Mergulho no Cérebro: Realidade Virtual Expõe Padrões Inéditos no TDAH
- Lidi Garcia
- 2 de abr.
- 5 min de leitura

Pesquisadores usaram tecnologia de realidade virtual (RV) e ressonância magnética funcional (fMRI) para estudar como o cérebro de crianças com TDAH funciona em diferentes situações. Eles compararam três cenários: uma tarefa interativa em um ambiente virtual, a visualização de um vídeo e o descanso. Os resultados mostraram que crianças com TDAH apresentaram maior conectividade cerebral em várias áreas, especialmente em regiões subcorticais, quando estavam realizando atividades interativas.
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos de desenvolvimento mais comuns, afetando entre 3% e 7% das crianças. Esse transtorno se manifesta por meio de três principais tipos de sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Crianças com desatenção têm dificuldade em organizar atividades, seguir instruções e lembrar-se de compromissos diários. A hiperatividade se caracteriza por movimentação excessiva e energia descontrolada, enquanto a impulsividade se traduz em ações precipitadas, sem considerar as consequências.
Esses sintomas podem variar em intensidade e combinação, levando à classificação do TDAH em três tipos: predominantemente desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e o subtipo combinado, que inclui aspectos dos dois primeiros.

Independentemente do tipo, o TDAH pode prejudicar o desempenho escolar, afetar os relacionamentos sociais e dificultar o cumprimento de tarefas diárias.
Pesquisas indicam que o TDAH tem uma origem complexa, envolvendo fatores genéticos e alterações na estrutura e no funcionamento do cérebro.
Estudos de neuroimagem mostram que crianças com TDAH apresentam alterações na conectividade funcional do cérebro, ou seja, na forma como diferentes regiões cerebrais se comunicam.
Essas alterações afetam principalmente áreas responsáveis pelo controle da atenção, pela regulação emocional e pelo planejamento de ações. Alterações estruturais também são observadas em regiões como o córtex cingulado, amígdala, tálamo e o tronco cerebral, entre outras.
Inicialmente, pensava-se que o TDAH estivesse ligado a problemas em um único sistema cerebral, mas estudos mais recentes mostram que ele afeta várias redes cerebrais ao mesmo tempo.
Os estudos sobre o TDAH utilizam diferentes abordagens para analisar a atividade cerebral. Um dos métodos mais comuns é a ressonância magnética funcional (fMRI), que permite medir a atividade do cérebro enquanto a criança está em repouso ou executando uma tarefa específica.

Essa técnica ajuda a identificar diferenças na conectividade funcional entre crianças com TDAH e aquelas sem o transtorno. No estado de repouso, por exemplo, a atividade cerebral reflete o funcionamento básico do cérebro, enquanto durante a execução de tarefas, observa-se como diferentes regiões cerebrais trabalham juntas em tempo real.
Estudos mostram que crianças com TDAH apresentam padrões de conectividade cerebral diferentes dependendo da idade e dos sintomas predominantes, o que pode explicar a diversidade dos perfis da doença.
Nos últimos anos, uma nova abordagem chamada neurociência naturalista tem sido usada para estudar o TDAH. Diferente dos métodos tradicionais, essa abordagem analisa a atividade cerebral em condições mais realistas, simulando situações cotidianas.
Isso pode ser feito, por exemplo, através da exibição de vídeos envolventes ou da utilização de ambientes de realidade virtual. Essas técnicas ajudam a entender como o cérebro reage em cenários mais próximos da vida real, aumentando a precisão dos diagnósticos e melhorando a compreensão sobre os sintomas.
Um dos experimentos mais inovadores nessa área é o jogo Executive Performance in Everyday Living (EPELI), um ambiente virtual onde crianças realizam tarefas do dia a dia dentro de um apartamento virtual.

Exemplo do jogo Executive Performance in Everyday Living (EPELI)
Esse jogo permite observar de forma detalhada como os sintomas de TDAH se manifestam na execução de tarefas comuns, como esquecer instruções, agir impulsivamente ou ter dificuldades na organização.
Os resultados mostraram que a precisão do jogo para identificar crianças com TDAH é muito alta, tornando-se uma ferramenta promissora para avaliação e possíveis intervenções.
Ao comparar três condições experimentais diferentes, uma tarefa interativa em realidade virtual, uma visualização passiva de vídeo e um estado de repouso, os pesquisadores observaram diferenças significativas na atividade cerebral de crianças com TDAH.

