Resumo:
Uma nova mutação no gene SPAG9, recentemente descoberta, pode afetar tanto o neurodesenvolvimento quanto a neurodegeneração. Essa mutação identificada em tres irmãos, esta relacionada com interrupções na estrutura e função do cerebro, causando atrasos na fala, declínio cognitivo progressivo e deficiência intelectual. As imagens de ressonância magnética revelaram anormalidades como microcefalia, má rotação do hipocampo e atrofia cerebral. Esta pesquisa não apenas aprofunda nossa compreensão de como as mutações genéticas impactam a saúde do cérebro, mas também abre caminhos potenciais para tratamentos futuros visando condições cerebrais de desenvolvimento e degenerativas.
Dentro de cada célula, ocorre o transporte de várias moléculas, um processo essencial para que a célula sobreviva e se desenvolva. Nos neurônios, que são células nervosas, esse transporte é especialmente desafiador porque há uma longa distância entre o corpo da célula (onde está o núcleo) e as extremidades dos axônios (as longas "extensões" dos neurônios que transmitem os sinais nervosos).
Além da distância, outro desafio é que os neurônios precisam entregar materiais específicos em partes precisas, como nas sinapses, para garantir que a comunicação entre os neurônios funcione corretamente.
Os neurônios utilizam um sistema chamado "transporte axonal" para mover várias substâncias de um lado para o outro. Existem dois tipos principais de transporte axonal:
Transporte anterógrado: leva substâncias do corpo da célula para a extremidade do axônio. Isso é feito por proteínas chamadas cinesinas, que transportam moléculas como RNA, proteínas e outras estruturas importantes para que o neurônio continue funcionando e se comunicando com outras células.
Transporte retrógrado: leva substâncias da extremidade do axônio de volta ao corpo da célula. Esse processo é importante para várias funções, como a degradação de substâncias e a regeneração nervosa. Esse movimento é feito por proteínas chamadas dineínas.
Esses dois tipos de transporte precisam de "motores" (proteínas que ajudam no transporte) e "trilhos" (chamados microtúbulos) para funcionarem corretamente. Além disso, algumas vias de sinalização e modificações nas proteínas garantem que o transporte seja eficiente.
Se algo der errado no transporte axonal, o funcionamento do neurônio pode ser prejudicado, levando a problemas como a interrupção da comunicação entre células nervosas e o comprometimento da plasticidade (capacidade de se adaptar e mudar). Muitas doenças neurológicas estão relacionadas a problemas nesse transporte.
Entre varias, uma proteína chamada JIP4, é importante no transporte retrógrado. Ela é codificada por um gene chamado SPAG9 e é expressa em várias partes do sistema nervoso. Essa proteína é essencial para o desenvolvimento do cérebro e para manter a saúde dos neurônios a longo prazo.
Em humanos, SPAG9/JIP4 foi associado ao prognóstico de diferentes tipos de câncer, mas nunca foi associado à deficiência intelectual e/ou fenótipos complexos de neurodesenvolvimento.
Um artigo publicado na Genomic Psychiatry por pesquisadores da Universidad de Antioquia, descreve três irmãos que possuem uma mutação no gene SPAG9, o que afeta a proteína JIP4, sendo caso 1 um menino, caso 2 e caso 3 meninas nascidos a termo sem complicações e com peso normais.
Um exame de sequenciamento genético demostrou que eles são homozigotos com uma variante mutante do gene SPAG9, deleçoes nesse gene gera mudanças na proteína em relação ao comprimento e à composição de aminoácidos devido à falta de montagem de 407 aminoácidos. Essa mutação provoca atraso no desenvolvimento, dificuldades de aprendizado e problemas motores.
Ao longo de 10 anos, os irmãos também apresentaram um declínio progressivo das funções cognitivas, sugerindo que o problema não afeta apenas o desenvolvimento, mas também pode causar degeneração do cérebro ao longo do tempo.
