Os animais com uma mutação em DYRK1A, uma enzima associada a transtornos do neurodesenvolvimento, apresentaram microcefalia, déficits sinápticos e comportamentais, ligados a alterações em vias de sinalização cerebral. O tratamento precoce com lítio reverteu esses déficits, restaurando funções cerebrais, sociais e sinápticas. Os resultados destacam o potencial do lítio como terapia para condições como TEA e deficiência intelectual, oferecendo novas perspectivas para tratamentos futuros.
DYRK1A (dual-specificity tyrosine-phosphorylation-regulated kinase 1A) é uma enzima pertencente ao grupo das serina/treonina quinases, que desempenha um papel crucial no desenvolvimento do cérebro.
Estudos prévios a relacionaram à síndrome de Down, uma condição genética causada pela trissomia do cromossomo 21, onde a superexpressão de DYRK1A está associada a déficits de aprendizado, memória e alterações no desenvolvimento neuronal e sináptico.
No entanto, descobertas recentes ampliaram nossa compreensão sobre DYRK1A, mostrando que sua expressão reduzida, e não aumentada, está ligada a uma série de disfunções cerebrais do neurodesenvolvimento, como atraso no desenvolvimento, microcefalia, transtorno do espectro autista (TEA), deficiência intelectual e convulsões.
Estudos genéticos revelam que mutações em DYRK1A aparecem em 0,1–0,5% dos casos de TEA e/ou deficiência intelectual e em até 0,5% dos transtornos de desenvolvimento. Assim, modelos animais capazes de reproduzir essas condições humanas se tornam essenciais para desvendar os mecanismos subjacentes.
Pesquisadores criaram camundongos portadores de uma mutação específica de DYRK1A identificada em pacientes humanos (Ile48LysfsX2, ou Dyrk1a-I48K).
Esses camundongos apresentaram uma série de características, incluindo microcefalia (redução do tamanho do cérebro em até 25% em certas regiões), dendritos mais curtos, sinapses excitatórias menos funcionais e deficiências sociais.
Um camundongo Dyrk1a+/- e um companheiro de ninhada WT com 12 semanas de idade. Cérebros de um controle e mutante com 12 semanas de idade. Fonte: Cortes et al. https://doi.org/10.1101/2022.01.21.477242
As análises proteômicas realizadas neste estudo identificaram mudanças significativas em proteínas associadas a diversas vias de sinalização cerebral que desempenham papéis fundamentais no desenvolvimento e funcionamento do sistema nervoso.
Entre essas vias, a via da insulina se destaca por regular o crescimento neuronal, a plasticidade sináptica e o metabolismo energético no cérebro.
A via do AMPc (adenosina monofosfato cíclico), por sua vez, é essencial para a comunicação entre neurônios e para a formação de memória e aprendizado. Já a oxitocina, frequentemente chamada de "hormônio do vínculo", está envolvida na modulação de comportamentos sociais e emocionais.
A AMPK (proteína quinase ativada por AMP) regula a energia celular e a resposta ao estresse metabólico, enquanto a autofagia é um processo crucial para a limpeza e renovação celular, garantindo a saúde das estruturas neurais.
Alterações nessas vias podem resultar em déficits no desenvolvimento cerebral e na função neuronal, como observado nos camundongos mutantes estudados, reforçando a importância de corrigir esses desequilíbrios para restaurar a normalidade funcional no cérebro.
Mapas de calor mostrando alterações volumétricas (grandes reduções) em várias regiões do cérebro de camundongos Dyrk1a-KI (8 semanas, machos) em comparação com camundongos WT, conforme avaliado por ressonância magnética.
Os pesquisadores do Institute for Basic Science (IBS), Daejeon, Korea, realizaram uma descoberta impressionante. Eles realizaram o tratamento precoce e crônico com lítio, iniciado logo após o nascimento dos camundongos mutantes, conseguiu reverter grande parte dos déficits observados. Os efeitos do lítio incluíram o resgate:
Do tamanho cerebral e da densidade sináptica.
