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Nova Estratégia Terapêutica: Bloqueio da Dopamina Pode Tratar Comportamentos Autistas em Doenças Raras


Esses resultados se alinham com evidências recentes que destacam a relevância clínica dos antagonistas D1 para transtornos neuropsiquiátricos e abrem caminho para seu uso no gerenciamento de sintomas psicóticos em transtornos neurodegenerativos, como a Mucopolissacaridose.


Os distúrbios de armazenamento lisossomal (LSDs) são doenças genéticas raras causadas por defeitos nas funções dos lisossomos, estruturas celulares responsáveis por degradar substâncias dentro da célula.


Quando há falhas nessas funções, certos compostos se acumulam nos lisossomos, causando danos progressivos às células e tecidos do corpo. 


Um desses distúrbios é a Mucopolissacaridose tipo IIIA-D (MPS-IIIA-D), uma condição grave provocada por mutações no gene SGSH, que codifica a enzima sulfamidase lisossomal. Essa enzima é essencial para a degradação do heparan sulfato (HS), um tipo de açúcar complexo. 


Quando a sulfamidase não funciona corretamente, o heparan sulfato se acumula no cérebro e em outros tecidos, causando inflamação, degeneração dos neurônios e, eventualmente, demência. 

Pacientes diagnosticados com mucopolissacaridose, condição que afeta uma ou mais enzimas fundamentais para o organismo. Fonte: HOSPITAL INFANTIL ALBERT SABIN, Foto:  Letícia Maia


A maioria dos estudos sobre MPS-IIIA focou nos danos ao sistema nervoso e na progressiva deterioração neurológica. No entanto, pesquisadores identificaram que essa condição também pode causar sintomas muito semelhantes aos observados em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 


Crianças com MPS-IIIA frequentemente apresentam atraso na linguagem, dificuldades sociais, comportamento repetitivo e restrito, além de hiperatividade. Esses sintomas são tão frequentes que muitos pacientes inicialmente recebem um diagnóstico de autismo antes de serem corretamente diagnosticados com MPS-IIIA. 


Além disso, outras formas de Mucopolissacaridose que acumulam heparan sulfato, como MPS-I e MPS-II, também apresentam padrões semelhantes de comportamento.

Portadores de Mucopolissacaridose. Imagem: Casa Hunter 


O tratamento desses sintomas é um grande desafio, pois os medicamentos tradicionalmente usados para transtornos psiquiátricos, como antipsicóticos (haloperidol e risperidona) e estimulantes (metilfenidato), mostraram-se ineficazes em pacientes com MPS-IIIA. 


Além disso, esses fármacos podem causar efeitos colaterais significativos, como tremores e dificuldades motoras. Assim, encontrar um tratamento eficaz para os sintomas comportamentais dessa doença é uma necessidade médica urgente.


Para entender melhor os sintomas e buscar novas abordagens terapêuticas, os pesquisadores da Telethon Institute of Genetics and Medicine, Italia, utilizaram modelos animais de MPS-IIIA.


Eles estudaram camundongos geneticamente modificados que possuem mutações no gene SGSH, imitando as alterações bioquímicas e comportamentais vistas em humanos com a doença. 


A partir desses camundongos, os cientistas analisaram as mudanças no cérebro associadas aos sintomas autistas e de demência.

Os pesquisadores descobriram que os sintomas comportamentais precoces, como hiperatividade e dificuldades sociais, estão relacionados  a um desequilíbrio no sistema dopaminérgico, que regula emoções e movimentos no cérebro. 


Durante o desenvolvimento embrionário dos camundongos com MPS-IIIA, houve um aumento no número de neurônios dopaminérgicos em uma região cerebral chamada substância negra/área tegmentar ventral (SN/VTA). 


Esse aumento resultou em um excesso de dopamina no estriado, uma parte do cérebro ligada ao controle motor e ao comportamento. Como consequência, houve uma ativação excessiva da via de dopamina D1 (D1R), levando a comportamentos hiperativos e repetitivos. 


Além disso, os pesquisadores observaram que, à medida que os camundongos envelheciam, os sintomas de hiperatividade e comportamento autista diminuíam, dando lugar a sintomas semelhantes à demência, como perda de memória e dificuldades motoras.