A tabela 2 resume os achados. Os três irmãos foram classificados com deficiência intelectual moderada de acordo com os critérios do DSM-5, e todos os três obtiveram uma pontuação de QI de 45. doi: 10.61373/gp024a.0052
Além disso, exames de ressonância magnética mostraram alterações no cérebro desses indivíduos, como uma diminuição no tamanho de uma estrutura chamada corpo caloso (responsável por conectar os dois hemisférios do cérebro) e acúmulo anormal de ferro em algumas regiões. O ferro é o metal mais abundante nos neurônios, e falhas de transporte e armazenamento são processos associados a distúrbios neurodegenerativos.
É interessante explorar essas descobertas mais profundamente, pois elas forneceriam pistas para mecanismos ainda não compreendidos em síndromes de demência. Essas mudanças estão ligadas à neurodegeneração, um processo no qual os neurônios se deterioram.
A Figura mostra achados relatados na ressonância magnética cerebral dos três irmãos. (A) Comparação entre os três casos de acordo com 1. Medidas do diâmetro fronto-occipital (FOD) e parâmetros do CC (GT: Espessura do joelho, BT: Espessura do corpo, IT: Espessura do istmo, ST: Espessura do esplênio) 2. Gradiente de depósitos de ferro no núcleo do putâmen, do menor para o maior, sendo o caso 3 o maior. 3. Cerebelo e quarto ventrículo. (B) 1. Má rotação bilateral hipocampal (Caso 1). 2. Agenesia do septo pelúcido (Caso 3).
Hoje os três casos têm em média 34 anos e foram acompanhados por mais de 10 anos com piora da função cognitiva e comportamental que corroboraram com a deterioração cognitiva progressiva.
‘Não encontramos achados semelhantes na literatura causados por disfunção na maquinaria de transporte retrógrado ou transporte axonal em geral, onde casos com fenótipo progressivo, com doença do neurodesenvolvimento e subsequente fenótipo de neurodegeneração central, são relatados’, diz Dr. Acosta-Baena, uma dos autores da pesquisa.
Essas descobertas sugerem que a proteína JIP4 é fundamental tanto para o desenvolvimento normal do cérebro quanto para a proteção dos neurônios contra a degeneração ao longo da vida. A pesquisa também levanta novas perguntas sobre como o transporte axonal está envolvido em doenças neurológicas e degenerativas.
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A novel neurodevelopmental-neurodegenerative syndrome that cosegregates with a homozygous SPAG9/JIP4 stop-codon deletion Natalia
Acosta-Baena et al.
Genomic Psychiatry (2024) 1, 1–12; doi: 10.61373/gp024a.0052
Abstract:
This report outlines the clinical features of a complex neurological phenotype shared by three siblings from a consanguineous family, characterized by intellectual disabilities, speech developmental delay, gait disturbance, cerebellar syndrome signs, cataracts, and dysmorphic features (square and coarse facial features, thick lips, deep palate, small and spaced teeth, low-set ears, strabismus, eyelid ptosis, and blond hair). Seizures and brain atrophy were later evident. In the cosegregation analysis, five family members and 12 family controls were studied by whole-exome and Sanger sequencing. The structural and functional effects of the protein were explored to define the mutated variant’s potential deleterious impairment. Neurological and neuropsychological follow-ups and brain magnetic resonance imaging (MRI) were performed. We identified a single frameshift homozygous nucleotide deletion in the SPAG9/JIP4 gene (NM_001130528.3): c.2742del (p. Tyr914Ter), causing a premature stop codon and truncating the protein and originating a possible loss of function. The variant cosegregated in affected individuals as an autosomal recessive trait. The in silico protein functional analyses indicate a potential loss of 66 phosphorylation and 29 posttranslational modification sites. Additionally, a mutated protein structure model shows a significant modification of the folding that very likely will compromise functional interactions. SPAG9/JIP4 is a dynein-dynactin motor adapter for retrograde axonal transport, regulating the constitutive movement of neurotrophic factor signaling and autophagy-lysosomal products. Under stress conditions, it can potentiate this transport by the p38 mitogen-activated protein kinases (p38MAPK) signaling cascade. Both functions could be associated with the disease mechanism, altering the axon’s development and growth, neuronal specification, dendrite formation, synaptogenesis, neuronal pruning, recycling neurotransmitters and finally, neuronal homeostasis—promising common mechanisms to be used with investigational molecules for neurodevelopmental diseases and neurodegeneration.
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