Genética, Placenta e Esquizofrenia: Como Tudo Se Conecta Antes do Nascimento
- Lidi Garcia
- 24 de mar.
- 5 min de leitura

O ambiente dentro do útero pode influenciar a saúde do bebê para toda a vida. A placenta, além de nutrir o feto, regula sinais que afetam o desenvolvimento do cérebro. Pesquisas mostram que fatores como estresse materno, infecções e complicações no parto podem alterar a atividade dos genes através da metilação do DNA, aumentando o risco de transtornos psiquiátricos como esquizofrenia, depressão e bipolaridade. Um novo banco de dados genético revelou que essas mudanças na placenta podem influenciar a predisposição a essas doenças, ajudando na prevenção e em novos tratamentos no futuro.
Desde muito tempo, os cientistas sabem que o ambiente dentro do útero pode influenciar profundamente a saúde do bebê, tanto no momento do nascimento quanto ao longo da vida.
Existe uma teoria chamada DOHaD (Origens do Desenvolvimento da Saúde e da Doença) que sugere que as condições durante a gestação e os primeiros anos de vida podem afetar o risco de doenças na fase adulta.
Um dos fatores que mais impactam esse ambiente intrauterino é o estresse materno. Quando a mãe passa por momentos de estresse intenso durante a gravidez, isso pode afetar diretamente o bebê, aumentando o risco de desenvolver problemas cardiovasculares, metabólicos e até transtornos psicológicos.
Esse efeito ocorre porque o estresse libera hormônios e substâncias inflamatórias que podem influenciar o desenvolvimento do feto.
A placenta é um órgão temporário que tem um papel essencial durante a gravidez, pois faz a comunicação entre a mãe e o bebê. Ela transporta oxigênio e nutrientes para o feto, elimina substâncias que podem ser prejudiciais e também regula a liberação de hormônios importantes para o crescimento do bebê.

Mas a placenta faz muito mais do que isso. Cientistas descobriram que esse órgão pode ser um indicador das condições ambientais da gravidez e até mesmo prever riscos para a saúde da criança no futuro.
Por isso, alguns pesquisadores chamam a placenta de "terceiro cérebro", pois ela atua como um elo entre o cérebro da mãe e o cérebro em formação do bebê.
A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico grave que afeta o pensamento, as emoções e o comportamento. Muitos estudos já identificaram que a genética desempenha um papel importante no desenvolvimento da doença. No entanto, cada vez mais evidências mostram que o ambiente intrauterino também pode influenciar esse risco.
A hipótese do neurodesenvolvimento, proposta em 1987, sugere que mudanças na formação do cérebro do feto podem criar uma vulnerabilidade para desenvolver esquizofrenia mais tarde na vida.
Isso significa que, mesmo que a doença só se manifeste na adolescência ou na fase adulta, as primeiras alterações podem acontecer ainda no útero.
Diferentes fatores podem aumentar esse risco, como:
Infecções maternas durante a gravidez (como gripe ou outras doenças que ativam o sistema imunológico da mãe).
Estresse intenso na gravidez, que pode afetar o equilíbrio hormonal e a formação do cérebro do bebê.
Complicações no parto, como falta de oxigênio para o bebê, pré-eclâmpsia ou sangramentos.
Quando a mãe passa por alguma dessas situações, o corpo dela libera substâncias inflamatórias que podem afetar o desenvolvimento do cérebro do feto.
Isso pode influenciar a forma como os neurônios se organizam e como as conexões cerebrais são formadas, o que pode resultar em maior predisposição para transtornos psiquiátricos no futuro.

Além da genética, cientistas descobriram que o ambiente dentro do útero pode modificar a atividade dos genes através de um processo chamado metilação do DNA. A metilação do DNA é um mecanismo que funciona como um "interruptor", regulando quais genes são ativados ou desativados no organismo.
O que torna a placenta tão especial é que ela tem um padrão único de metilação do DNA, diferente de outros órgãos do corpo. Isso significa que as mudanças na metilação da placenta podem ser específicas e ter efeitos duradouros na vida do bebê.
Por exemplo, estudos mostram que fatores como tabagismo da mãe ou obesidade antes da gravidez podem alterar a metilação do DNA na placenta, afetando genes ligados ao crescimento e ao sistema imunológico do bebê. Essas mudanças podem ter consequências ao longo da vida, aumentando o risco de doenças metabólicas, inflamatórias e até transtornos psiquiátricos.

