizeram com que viver em grandes grupos se tornasse uma vantagem. Estar em grupos maiores oferece muitos benefícios, como viajar juntos, ter menos risco de ataque de predadores, aumentar a chance de sobrevivência dos filhotes e melhorar o equilíbrio do corpo.
Por isso, esse comportamento evoluiu várias vezes em diferentes tipos de animais, como insetos, aves e mamíferos. Entender como o cérebro faz com que os mamíferos se juntem em grupos é um desafio que muitos cientistas estão tentando resolver.
Uma área do cérebro chamada septo lateral (LS) está se mostrando cada vez mais importante para os comportamentos sociais e pode ter um papel essencial na vida em grupo.
No passado, o LS era conhecido principalmente por estar ligado à "raiva septal", pois estava associado à agressão em ratos e camundongos. No entanto, estudos mais recentes mostraram que o LS tem uma função mais complexa, ajudando esses animais a reconhecer uns aos outros e incentivando comportamentos sociais positivos em espécies como ratazanas e algumas aves.
O LS (septo lateral) recebe sinais de várias partes do cérebro, o que o coloca em uma posição privilegiada para processar informações sensoriais importantes para as interações em grupo e depois coordenar a resposta social adequada ao ambiente.
Informações sobre o comportamento social podem vir de regiões corticais do cérebro, como mostrado em estudos com morcegos, que revelaram padrões neurais únicos para identificar indivíduos específicos dentro de grupos familiares.
Além disso, o córtex cingulado anterior (ACC), uma parte do cérebro ligada a comportamentos complexos como a empatia, também desempenha um papel importante na vida em grupo.
Esse circuito cerebral parece ajudar animais a conviver em grupos grandes, controlando não só a sociabilidade, mas também inibindo a agressão, que seria comum em muitos contextos.
Por exemplo, o LS, que é formado principalmente por neurônios inibitórios (GABAérgicos), pode reduzir a atividade de áreas do cérebro que promovem agressão, como o hipotálamo lateral. Isso facilita interações sociais positivas e ajuda diferentes animais a conviver em grandes grupos, mesmo em situações em que poderiam se mostrar agressivos.
Modelo pelo qual o septo lateral (LS) contribui para a regulação da função do nucleus accumbens (NA). O LS é um ponto de convergência de entrada dopaminérgica da área tegmental ventral (VTA) e (supostamente) entrada glutamatérgica do córtex pré-frontal medial (mPFC), ambos os quais podem regular sua liberação de GABA no NA. Os níveis de GABA liberados no NA pelos aferentes do LS, por sua vez, regulam sua atividade, como por meio da regulação dos níveis de dopamina no NA. This figure was uploaded by Robert Andrew Chambers. DOI: 10.1016/j.brainresrev.2004.04.009
Estudar como os mamíferos se agrupam é um grande desafio, principalmente porque faltam modelos animais adequados no laboratório. Muitos dos animais usados em pesquisas não evoluíram para viver naturalmente em grandes grupos.
No entanto, cientistas da Emory University descobriram uma solução interessante: os camundongos espinhosos do gênero Acomys. Em seus estudos de campo eles observaram que esses camundongos vivem em grupos mistos, com tamanhos que variam de 12 a 46 indivíduos. Em ambientes ricos em alimentos, esses grupos podem ser ainda maiores.
No laboratório, tanto os machos quanto as fêmeas de uma espécie específica, o Acomys dimidiatus (anteriormente conhecido como Acomys cahirinus), podem ser criados com sucesso em grupos do mesmo sexo, com até 30 indivíduos, o que permite estudar comportamentos sociais fora do contexto de reprodução.
Ao contrário de outros mamíferos de laboratório, esses camundongos espinhosos são extremamente sociáveis, demonstrando pouca agressividade, e convivem bem com outros, independente de idade, familiaridade ou parentesco.
Eles também preferem estar em grupos maiores e aceitam facilmente novos membros em grupos já estabelecidos. Essas características fazem dos camundongos espinhosos um modelo ideal para estudar como o cérebro se adapta para apoiar comportamentos sociais, como o agrupamento, que são essenciais para a formação de sociedades mais complexas, como as que vemos em humanos e outros animais cooperativos.
