
O estudo apoia a ideia de que alterações no desenvolvimento dos interneurônios podem ser um mecanismo fundamental para a comorbidade entre TEA e epilepsia. Os resultados mostram que a falha no desenvolvimento e regulação de Nrp2 nos interneurônios prejudica o funcionamento normal do circuito hipocampal, levando a comportamentos semelhantes ao TEA e aumentando a probabilidade de ocorrência de convulsões.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a epilepsia são condições frequentemente observadas juntas, ou seja, comórbidas, e acredita-se que compartilhem alguns mecanismos biológicos semelhantes.
Essas condições têm relação com anomalias no desenvolvimento e na função de um tipo específico de células nervosas chamadas interneurônios, que são responsáveis por regular a atividade de outras células nervosas no cérebro.
Essas anomalias são chamadas de "interneuronopatias" e estão fortemente associadas tanto ao TEA quanto à epilepsia. A presença de convulsões e de dificuldades comportamentais em vários subtipos de TEA pode ser explicada por alterações no funcionamento desses neurônios, especialmente os neurônios inibitórios, que ajudam a controlar a excitabilidade das células nervosas no cérebro.

O principal tipo de interneurônio envolvido nesse processo é o GABAérgico, que tem um papel crucial na organização e na função de uma região do cérebro chamada hipocampo, que está frequentemente relacionada tanto ao TEA quanto à epilepsia.
Quando há falhas na formação de circuitos de interneurônios no cérebro, isso pode prejudicar o funcionamento do hipocampo, levando ao aumento do risco de convulsões e ao surgimento de déficits comportamentais típicos do TEA.
Neste estudo, os pesquisadores da University of California Riverside, USA, investigaram como a falha no desenvolvimento de um receptor, chamado Neuropilin-2 (Nrp2), em interneurônios em desenvolvimento, afeta a função do circuito hipocampal e pode predispor a convulsões e a comportamentos típicos de TEA.
O Nrp2 é uma proteína que, durante o desenvolvimento do cérebro, ajuda os neurônios a se moverem para as regiões corretas e se conectarem de maneira adequada. Especificamente, Nrp2 regula a migração de interneurônios, que são células que ajudam a equilibrar a excitação e inibição dentro do cérebro.

Durante o desenvolvimento embrionário, a expressão do gene Nrp2 em células precursoras de interneurônios é controlada por um fator de transcrição chamado Nkx2.1, e essa regulação permite que os interneurônios migrem corretamente para regiões como o hipocampo e o córtex, onde desempenham um papel fundamental na modulação da atividade neural.
Quando o Nrp2 não funciona corretamente, como mostrado em estudos anteriores, há uma perda de interneurônios no hipocampo, o que pode resultar em déficits comportamentais típicos do TEA e aumento da suscetibilidade a convulsões.
No entanto, ainda não se sabia se a falha do Nrp2 em interneurônios específicos durante sua migração para o hipocampo e córtex poderia resultar em um quadro semelhante ao TEA e em aumento do risco de convulsões.
Para investigar isso, os pesquisadores criaram um modelo experimental em camundongos em que o Nrp2 foi excluído especificamente em precursores de interneurônios derivados da eminência ganglionar medial (MGE), uma área do cérebro responsável pela formação de certos tipos de interneurônios.
Para isso, usaram uma técnica chamada "Cre-Lox", que permite que genes específicos sejam removidos em momentos e locais específicos do desenvolvimento. No caso deste estudo, a remoção do Nrp2 foi induzida em camundongos prenhes (fêmeas grávidas) por meio da administração de um composto chamado tamoxifeno, que ativa uma enzima chamada Cre recombinase.
Essa enzima age removendo o Nrp2 apenas em precursores de interneurônios no período crítico de migração para o hipocampo, com o objetivo de minimizar efeitos em outras fases do desenvolvimento neural.
Os camundongos que não tinham o Nrp2 (iCKO) em seus interneurônios foram analisados quanto à função de uma área do hipocampo chamada CA1, para verificar se a ausência de Nrp2 causaria alterações no comportamento e na atividade elétrica do cérebro, levando a um maior risco de convulsões.