Diante dessa descoberta, os cientistas formularam uma hipótese: se o problema era um desequilíbrio na ativação dos receptores de dopamina, um tratamento que regulasse essa sinalização poderia ser eficaz. Assim, eles testaram diferentes abordagens farmacológicas para avaliar seus efeitos na hiperatividade e nos sintomas de demência.


Os tratamentos testados foram:


  1. Risperidona: um antipsicótico frequentemente usado para tratar sintomas de autismo e hiperatividade. No entanto, os resultados mostraram que ele não melhorou os sintomas e ainda causou efeitos colaterais motores indesejados nos camundongos.


  2. Metilfenidato (MPH): um estimulante usado no tratamento do TDAH. Embora tenha mostrado alguns benefícios na redução da neuroinflamação, não melhorou os sintomas autistas e ainda contribuiu para a progressão dos sintomas de demência.


  3. Ecopipam: um antagonista do receptor D1 (D1R), que já é utilizado no tratamento de distúrbios neuropsiquiátricos como a Síndrome de Tourette. Diferente dos outros medicamentos testados, o ecopipam conseguiu reequilibrar a sinalização dopaminérgica, reduzir os sintomas comportamentais autistas e melhorar a cognição, sem piorar os sintomas neurodegenerativos. 


Os resultados deste estudo fornecem novas evidências de que os sintomas comportamentais da MPS-IIIA são causados por um excesso de ativação da via D1 da dopamina no cérebro. 

O tratamento com antagonistas do receptor D1, como o ecopipam, demonstrou ser uma estratégia eficaz para reequilibrar essa via e aliviar os sintomas comportamentais sem agravar a neurodegeneração. 


Esses achados abrem caminho para a realização de estudos clínicos em humanos, além de reforçar a importância dos antagonistas D1 como uma possível abordagem terapêutica para outros distúrbios neuropsiquiátricos, como a demência com corpos de Lewy.



LEIA MAIS:


D1 dopamine receptor antagonists as a new therapeutic strategy to treat autistic-like behaviours in lysosomal storage disorders

Mol Psychiatry (2025).


Abstract:


Lysosomal storage disorders characterized by defective heparan sulfate (HS) degradation, such as Mucopolysaccharidosis type IIIA-D (MPS-IIIA-D), result in neurodegeneration and dementia in children. However, dementia is preceded by severe autistic-like behaviours (ALBs), presenting as hyperactivity, stereotypies, social interaction deficits, and sleep disturbances. The absence of experimental studies on ALBs’ mechanisms in MPS-III has led clinicians to adopt symptomatic treatments, such as antipsychotics, which are used for non-genetic neuropsychiatric disorders. However, they have limited efficacy in MPS-III and lead to higher extrapyramidal effects, leaving ALBs in MPS-IIIA as an unmet medical need with a significant burden on patients and their families. Using mouse and cellular models of MPS-IIIA, we have previously shown that ALBs result from increased proliferation of mesencephalic dopamine neurons during embryogenesis. In adulthood, MPS-IIIA mice exhibit an imbalance of dopaminergic receptor subtypes, resulting in striatal overstimulation of the D1 dopamine receptor (D1R)-direct pathway, contrasting with a downregulation of the D2 dopamine receptor (D2R)-indirect pathway. In this study, we aimed to provide an evidence-based pharmacological approach for managing ALBs in MPS-IIIA. We hypothesized that rebalancing dopaminergic receptor signalling with a D1R antagonist, rather than a D2 antagonist, would lead to safe and effective treatment. Neither risperidone nor methylphenidate improves ALBs in the MPS-IIIA mouse model, with the former showing increased cataleptic (extrapyramidal-like) side effects compared to littermate wild-type animals. Methylphenidate, however, showed some beneficial effects on neuroinflammation and later manifesting dementia-like behaviours. In contrast, ecopipam, a D1 antagonist already used in the clinic for other neuropsychiatric disorders, rescues ALBs, cognition, D1 hyperactivity, and does not worsen neurodegenerative signs. These results align with recent evidence highlighting the clinical relevance of D1 antagonists for neuropsychiatric disorders and pave the way for their use in managing psychotic symptoms in neurodegenerative disorders such as dementia with Lewy bodies.

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