Da morfologia dendrítica, essencial para a comunicação neuronal.
Das habilidades sociais e comportamentais, trazendo melhorias duradouras na vida dos camundongos.
Os pesquisadores acreditam que o lítio age corrigindo alterações nas vias de sinalização, como as relacionadas à insulina, AMPK e junções comunicantes.
Essas vias são conhecidas por regular a arborização dendrítica, que é fundamental para estabelecer redes neurais saudáveis.
O tratamento precoce com lítio em camundongos Dyrk1a-KI resgata a ramificação dendrítica e a transmissão sináptica. Filhotes receberam carbonato de lítio via leite materno até o desmame no dia 21 (~P21), seguido por análise de Sholl, gravação de mEPSC, e estudo da densidade sináptica. Após 28 dias de nascidos (~P28), os camundongos foram avaliados em comportamento e comunicação. O lítio normalizou a arborização dendrítica em neurônios piramidais do hipocampo e mPFC, conforme análise de Sholl.
Os resultados deste estudo complementam achados prévios em modelos animais e humanos. Por exemplo, mutações similares em DYRK1A já haviam sido associadas a déficits no crescimento de neurônios corticais e na densidade sináptica.
A novidade aqui foi mostrar como uma mutação específica, identificada em humanos, afeta múltiplos tipos celulares no cérebro e como esses efeitos podem ser revertidos com uma intervenção terapêutica.
O lítio, tradicionalmente utilizado como padrão-ouro no tratamento do transtorno bipolar, tem mostrado resultados promissores em modelos animais de TEA e outras condições de neurodesenvolvimento.
Este estudo reforça o potencial terapêutico do lítio para tratar deficiências causadas por mutações em DYRK1A, ao restaurar vias de sinalização críticas e funções cerebrais.
Além disso, as vias resgatadas pelo lítio, como as relacionadas à insulina, oxitocina e AMPK, são fundamentais não apenas para o desenvolvimento cerebral, mas também para a prevenção de distúrbios relacionados à neuroplasticidade e à comunicação sináptica.
Com mais pesquisas, essas descobertas podem ser aplicadas a tratamentos humanos, trazendo esperança para pessoas afetadas por TEA e condições relacionadas.
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Lithium normalizes ASD-related neuronal, synaptic, and behavioral phenotypes in DYRK1A-knockin mice
Junyeop Daniel Roh, Mihyun Bae, Hyosang Kim, Yeji Yang, Yeunkeum Lee, Yisul Cho, Suho Lee, Yan Li, Esther Yang, Hyunjee Jang, Hyeonji Kim, Hyun Kim, Hyojin Kang, Jacob Ellegood, Jason P. Lerch, Yong Chul Bae, Jin Young Kim, and Eunjoon Kim
Mol Psychiatry (2024).
Abstract:
Dyrk1A deficiency is linked to various neurodevelopmental disorders, including developmental delays, intellectual disability (ID) and autism spectrum disorders (ASD). Haploinsufficiency of Dyrk1a in mice reportedly leads to ASD-related phenotypes. However, the key pathological mechanisms remain unclear and human DYRK1A mutations remain uncharacterized in mice. Here, we generated and studied Dyrk1a-knockin mice carrying a human ASD patient mutation (Ile48LysfsX2; Dyrk1a-I48K mice). These mice display severe microcephaly, social and cognitive deficits, dendritic shrinkage, excitatory synaptic deficits, and altered phospho-proteomic patterns enriched for multiple signaling pathways and synaptic proteins. Early chronic lithium treatment of newborn mutant mice rescues the brain volume, behavior, dendritic, synaptic, and signaling/synapse phospho-proteomic phenotypes at juvenile and adult stages. These results suggest that signaling/synaptic alterations contribute to the phenotypic alterations seen in Dyrk1a-I48K mice, and that early correction of these alterations by lithium treatment has long-lasting effects in preventing juvenile and adult-stage phenotypes.
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