top of page

Lula x Bolsonaro: Identificada a estrutura cerebral ligada à ideologia política


Resumo:

O estudo desafia descobertas anteriores, mostrando que a conexão entre a anatomia do cérebro e as crenças políticas é muito mais sutil do que se pensava anteriormente. Uma ligação pequena, mas significativa, entre a estrutura cerebral e a ideologia política. A pesquisa revelou que os conservadores têm uma amígdala ligeiramente maior, uma região do cérebro envolvida no processamento de emoções, embora a diferença de tamanho seja mínima.


Este texto trata de uma questão bastante interessante: será que liberais e conservadores realmente pensam e agem de maneiras fundamentalmente diferentes? A resposta ainda não é clara, e cientistas têm debatido se há diferenças cerebrais relacionadas a essas ideologias, além de questões como tendência ao risco, impulsividade e rigidez no pensamento.


Uma pesquisa importante sobre esse tema foi publicada pela primeira vez em 2011, na revista Current Biology. O estudo, liderado por Kanai e sua equipe da University College London, sugeriu que pessoas com orientações políticas conservadoras têm uma região do cérebro, chamada amígdala, um pouco maior que os liberais. A amígdala está associada ao processamento de emoções negativas, como medo e tristeza. Por outro lado, os liberais apresentaram mais massa cinzenta em outra parte do cérebro, o córtex cingulado anterior (ACC), que está relacionado à correção de erros, mudanças de crenças e controle de emoções.


Este estudo usou exames de ressonância magnética para analisar o cérebro de 90 estudantes universitários do Reino Unido e foi seguido por um estudo menor com 28 pessoas. Os participantes avaliaram sua orientação política de liberal a conservador. A descoberta principal foi essa diferença nas regiões cerebrais citadas, sugerindo uma possível ligação entre estrutura cerebral e ideologia.


No entanto, algumas limitações foram observadas. A amostra era pequena e bastante homogênea, composta majoritariamente por estudantes de classe média e alta. Além disso, não havia muitos participantes que se identificassem como extremamente conservadores, o que dificultou a análise de todo o espectro político. Mesmo assim, o estudo foi inovador e chamou a atenção de outros pesquisadores.

Em 2018, um novo estudo de Nam e seus colegas tentou replicar os achados de Kanai, mas com estudantes universitários dos EUA. Eles expandiram a análise ao incluir questões sobre o quanto os participantes acreditavam que o sistema social era justo e legítimo. O estudo encontrou uma relação entre o tamanho da amígdala e a visão de que o sistema era justo, mas não conseguiu confirmar que essa relação se aplicava à orientação política conservadora em si.


Apesar das evidências iniciais, há várias incertezas sobre como essas diferenças cerebrais realmente se relacionam com ideologias políticas. Uma das preocupações é que os estudos anteriores usaram amostras pequenas, o que pode levar a erros nos resultados. Pesquisas mais recentes sugerem que, para entender melhor a relação entre cérebro e ideologia, precisamos de amostras muito maiores e mais diversas, que incluam pessoas de diferentes origens e crenças.


Além disso, a ideologia política é muito mais complexa do que simplesmente dizer que alguém é liberal ou conservador. Em muitos casos, uma pessoa pode ter posições liberais em alguns assuntos e conservadoras em outros. Isso significa que uma abordagem mais detalhada e multidimensional é necessária para realmente entender como as crenças políticas se relacionam com o cérebro.


Quando falamos sobre ideologia política, podemos entender que ela é composta por três questões principais. A primeira delas é o posicionamento de questões, que se refere a um conjunto coerente de opiniões políticas sobre temas sociais e econômicos. Por exemplo, alguém pode ter uma opinião conservadora sobre questões como "o aborto deve ser ilegal" ou "a sociedade é justa", ou posições liberais em outros tópicos.


A segunda questão é a identidade ideológica, que diz respeito ao grupo político com o qual a pessoa se identifica, como ser Republicano ou Democrata nos EUA. Vale notar que, embora muitas vezes se presuma que essas duas formas de ideologia – posicionamento de questões e identidade política – estejam alinhadas, nem sempre é o caso. Uma pessoa pode se identificar com um partido, mas ter opiniões que variam em relação às pautas tradicionais desse partido.


A ideologia costuma ser descrita como uma única linha que vai de liberal a conservador, ou de esquerda a direita. Em grupos onde as ideias são mais homogêneas (ou seja, mais parecidas entre si), faz sentido usar essa visão simplificada de um espectro unidimensional para entender as orientações políticas. No entanto, em democracias onde há maior diversidade de opiniões, uma única dimensão não é suficiente para capturar a variedade de posições políticas.


Por isso, os pesquisadores frequentemente separam as opiniões em dois grandes grupos: questões econômicas e questões sociais. Esses dois grupos podem variar ao longo do tempo e entre diferentes países, já que as necessidades e preocupações de cada sociedade mudam.


Outro ponto importante é que, mesmo que as pessoas possam mudar suas preferências políticas em relação a um tema ou outro ao longo do tempo, no geral, as atitudes políticas tendem a se manter relativamente estáveis a longo prazo. Para realmente entender as complexas relações entre as orientações políticas das pessoas e a estrutura do cérebro, sugerimos a necessidade de diferenciar pelo menos quatro tipos de construções ideológicas:


- Ideologia social como autoidentificação – como a pessoa se identifica em questões sociais (mais liberal ou conservador).


- Ideologia econômica como autoidentificação – como a pessoa se vê em relação a questões econômicas.