Camundongos espinhosos do gênero Acomys
No estudo atual, os pesquisadores queriam entender qual circuito cerebral está por trás da preferência dos camundongos espinhosos por grupos maiores. Para isso, eles realizaram um experimento onde expuseram alguns camundongos a grupos menores e outros a grupos maiores.
Em seguida, escanearam os cérebros dos animais em busca da proteína Fos, que é produzida quando os neurônios estão ativos. Os resultados mostraram que a atividade no septo lateral (LS), uma região do cérebro ligada ao comportamento social, era significativamente maior nos camundongos que preferiam os grupos maiores. Isso sugere que o LS pode ser uma peça-chave no controle dessa preferência por sociabilidade em grandes grupos.
Para entender melhor os circuitos cerebrais ligados à preferência por grupos maiores, os pesquisadores repetiram o experimento anterior, mas desta vez adicionaram marcadores neuronais aos camundongos.
Essas sondas químicas permitiram mapear a origem e o caminho dos sinais no cérebro. Os resultados mostraram que os camundongos espinhosos que preferiam grupos maiores tinham uma comunicação mais forte entre o córtex cingulado anterior (ACC) e o septo lateral (LS).
O ACC já havia sido relacionado a comportamentos sociais, como consolo, em outros animais, e em humanos ele está envolvido em processos como atenção, tomada de decisão e emoções.
Para testar o impacto desse circuito, os cientistas usaram ferramentas quimiogenéticas que permitiram "desligar" temporariamente o caminho entre o ACC e o LS.
O resultado foi curioso: nas fêmeas, desligar o circuito fez com que elas perdessem a preferência por grupos maiores. Já os machos passaram a preferir grupos menores, uma mudança de comportamento inesperada.
Segundo um dos pesquisadores, Fricker, o impacto foi surpreendente: "Isso mostra que o circuito ACC-LS tem uma grande influência na preferência de tamanho de grupo."
Os pesquisadores também quiseram verificar se o circuito ACC-LS era específico para preferências sociais ou se influenciava qualquer tipo de preferência por grupos, mesmo com objetos inanimados.
Para isso, eles fizeram uma experiência com patos de borracha. Os camundongos espinhosos, que normalmente preferem explorar um grupo maior de patos em vez de um menor, não apresentaram mudanças nessa preferência quando o circuito cerebral foi manipulado.
Isso indicou que o circuito ACC-LS regula especificamente o comportamento social e a preferência por grupos de outros camundongos, e não por objetos inanimados.
Como explicou Fricker: "Isso mostrou que o circuito neural que identificamos está modulando as preferências de tamanho de grupo social, e não uma preferência mais genérica."
Agora, os pesquisadores estão prontos para investigar mais a fundo o comportamento social dos mamíferos, usando os camundongos espinhosos como modelo.
De acordo com Kelly, o próximo passo é coletar mais dados comportamentais, permitindo que os camundongos interajam em grandes grupos, enquanto monitoram a atividade cerebral deles. Isso ajudará a entender como a atividade neural se relaciona com comportamentos sociais complexos e em constante mudança.
Entre os próximos desafios que Kelly quer explorar estão os fatores que facilitam a cooperação em grupo e as condições ambientais que podem causar a dissolução de grupos e levar a comportamentos mais egoístas.
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Cingulate to septal circuitry facilitates the preference to affiliate with large peer groups
Brandon A. Fricker, Malavika Murugan, Ashley W. Seifert, Aubrey M. Kelly
Current Biology. Published online September 11, 2024
DOI: 10.1016/j.cub.2024.08.019
Abstract:
Despite the prevalence of large-group living across the animal kingdom, no studies have examined the neural mechanisms that make group living possible. Spiny mice, Acomys, have evolved to live in large groups and exhibit a preference to affiliate with large over small groups. Here, we determine the neural circuitry that facilitates the drive to affiliate with large groups. We first identify an anterior cingulate cortex (ACC) to lateral septum (LS) circuit that is more responsive to large than small groups of novel same-sex peers. Using chemogenetics, we then demonstrate that this circuit is necessary for both male and female group investigation preferences but only males’ preference to affiliate with larger peer groups. Furthermore, inhibition of the ACC-LS circuit specifically impairs social, but not nonsocial, affiliative grouping preferences. These findings reveal a key circuit for the regulation of mammalian peer group affiliation.
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