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Intestino e Cérebro: Desequilíbrio Microbiano precoce pode indicar riscos de Autismo e TDAH

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 21 de nov. de 2024
  • 5 min de leitura

Resumo:

Problemas no equilíbrio das bactérias intestinais (a flora intestinal) logo no início da vida podem estar ligados ao desenvolvimento de condições como autismo e TDAH. Isso ocorre porque o intestino e o cérebro estão conectados de várias formas, formando o chamado "eixo intestino-cérebro". As bactérias intestinais ajudam a produzir substâncias químicas e moléculas importantes que influenciam o desenvolvimento do cérebro, o sistema imunológico e até mesmo os comportamentos.


Os transtornos do neurodesenvolvimento (NDs) são condições que afetam o desenvolvimento normal do sistema nervoso central, geralmente surgindo na infância e impactando profundamente a vida das pessoas.


Eles abrangem condições como transtorno do espectro autista (TEA), transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), deficiências intelectuais e transtornos de comunicação. 


O TEA, caracterizado por dificuldades sociais e comportamentos e interesses restritos e repetitivos, afeta 1%–2% da população, enquanto a prevalência do TDAH atinge 7% em crianças e 3,4% em adultos, levando a encargos significativos para a saúde física e mental.


Os transtornos de comunicação afetam 5%–7% das pessoas  e podem causar problemas para falar, formular palavras e entender ideias abstratas.


Vários fatores pré-natais e do início da vida podem contribuir para o desenvolvimento do ND, tornando o diagnóstico precoce desafiador devido à falta de biomarcadores específicos.  

Fatores genéticos e ambientais podem prejudicar o modo como o cérebro se ajusta a mudanças e desafios ao longo do seu desenvolvimento, o que é essencial para manter um equilíbrio saudável no funcionamento do sistema nervoso.


Por exemplo, alterações no DNA herdadas dos pais ou influências externas, como exposição a toxinas durante a gravidez ou infecções precoces, podem interferir nesse processo de adaptação neural.


Além disso, o sistema imunológico, que normalmente protege o corpo contra doenças, pode contribuir para problemas no cérebro. Isso pode ocorrer quando há inflamação crônica ou o corpo produz autoanticorpos, que são moléculas que atacam células saudáveis por engano, incluindo as células do sistema nervoso. 


Essas condições criam um ambiente desfavorável, que pode atrapalhar o desenvolvimento normal do cérebro e aumentar o risco de transtornos do neurodesenvolvimento.


Um subconjunto substancial de indivíduos com TEA, especialmente, experimenta sintomas gastrointestinais (GI) concomitantes, implicando uma conexão intestino-cérebro. 

As bactérias intestinais desempenham um papel significativo no metabolismo, saúde GI, saúde neurológica, e função imunológica, sugerindo seu envolvimento potencial em NDs. A comunicação entre o intestino e o cérebro é um processo fascinante e ocorre por várias rotas biológicas que interligam essas duas partes do corpo. 


Uma dessas rotas é o nervo vago, uma espécie de "autoestrada" que conecta diretamente o sistema nervoso central ao sistema digestivo. Por meio dessa conexão, sinais químicos e elétricos podem ser transmitidos, influenciando funções cerebrais e intestinais.


Outra forma importante de comunicação é através de moléculas produzidas no intestino, como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs). Essas substâncias são criadas quando bactérias intestinais fermentam fibras alimentares e têm efeitos no metabolismo e na inflamação, podendo até impactar o cérebro.


Além disso, citocinas (moléculas que regulam a resposta imunológica), aminoácidos (os blocos de construção das proteínas) e precursores de neurotransmissores (substâncias que ajudam a formar os mensageiros químicos do cérebro) também desempenham papéis essenciais nessa comunicação.


Por exemplo, microrganismos no intestino são capazes de produzir neurotransmissores, como serotonina, que afetam diretamente o humor e o comportamento.


As células enteroendócrinas no intestino, que liberam hormônios, e as células dendríticas, que são parte do sistema imunológico, ajudam a coordenar essa interação complexa.


Esses processos podem influenciar a atividade da microglia (as células imunológicas do cérebro), regulando assim a produção de metabólitos neuroativos – moléculas que impactam o funcionamento cerebral e, por extensão, o comportamento.