Imunomarcacao com fluorescencia de seções cerebrais de controles D, E e camundongos que não tinham o Nrp2 (iCKO) F, G, respectivamente, com anti-PV (marcador para interneuronios, vermelho) e DAPI (marcador para todos os tipos de celulas, azul). E, G) Imagens de alta ampliação de caixas verdes em D e F, respectivamente. H) Quantificação do total médio de células PV+ do hipocampo. I) Quantificação do número médio de células PV+ por região do hipocampo.
Os resultados mostraram que a falta de Nrp2 nos interneurônios prejudicou significativamente a migração e o número de neurônios que expressam proteínas importantes para a função dos interneurônios, como a parvalbumina, o neuropeptídeo Y e a somatostatina.
Como resultado, a atividade elétrica no hipocampo foi alterada, com uma redução nas correntes sinápticas inibitórias e um aumento nas correntes excitatórias, o que desequilibrou a relação entre excitação e inibição, uma condição conhecida por facilitar o desenvolvimento de convulsões.

Traços representativos mostrando correntes pós-sinápticas excitatórias espontâneas (sEPSC) em camundongos controle e iCKO. Note que os eventos são mais frequentes em camundongos iCKO.
Embora as propriedades das células nervosas piramidais do CA1 não tenham mudado em relação a algumas características, os camundongos com a exclusão de Nrp2 apresentaram uma maior suscetibilidade a convulsões induzidas por substâncias químicas.
Além disso, esses camundongos mostraram déficits comportamentais significativos, especialmente em tarefas relacionadas à interação social e ao aprendizado, ambos comportamentos frequentemente alterados em indivíduos com TEA.

Esses resultados mostram que a falha no desenvolvimento e regulação de Nrp2 nos interneurônios prejudica o funcionamento normal do circuito hipocampal, levando a comportamentos semelhantes ao TEA e aumentando a probabilidade de ocorrência de convulsões.
O estudo apoia a ideia de que alterações no desenvolvimento dos interneurônios podem ser um mecanismo fundamental para a comorbidade entre TEA e epilepsia.
Em outras palavras, as deficiências na formação e na função desses neurônios podem ser responsáveis tanto pelos déficits comportamentais quanto pela maior propensão a convulsões observadas em indivíduos com essas condições.
LEIA MAIS:
Dysregulation of neuropilin-2 expression in inhibitory neurons impairs hippocampal circuit development and enhances risk for autism-related behaviors and seizures
Subramanian D, Eisenberg C, Huang A. et al.
Mol Psychiatry (2024).
Abstract:
Dysregulation of development, migration, and function of interneurons, collectively termed interneuronopathies, have been proposed as a shared mechanism for autism spectrum disorders (ASDs) and childhood epilepsy. Neuropilin-2 (Nrp2), a candidate ASD gene, is a critical regulator of interneuron migration from the median ganglionic eminence (MGE) to the pallium, including the hippocampus. While clinical studies have identified Nrp2 polymorphisms in patients with ASD, whether selective dysregulation of Nrp2-dependent interneuron migration contributes to pathogenesis of ASD and enhances the risk for seizures has not been evaluated. We tested the hypothesis that the lack of Nrp2 in MGE-derived interneuron precursors disrupts the excitation/inhibition balance in hippocampal circuits, thus predisposing the network to seizures and behavioral patterns associated with ASD. Embryonic deletion of Nrp2 during the developmental period for migration of MGE derived interneuron precursors (iCKO) significantly reduced parvalbumin, neuropeptide Y, and somatostatin positive neurons in the hippocampal CA1. Consequently, when compared to controls, the frequency of inhibitory synaptic currents in CA1 pyramidal cells was reduced while frequency of excitatory synaptic currents was increased in iCKO mice. Although passive and active membrane properties of CA1 pyramidal cells were unchanged, iCKO mice showed enhanced susceptibility to chemically evoked seizures. Moreover, iCKO mice exhibited selective behavioral deficits in both preference for social novelty and goal-directed learning, which are consistent with ASD-like phenotype. Together, our findings show that disruption of developmental Nrp2 regulation of interneuron circuit establishment, produces ASD-like behaviors and enhanced risk for epilepsy. These results support the developmental interneuronopathy hypothesis of ASD epilepsy comorbidity.
Comments