Resumo:
A encefalopatia traumática crônica (ETC) é uma doença neurodegenerativa ligada a traumas repetitivos na cabeça, comum em esportes de contato e no serviço militar. Embora geralmente associada à agressividade na meia-idade, estudos recentes mostraram que essa relação depende de outros fatores. Um novo estudo descobriu que a ETC amplifica os efeitos de um histórico familiar de doença mental (1°FHMI) na agressividade, especialmente em indivíduos de 40 a 59 anos.
A encefalopatia traumática crônica (ETC) é uma doença neurodegenerativa associada ao acúmulo anormal de uma proteína chamada tau no cérebro. Esse acúmulo é frequentemente ligado a impactos repetitivos na cabeça, como os experimentados em esportes de contato (por exemplo, futebol americano, boxe) ou durante o serviço militar.
A ETC faz parte de um grupo de doenças chamadas tauopatias, que incluem outras condições neurodegenerativas, mas é distinta porque está diretamente relacionada a traumas repetidos.
Apesar de relatos frequentes associarem a ETC a comportamentos agressivos, especialmente durante a meia-idade, estudos mais recentes têm encontrado inconsistências nessa relação. Ou seja, a presença de ETC por si só não explica a agressividade em todas as pessoas diagnosticadas.
No entanto, sabe-se que um histórico familiar de doença mental de primeiro grau (ou seja, parentes próximos com transtornos mentais) é um fator de risco reconhecido para comportamentos agressivos. Isso levanta a hipótese de que a ETC pode intensificar os efeitos de uma predisposição genética à agressividade.
Para explorar essa relação, pesquisadores da Universidade de Boston analisaram dados de 845 doadores de cérebro falecidos que haviam sido expostos a impactos repetitivos na cabeça. Esse estudo foi conduzido entre 2014 e 2021 e faz parte de uma pesquisa maior chamada Understanding Neurologic Injury and Traumatic Encephalopathy Study.
Os cérebros foram avaliados por neuropatologistas para confirmar a presença de ETC usando critérios estabelecidos pelo Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrames dos Estados Unidos (NINDS).
Além disso, os familiares ou pessoas próximas dos doadores responderam a questionários detalhados sobre o comportamento do falecido ao longo da vida, incluindo histórico de agressividade, por meio de uma ferramenta chamada Brown-Goodwin Assessment for Lifetime History of Aggression (BGLHA).
Eles também forneceram informações sobre a presença de histórico familiar de doença mental de primeiro grau (1°FHMI).
Imagem mostra corte coronal de cérebro de individuos normais (esquerda) e portadores de ETC avançado (direita).
Os pesquisadores dividiram os dados dos doadores em dois grupos principais: aqueles com diagnóstico de ETC e aqueles sem a patologia. Em seguida, realizaram análises estatísticas para investigar como o histórico familiar de doença mental influenciava a agressividade nos dois grupos.
Eles levaram em conta diversos fatores, como idade, raça, nível educacional, histórico militar, experiência com esportes de contato, traumas psicológicos e até mesmo uso de substâncias. O objetivo era isolar o impacto da ETC e do 1°FHMI na agressividade.
Entre os 845 doadores de cérebro, a idade média na morte foi de aproximadamente 60 anos. Desses, 69,7% foram diagnosticados com ETC, e 45,3% tinham histórico familiar de doença mental de primeiro grau.
Os resultados revelaram que o histórico familiar de doença mental foi significativamente associado a comportamentos agressivos na vida adulta apenas entre aqueles com ETC.
No grupo com ETC, o impacto do 1°FHMI foi moderado, mas estatisticamente relevante (β = 0,16, indicando uma associação positiva). No grupo sem ETC, essa associação não foi significativa.
Tambem, a relação entre ETC, 1°FHMI e agressividade foi mais acentuada na faixa etária de 40 a 59 anos. Indivíduos com ETC nessa faixa etária e com 1°FHMI apresentaram níveis muito mais altos de agressividade do que aqueles sem ETC ou fora dessa faixa etária.
Quando os pesquisadores analisaram fatores específicos da agressividade, os maiores efeitos da ETC e do 1°FHMI foram observados em áreas como desregulação emocional/impulsividade e comportamento antissocial. Esses comportamentos foram significativamente mais pronunciados no grupo com ETC.
O estudo sugere que a ETC pode amplificar os efeitos de uma predisposição genética para comportamentos agressivos, especialmente na meia-idade.
