top of page

Gravidez e o Cérebro: Como as mudanças hormonais transformam a mente da mãe


Resumo:

Um novo estudo apresenta o primeiro mapa detalhado dessas transformações, revelando uma neuroplasticidade significativa em mulheres adultas. Os pesquisadores identificaram uma redução no volume de matéria cinzenta e um aumento temporário na matéria branca no cérebro das grávidas. Essas alterações parecem ajustar os circuitos cerebrais para se prepararem para as exigências da maternidade.


Durante a gravidez, o corpo da mulher passa por diversas adaptações para apoiar o desenvolvimento do bebê, e isso inclui mudanças profundas no cérebro, embora pouco se saiba sobre como exatamente o cérebro se reorganiza.


Globalmente, cerca de 85% das mulheres engravidam ao longo da vida, com 140 milhões de gestações ocorrendo todos os anos. Durante as 40 semanas da gravidez, o corpo da mãe se ajusta de várias formas: há um aumento no volume de sangue, no consumo de oxigênio e no metabolismo, tudo isso controlado por hormônios como o estrogênio e a progesterona, que aumentam até 1.000 vezes.


Além de regular esses aspectos, os hormônios também afetam o sistema nervoso central, levando à criação de novos neurônios, ao crescimento das conexões entre eles e à reorganização de outras células cerebrais.


Essas mudanças preparam o cérebro da mãe para o cuidado com o bebê. Por exemplo, estudos em roedores mostraram que certos hormônios ajustam a sensibilidade do cérebro a sinais dos filhotes, aumentando a resposta materna.


Nos humanos, foi observada uma redução no volume de matéria cinzenta (a parte do cérebro responsável pelo processamento de informações) após o parto, especialmente em áreas ligadas à empatia e ao entendimento de outros.

Essas mudanças no cérebro podem durar por anos, sendo detectadas até décadas depois do nascimento do bebê. Um estudo recente descobriu que, já no terceiro trimestre da gravidez, há uma diminuição no volume do córtex cerebral, indicando que esse é um período de intensa remodelação cerebral.


Para entender melhor essas mudanças, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, realizaram um estudo inovador com uma mulher que passou por 26 exames de ressonância magnética durante sua gravidez e até dois anos após o parto.


Eles observaram que o volume de matéria cinzenta e a espessura do córtex cerebral diminuíram à medida que a gestação progredia, ao mesmo tempo que os níveis de hormônios sexuais aumentavam. Essas mudanças também ocorreram em outras áreas do cérebro, como o tálamo, o hipocampo e o caudado.


Apesar da diminuição no volume da matéria cinzenta, isso não é necessariamente algo negativo. Os cientistas acreditam que isso pode representar um refinamento dos circuitos cerebrais, tornando-os mais especializados, semelhante ao que ocorre durante a adolescência.


Além disso, os pesquisadores identificaram um aumento na matéria branca do cérebro, responsável por conectar diferentes regiões cerebrais e facilitar a comunicação entre elas, o que pode indicar uma adaptação importante para o papel de mãe. 


Essas descobertas ressaltam que a gravidez é um período de mudanças complexas no cérebro, mas ainda há muito a ser aprendido sobre como essas transformações ocorrem e o impacto delas no longo prazo. 


Embora a redução da substância cinzenta tenha persistido muito tempo após o parto, o aumento da substância branca foi temporário. Ele atingiu seu pico durante o segundo trimestre da gravidez e voltou aos níveis pré-gestacionais por volta do nascimento.

A) Demarcações médicas padrão para estágios de gravidez (ou seja, trimestres) por semana de gestação. B) Hormônios esteroides aumentaram significativamente durante a gravidez e caíram vertiginosamente no pós-parto, como é característico dos períodos pré-natal e pós-natal. C) Uma mulher primípara saudável de 38 anos passou por 26 sessões de escaneamento de 3 semanas antes da concepção até 2 anos após o parto. D) Resumo (ou seja, total) das medidas cerebrais ao longo do experimento. Modelos aditivos generalizados revelaram que GMV, CT e volume cerebral total diminuíram durante a gravidez, com uma ligeira recuperação pós-parto. Os volumes globais de QA, ventrículo lateral e LCR apresentaram aumentos não lineares ao longo da gestação, com um aumento notável no segundo e terceiro trimestres antes de cair acentuadamente no pós-parto. As regiões sombreadas representam faixas de confiança de 95%; as linhas sólidas indicam ajuste do modelo; a linha tracejada indica parto. doi.org/10.1038/s41593-024-01741-0


Esse fenômeno nunca havia sido documentado com tamanha precisão em estudos anteriores que utilizam exames antes e depois da gravidez. Segundo os pesquisadores, isso oferece uma estimativa mais clara de como o cérebro pode ser dinâmico em um período relativamente curto de tempo.


"O cérebro materno passa por uma transformação coordenada durante a gestação, e agora podemos finalmente observar esse processo em ação", afirmou Jacobs, um dos autores do estudo.


Essas alterações indicam que o cérebro adulto é capaz de vivenciar um extenso período de neuroplasticidade, promovendo adaptações comportamentais relacionadas à parentalidade.


Hoje em dia, já existem tratamentos aprovados pela FDA para depressão pós-parto, mas a detecção precoce ainda é um grande desafio. Quanto mais descobrirmos sobre o cérebro materno, maior será a nossa capacidade de oferecer alívio. Esse é exatamente o objetivo dos autores.


Com o apoio da Ann S. Bowers Women's Brain Health Initiative, liderada por Jacobs, a equipe está expandindo essas descobertas iniciais por meio do Maternal Brain Project.


Mais mulheres e seus parceiros estão sendo recrutados na UC Santa Barbara, UC Irvine e através de uma colaboração internacional com pesquisadores na Espanha. "Especialistas em neurociência, imunologia reprodutiva, proteômica e inteligência artificial estão se unindo para aprofundar nosso conhecimento sobre o cérebro materno", disse Jacobs. "Juntos, temos a chance de abordar alguns dos problemas mais urgentes e menos compreendidos da saúde feminina."



LEIA MAIS:


Neuroanatomical changes observed over the course of a human pregnancy

Laura Pritschet, Caitlin M. Taylor, Daniela Cossio, Joshua Faskowitz, Tyler Santander, Daniel A. Handwerker, Hannah Grotzinger, Evan Layher, Elizabeth R. Chrastil & Emily G. Jacobs 

Nature Neuroscience (2024).


Abstract:


Pregnancy is a period of profound hormonal and physiological changes experienced by millions of women annually, yet the neural changes unfolding in the maternal brain throughout gestation are not well studied in humans. Leveraging precision imaging, we mapped neuroanatomical changes in an individual from preconception through 2 years postpartum. Pronounced decreases in gray matter volume and cortical thickness were evident across the brain, standing in contrast to increases in white matter microstructural integrity, ventricle volume and cerebrospinal fluid, with few regions untouched by the transition to motherhood. This dataset serves as a comprehensive map of the human brain across gestation, providing an open-access resource for the brain imaging community to further explore and understand the maternal brain.

Comments


bottom of page