Cientistas descobriram que algumas dessas alterações na metilação do DNA podem estar ligadas ao risco de desenvolver transtornos psiquiátricos, como a Esquizofrenia, o Transtorno Bipolar, e a Depressão. Isso significa que a predisposição genética para esses transtornos pode ser influenciada pelo ambiente intrauterino através da placenta.
Para entender melhor essa relação, pesquisadores criaram um banco de dados público que analisa as modificações no DNA da placenta. Eles coletaram informações genéticas de 368 amostras de placenta fetal e cruzaram esses dados com grandes estudos sobre transtornos psiquiátricos.
Os resultados mostraram que as alterações na metilação da placenta estão ligadas a regiões do DNA que influenciam o risco de doenças psiquiátricas. Algumas dessas modificações ocorrem em genes relacionados ao desenvolvimento cerebral do feto.
O impacto da metilação da placenta pode ser diferente entre meninos e meninas, o que pode explicar por que alguns transtornos psiquiátricos afetam mais um gênero do que outro.

Essas descobertas são muito importantes porque ajudam a entender como a genética e o ambiente da gravidez interagem para influenciar a saúde mental no futuro.
Isso pode trazer benefícios como:
Prevenção: Se os médicos conseguirem identificar fatores de risco na gravidez, podem tomar medidas para reduzir o impacto no bebê.
Novos tratamentos: Saber como a metilação do DNA influencia o cérebro pode ajudar a desenvolver medicamentos mais eficazes para transtornos psiquiátricos.
Melhoria no acompanhamento pré-natal: Se a placenta realmente for um indicador do risco de doenças futuras, exames mais detalhados durante a gravidez podem ser usados para prever e prevenir problemas de saúde mental.
Em resumo, a pesquisa mostra que a placenta pode ser uma peça-chave para entender como o ambiente intrauterino afeta a saúde mental e o neurodesenvolvimento do bebê.
Ao estudar essas alterações genéticas e epigenéticas, os cientistas estão abrindo novas portas para a compreensão e o tratamento de transtornos psiquiátricos no futuro.
LEIA MAIS:
Potentially causal associations between placental DNA methylation and schizophrenia and other neuropsychiatric disorders
Ariadna Cilleros-Portet, Corina Lesseur, Sergi Marí, Marta Cosin-Tomas, Manuel Lozano, Amaia Irizar, Amber Burt, Iraia García-Santisteban, Diego Garrido-Martín, Geòrgia Escaramís, Alba Hernangomez-Laderas, Raquel Soler-Blasco, Charles E. Breeze, Bárbara P. Gonzalez-Garcia, Loreto Santa-Marina, Jia Chen, Sabrina Llop, Mariana F. Fernández, Martine Vrijheid, Jesús Ibarluzea, Mònica Guxens, Carmen Marsit, Mariona Bustamante, Jose Ramon Bilbao & Nora Fernandez-Jimenez
Nature Communications, volume 16, Article number: 2431 (2025)
Abstract:
Increasing evidence supports the role of the placenta in neurodevelopment and in the onset of neuropsychiatric disorders. Recently, mQTL and iQTL maps have proven useful in understanding relationships between SNPs and GWAS that are not captured by eQTL. In this context, we propose that part of the genetic predisposition to complex neuropsychiatric disorders acts through placental DNA methylation. We construct a public placental cis-mQTL database including 214,830 CpG sites calculated in 368 fetal placenta DNA samples from the INMA project, and run cell type-, gestational age- and sex-imQTL models. We combine these data with summary statistics of GWAS on ten neuropsychiatric disorders using summary-based Mendelian randomization and colocalization. We also evaluate the influence of identified DNA methylation sites on placental gene expression in the RICHS cohort. We find that placental cis-mQTLs are enriched in placenta-specific active chromatin regions, and establish that part of the genetic burden for schizophrenia, bipolar disorder, and major depressive disorder confers risk through placental DNA methylation. The potential causality of several of the observed associations is reinforced by secondary association signals identified in conditional analyses, the involvement of cell type-imQTLs, and the correlation of identified DNA methylation sites with the expression levels of relevant genes in the placenta.
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