Isso significa que, em pessoas com ETC, o histórico familiar de doenças mentais pode agravar comportamentos agressivos, criando um risco maior do que a soma dos fatores individuais. Essas descobertas ajudam a explicar por que alguns estudos anteriores não conseguiram identificar uma ligação clara entre ETC e agressividade.
Os resultados apontam para a necessidade de estudos prospectivos que possam confirmar essas associações de maneira mais robusta. Além disso, compreender a interação entre a predisposição genética e a patologia da ETC pode abrir caminho para intervenções mais direcionadas, seja para tratar comportamentos agressivos em indivíduos em risco ou para identificar precocemente aqueles mais vulneráveis à ETC.
Essa pesquisa também reforça a importância de abordar os impactos cumulativos de esportes de contato e traumas na cabeça ao longo da vida.
LEIA MAIS:
Chronic Traumatic Encephalopathy, Family History of Mental Illness, and Aggression in Brain Donors With Repetitive Head Impact Exposure
Madeline Uretsky, Evan Nair, Rebecca Burton, Shea W Cronin, Danielle Rousseau, Fatima Tuz-Zahra, Shruti Durape, Bobak Abdolmohammadi, Zachary Baucom, Nicole Saltiel, Arsal Shah, Brett Martin, Joseph Palmisano, Jonathan D Cherry, Daniel Daneshvar, Brigid Dwyer, Kristen Dams-O'Connor, John Crary, Lee Goldstein, Bertrand Huber, Douglas Katz, Neil Kowall, Robert C Cantu, Victor E Alvarez, Robert A Stern, Thor D Stein, Yorghos Tripodis, Ann C McKee, Michael L Alosco, Jesse Mez
Neurology. 2024 Dec 24;103(12):e210056.
doi: 10.1212/WNL.0000000000210056.
Abstract:
Chronic traumatic encephalopathy (CTE) is a neurodegenerative tauopathy associated with exposure to repetitive head impacts, including from contact sports and military service. Although CTE case reports have commonly described aggression during midlife, recent studies failed to show associations between CTE tau burden and aggression. First-degree family history of mental illness (1°FHMI) is a well-established risk factor of aggression. We tested the hypothesis that CTE pathology moderates the association between 1°FHMI and aggression, providing an explanation for the lack of association previously observed. This was a retrospective examination of consecutive, deceased, male brain donors with repetitive head impact exposure from the Understanding Neurologic Injury and Traumatic Encephalopathy Study at Boston University from 2014 to 2021. Neuropathologists diagnosed CTE using established National Institute of Neurological Disorders and Stroke criteria. Informants were administered the Brown-Goodwin Assessment for Lifetime History of Aggression (BGLHA) and were queried regarding 1°FHMI. Exploratory factor analysis evaluated BGLHA factor structure. Stratified by CTE status, linear regression analyses examined relationships between 1°FHMI and standardized adult BGLHA scores and factor scores. Models were adjusted for race, age at death, education, years of contact sport play, military history, substance use treatment history, psychologically traumatic event history, and BGLHA childhood score. Among 845 brain donors, the mean age at death was 60.3 (SD = 19.6) years. 589 donors (69.7%) had CTE, and 383 donors (45.3%) had a 1°FHMI. 1°FHMI was significantly associated with standardized adult BGLHA scores in those with CTE, but not in those without CTE (CTE present: β = 0.16, 95% CI 0.02-0.29; CTE absent: β = 0.10, 95% CI -0.12 to 0.32). The largest effects were observed among those with CTE, aged 40-59 years (CTE present: β = 0.64, 95% CI 0.32-0.96; CTE absent: β = 0.05, 95% CI -0.44 to 0.54), particularly for BGLHA factors of emotional dysregulation/impulsiveness (CTE present: β = 1.68, 95% CI 0.78-2.58; CTE absent: β = 0.09, 95% CI -1.20 to 1.37) and antisocial behavior (CTE present: β = 1.56, 95% CI 0.64-2.47; CTE absent: β = 0.10, 95% CI -1.19 to 1.40). Among brain donors exposed to repetitive head impacts, CTE pathology moderated the effect of 1°FHMI on BGLHA scores, with the largest effects in midlife. Predisposition to mental illness and CTE pathology may increase risk of aggression beyond each risk factor's additive effects. Prospective studies are needed to confirm these results.
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