Essa figura mostra a rede cerebral identificada por meio da análise NBS (Network-Based Statistics) que está positivamente associada à eficácia da tarefa no jogo EPELI no grupo de crianças com desenvolvimento típico (TD). A figura apresenta conexões entre diferentes regiões do cérebro que desempenham um papel importante no desempenho das crianças no jogo EPELI. (A) Representação Anatômica: Mostra diferentes visualizações do cérebro (esquerda, direita, frente, trás, topo e base), com pontos vermelhos representando áreas cerebrais e linhas indicando conexões significativas entre elas. (B) Diagrama Aluvial: Um gráfico que organiza visualmente as conexões entre diferentes regiões do cérebro, facilitando a identificação de quais áreas estão mais interligadas. Cada região cerebral está identificada pelo nome e pela lateralidade (esquerda "L" ou direita "R"), enquanto os números indicam quantas conexões significativas essa área possui.
Durante a tarefa de realidade virtual, as crianças com TDAH apresentaram uma conectividade funcional mais forte do que as crianças sem o transtorno, especialmente em áreas subcorticais do cérebro.
Durante a visualização de vídeos, as diferenças foram menores, e no estado de repouso, não foram observadas diferenças significativas. Isso sugere que os sintomas de TDAH estão mais relacionados à atividade cerebral durante situações interativas e dinâmicas do que durante o repouso.

A figura apresenta diferenças na conectividade funcional (FC) entre crianças com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e crianças com desenvolvimento típico (TD) durante uma tarefa de visualização de vídeo. TDAH > DT → "TDAH maior que Desenvolvimento Típico" (indicando maior conectividade funcional no grupo com TDAH em comparação ao grupo TD). A imagem exibe diferentes vistas do cérebro (esquerda, direita, topo, frente, base e trás), destacando em vermelho as áreas com maior conectividade funcional no grupo com TDAH. As linhas pretas indicam conexões entre essas regiões.
Esses achados são importantes porque reforçam a ideia de que o TDAH é um transtorno que se manifesta de forma diferente dependendo do contexto. Estudos que utilizam abordagens naturalistas, como realidade virtual, oferecem um retrato mais fiel de como os sintomas afetam o funcionamento cotidiano das crianças.
Além disso, essas técnicas podem ajudar a desenvolver novas formas de tratamento e intervenção, adaptadas às necessidades individuais de cada criança. A neurociência naturalista está revolucionando a forma como entendemos o TDAH e pode abrir caminho para diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes no futuro.
LEIA MAIS:
Real-world goal-directed behavior reveals aberrant functional brain connectivity in children with ADHD
Liya Merzon, Sofia Tauriainen, Ana Triana, Tarmo Nurmi, Hanna Huhdanpää,
Minna Mannerkoski, Eeva T. Aronen, Mikhail Kantonistov, Linda Henriksson,
Emiliano Macaluso, and Juha Salmi
PLoS ONE 20 (3): e0319746.
Abstract:
Functional connectomics is a popular approach to investigate the neural underpinnings of developmental disorders of which attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) is one of the most prevalent. Nonetheless, neuronal mechanisms driving the aberrant functional connectivity resulting in ADHD symptoms remain largely unclear. Whereas resting state activity reflecting intrinsic tonic background activity is only vaguely connected to behavioral effects, naturalistic neuroscience has provided means to measure phasic brain dynamics associated with overt manifestation of the symptoms. Here we collected functional magnetic resonance imaging (fMRI) data in three experimental conditions, an active virtual reality (VR) task where the participants execute goal-directed behaviors, a passive naturalistic Video Viewing task, and a standard Resting State condition. Thirty-nine children with ADHD and thirty-seven typically developing (TD) children participated in this preregistered study. Functional connectivity was examined with network-based statistics (NBS) and graph theoretical metrics. During the naturalistic VR task, the ADHD group showed weaker task performance and stronger functional connectivity than the TD group. Group differences in functional connectivity were observed in widespread brain networks: particularly subcortical areas showed hyperconnectivity in ADHD. More restricted group differences in functional connectivity were observed during the Video Viewing, and there were no group differences in functional connectivity in the Resting State condition. These observations were consistent across NBS and graph theoretical analyses, although NBS revealed more pronounced group differences. Furthermore, during the VR task and Video Viewing, functional connectivity in TD controls was associated with task performance during the measurement, while Resting State activity in TD controls was correlated with ADHD symptoms rated over six months. We conclude that overt expression of the symptoms is correlated with aberrant brain connectivity in ADHD. Furthermore, naturalistic paradigms where clinical markers can be coupled with simultaneously occurring brain activity may further increase the interpretability of psychiatric neuroimaging findings.
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