- Posicionamento de questões sociais – as opiniões específicas da pessoa sobre questões sociais concretas (por exemplo, casamento entre pessoas do mesmo sexo, imigração).


- Posicionamento de questões econômicas – as opiniões específicas sobre questões econômicas (impostos, redistribuição de renda).


Medidas que levem em consideração todas essas diferentes facetas capturam melhor a complexidade das orientações políticas. Isso também nos ajuda a entender com mais precisão como essas diferenças ideológicas estão relacionadas à estrutura cerebral.


Por exemplo, usar questionários mais detalhados sobre orientação política pode revelar com mais clareza quais partes do cérebro estão envolvidas em aspectos diferentes das preferências políticas, como identificação com um partido ou opiniões sobre temas específicos.


Usando essa classificação os pesquisadores da Universidade de Amsterdã (UvA) analisaram os exames de ressonância magnética de 975 holandeses com idades entre 19 e 26 anos, representando uma amostra representativa da população holandesa em termos de educação e preferência política.


Eles vincularam esses exames a questionários sobre ideologia. ‘Você pode ver a ideologia como uma série de posições sobre diferentes temas ou como uma identidade’, explica o primeiro autor Gijs Schumacher.


Os resultados mostram que há de fato uma conexão entre estrutura cerebral e ideologia. No entanto, a conexão é menor do que o esperado. Cientistas da UvA conduziram agora o maior estudo de replicação até o momento para investigar mais a fundo a relação entre ideologia e estrutura cerebral.


Os cientistas descobriram, assim como no estudo inglês, que a amígdala de pessoas conservadoras é um pouco maior. A diferença na amígdala era do tamanho de uma semente de gergelim. No eleitor conservador médio tem 157 sementes de gergelim em tamanho e a do eleitor progressista médio tem 156 sementes de gergelim.


'Essa é uma pequena diferença, mas significativa. Ela sugere que há uma conexão entre a anatomia cerebral e a ideologia em algum nível, mas que é muito indireta', explica o coautor Steven Scholte. É notável que também tenhamos encontrado esse resultado em nossa amostra muito maior e mais representativa. Por exemplo, a amostra inglesa não continha nenhum participante extremamente conservador, enquanto a nossa continha, diz Schumacher.


Os cientistas também demostraram que não há relação entre outra área do cérebro – o córtex cingulado anterior – e ideologia, algo que o estudo original encontrou. Porem, ao estender sua análise para encontrar conexões entre outras áreas do cérebro, os pesquisadores, encontraram uma conexão entre o volume do giro fusiforme direito, uma área do cérebro importante para o reconhecimento facial, e posições mais de direita em questões sociais e econômicas. A razão para isso ainda está para ser vista.

Figura mostra as distribuições de amostra para ideologia, escolha de voto e volume de massa cinzenta no córtex cingulado anterior ACC e na amígdala. (A) Apresenta a porcentagem de eleitores para cada partido na eleição e na amostra. (B) Mostra a distribuição da identificação progressista para conservadora (autoposicionamento) nas dimensões econômica e social. (C) Mostra a distribuição das posições de esquerda/progressista para direita/conservadora nas dimensões econômica e social. (D) Mostra boxplots para representar a distribuição do volume de massa cinzenta no ACC e na amígdala. DOI: 10.1016/j.isci.2024.110532


'No entanto, não sabemos exatamente como o conservadorismo e o tamanho da amígdala estão relacionados', acrescenta Diamantis, outro autor do artigo. A amígdala tem sido estudada principalmente em relação a situações ameaçadoras e medo, mas parece responder muito mais amplamente às emoções em geral e a informações divergentes.


Pode haver uma conexão em que a amígdala é maior em indivíduos que reagem mais fortemente às informações, o que às vezes pode resultar em ideias mais conservadoras na política.


Por fim, a pesquisa sugere que não há uma dicotomia simples em relação à ideologia política no cérebro. Às vezes, as pessoas falam de cérebros azuis (democratas) e vermelhos (republicanos) no contexto americano. Essa metáfora é tentadora, mas completamente equivocada, diz Schumacher.


Em resumo, embora haja algumas evidências sugerindo uma ligação entre a estrutura cerebral e a ideologia política, essas descobertas são complexas e ainda não totalmente compreendidas. O que parece claro é que não podemos simplesmente dividir as pessoas em “cérebro de liberais” e “cérebro de conservadores”. A relação entre cérebro e política é multifacetada e depende de muitos fatores além da biologia.



LEIA MAIS:


Is political ideology correlated with brain structure? A preregistered replication

Diamantis Petropoulos Petalas, Gijs Schumacher, Steven H. Scholte

Science, CellPress. DOI: 10.1016/j.isci.2024.110532


Abstract:


We revisit the hypotheses that conservatism positively correlates with amygdala and negatively with anterior cingulate cortex (ACC) gray matter volume.Using diverse measures of ideology and a large and representative sample (Amsterdam Open MRI Collection [n = 928]), we replicate a small positive relationship between amygdala volume and conservatism. However, we fail to find consistent evidence in support of the ideology-ACC volume link. Using a split-sample strategy,we conducted exploratory whole-brain analyses on half the data, preregistered the findings, and then conducted subsequent confirmatory tests that additionally highlight weak, positive associations between the right fusiform gyri and conservatism. This is the largest preregistered replication study in the context of political neuroscience. By using Dutch as opposed to British or American data, we also extend the amygdala-conservatism link to a multiparty, multidimensional political context. We discuss the implications for future investigations of the neural substrates of ideology.

Comments


bottom of page