Em suma, o intestino funciona como um segundo cérebro, onde os micróbios desempenham um papel ativo na produção de substâncias que modulam tanto a saúde física quanto o bem-estar mental.


As cepas bacterianas podem melhorar comportamentos sociais e de ansiedade,  por meio de impactos na permeabilidade intestinal, no metaboloma e na plasticidade sináptica.


Melhorias nos sintomas relacionados ao GI e ao TEA foram observadas em um pequeno estudo piloto de crianças diagnosticadas com TEA após terapia de transferência de microbioma, com algum benefício duradouro observado até 2 anos depois.


No entanto, a contribuição exata das interrupções do microbioma nos distúrbios do ND permanece obscura, com descobertas divergentes em estudos transversais sobre TEA  e TDAH.


A conexão entre a microbiota intestinal inicial e a cognição permanece mal compreendida, com apenas três investigações existentes e ainda nenhum estudo prospectivo do microbioma de NDs documentados clinicamente. 


Pesquisadores da University of Florida, usando dados da coorte sueca All Babies in Southeast Sweden (ABIS), realizaram um estudo que acompanhou mais de 16 mil crianças ao longo de 20 anos. Este estudo investigou como fatores do início da vida, incluindo infecções, uso de antibióticos e fatores genéticos, podem estar ligados ao desenvolvimento de NDs. 


Para os exames, eles coletaram soro do cordão umbilical, fezes infantis, histórico familiar e biomarcadores metabólicos.


Os resultados encontraram associações entre o microbioma, desregulação imunológica e fatores de estresse precoce com o surgimento de NDs.

Bactérias intestinais de recém-nascidos. Micrografia eletrônica de varredura de uma cultura de fezes de um  bebê de quatro dias. FONTE: https://www.sciencephoto.com/media/893312/view/newborn-baby-s-gut-bacteria-sem


Entre as crianças acompanhadas, 1.197 desenvolveram algum transtorno do neurodesenvolvimento, e os pesquisadores identificaram conexões entre essas condições e fatores como inflamação, metabolismo alterado e alterações no microbioma.


Este estudo destaca a importância de fatores precoces da vida no risco de desenvolvimento de NDs e abriu portas para a previsão e intervenções futuras. Com o avanço nas análises do microbioma e biomarcadores, há esperanças de diagnósticos mais precoces e tratamentos mais eficazes.


Assim, essa pesquisa amplia nossa compreensão sobre como o ambiente inicial de vida, incluindo a saúde intestinal, pode moldar o neurodesenvolvimento e oferece novas possibilidades para abordagens preventivas e terapêuticas.



LEIA MAIS:


Infant microbes and metabolites point to childhood neurodevelopmental disorders

Angelica P. Ahrens, Tuulia Hyötyläinen, Joseph R. Petrone, Kajsa Igelström, Christian D. George, Timothy J. Garrett, Matej Orešič, Eric W. Triplett,  and Johnny Ludvigsson

Cell. Volume 187, Issue 8P1853-1873.E15April 11, 2024

DOI: 10.1016/j.cell.2024.02.035


Abstract:


This study has followed a birth cohort for over 20 years to find factors associated with neurodevelopmental disorder (ND) diagnosis. Detailed, early-life longitudinal questionnaires captured infection and antibiotic events, stress, prenatal factors, family history, and more. Biomarkers including cord serum metabolome and lipidome, human leukocyte antigen (HLA) genotype, infant microbiota, and stool metabolome were assessed. Among the 16,440 Swedish children followed across time, 1,197 developed an ND. Significant associations emerged for future ND diagnosis in general and for specific ND subtypes, spanning intellectual disability, speech disorder, attention-deficit/hyperactivity disorder, and autism. This investigation revealed microbiome connections to future diagnosis as well as early emerging mood and gastrointestinal problems. The findings suggest links to immunodysregulation and metabolism, compounded by stress, early-life infection, and antibiotics. The convergence of infant biomarkers and risk factors in this prospective, longitudinal study on a large-scale population establishes a foundation for early-life prediction and intervention in neurodevelopment.

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