top of page

Falar Mais de um Idioma Impulsiona o Cérebro de Crianças Autistas


O estudo indica que crianças multilíngues apresentam melhores habilidades de inibição, mudança e tomada de perspectiva, segundo relatos dos pais. O impacto do multilinguismo foi mais forte em crianças com transtorno do espectro autista do que naquelas com desenvolvimento típico.


O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição caracterizada por desafios no desenvolvimento social, na comunicação e na presença de comportamentos repetitivos. 


Dentro desse contexto, um aspecto importante a ser analisado é a função executiva, um conjunto de habilidades cognitivas que ajudam no planejamento, controle e regulação do comportamento.


Estudos indicam que pessoas com transtorno do espectro autista apresentam diferenças significativas na função executiva, o que pode impactar diversas áreas da vida.

Pesquisas anteriores sugerem que crianças bilíngues podem ter uma vantagem em termos de função executiva em comparação com crianças monolíngues. Isso se deve à necessidade constante de gerenciar dois sistemas de linguagem, alternando entre eles e inibindo o idioma não utilizado no momento. 


No entanto, os resultados desses estudos ainda são mistos, e a influência do bilinguismo na função executiva de crianças com transtorno do espectro autista é um campo de investigação relativamente recente.


A função executiva é um termo abrangente que engloba habilidades como a capacidade de mudar de tarefa (flexibilidade cognitiva), controlar impulsos (inibição) e manter informações na mente para uso imediato (memória de trabalho). 


Essas habilidades são essenciais para a resolução de problemas, tomada de decisões e interações sociais. Pessoas com transtorno do espectro autista costumam apresentar dificuldades nesses aspectos, o que pode influenciar suas interações sociais e sua capacidade de lidar com mudanças no ambiente.


Um dos sintomas centrais do transtorno do espectro autista é a dificuldade em tomar a perspectiva de outra pessoa, ou seja, entender que os outros têm pensamentos, emoções e conhecimentos diferentes dos seus. Essa habilidade é fundamental para a empatia e a interação social.  

Estudos sugerem que a função executiva desempenha um papel crucial nesse processo, pois exige que o indivíduo iniba sua própria perspectiva e adote a do outro. Pesquisas indicam que crianças bilíngues podem ter uma vantagem nessa área, possivelmente devido ao constante exercício mental envolvido na troca de idiomas.


Além disso, crianças com transtorno do espectro autista frequentemente enfrentam dificuldades na comunicação social, que envolve tanto a linguagem verbal quanto a não verbal. A habilidade de inibir respostas automáticas e se adaptar às mudanças contextuais é essencial para uma comunicação eficaz. 


Como a função executiva está diretamente relacionada a esses processos, a melhoria nessas habilidades pode ter um impacto positivo na interação social de crianças com transtorno do espectro autista.


Outro aspecto relevante do transtorno do espectro autista são os comportamentos restritivos e repetitivos. Esses comportamentos podem incluir movimentos motores repetitivos, adesão a rotinas rigorosas e interesses intensos em tópicos específicos. 

Algumas teorias sugerem que dificuldades na inibição e na flexibilidade cognitiva podem contribuir para a persistência desses comportamentos. Estudos indicam que intervenções que melhoram a função executiva podem ajudar a reduzir a frequência desses comportamentos em crianças com transtorno do espectro autista.


A ideia de uma "vantagem bilíngue" na função executiva ainda é debatida entre os pesquisadores. Alguns estudos mostram que bilíngues tendem a ter melhor desempenho em tarefas que exigem controle cognitivo, enquanto outros não encontraram diferenças significativas entre monolíngues e bilíngues.


Contudo, há evidências de que o bilinguismo pode ser especialmente benéfico para indivíduos que já apresentam dificuldades na função executiva, como é o caso de crianças com transtorno do espectro autista.


O presente estudo busca entender melhor essas relações, investigando se crianças bilíngues com transtorno do espectro autista apresentam melhor desempenho em habilidades de função executiva do que crianças monolíngues com transtorno do espectro autista. 


Também explora se o bilinguismo pode estar associado a uma redução nos sintomas essenciais do transtorno do espectro autista, como dificuldades na tomada de perspectiva, na comunicação social e na presença de comportamentos repetitivos.


Para isso, foram analisadas 112 crianças entre 7 e 12 anos, sendo 53 diagnosticadas com transtorno do espectro autista (21 delas bilíngues) e 63 crianças com desenvolvimento típico (35 bilíngues).


Os critérios de seleção garantiram que apenas crianças sem outras condições clínicas que pudessem interferir nos resultados participassem do estudo. Os dados coletados incluíram testes de avaliação da função executiva e medições dos sintomas do transtorno do espectro autista. 

Os resultados mostraram que não houve diferença significativa nos sintomas do transtorno do espectro autista entre crianças bilíngues e monolíngues com autismo, de acordo com os testes aplicados. No entanto, estudos adicionais são necessários para explorar melhor essa questão e entender os mecanismos que podem estar em jogo.


A análise também levou em consideração fatores socioeconômicos, uma vez que o acesso a diferentes recursos pode influenciar no desenvolvimento da função executiva e nas habilidades sociais. A pesquisa sugere que o bilinguismo pode atuar como um fator protetor em alguns contextos, ajudando a mitigar dificuldades associadas às funções executivas.


Em conclusão, este estudo contribui para o entendimento sobre a relação entre bilinguismo e função executiva em crianças com transtorno do espectro autista.


Embora os resultados sejam inconclusivos em alguns aspectos, eles sugerem que o bilinguismo pode ter um impacto positivo em certas habilidades cognitivas. Pesquisas futuras devem continuar explorando essas relações para fornecer uma visão mais clara dos benefícios potenciais do multilinguismo para indivíduos no espectro autista.



LEIA MAIS:


Multilingualism impacts children's executive function and core autism symptoms

Celia Romero, Zachary T. Goodman, Lauren Kupis, Bryce Dirks, Meaghan V. Parlade, Amy L. Beaumont, Sandra M. Cardona, Jason S. Nomi, Michael Alessandri, Lynn K. Perry, Lucina Q. Uddin

Autism Research. Volume17, Issue12. December 2024. Pages 2645-2661


Abstract:


Autism spectrum disorder (ASD) is associated with marked heterogeneity in executive function (EF) abilities. EF components including inhibition and shifting are related to ASD core symptoms such as perspective taking, social communication, and repetitive behavior. Recent research suggests that multilingualism may have a beneficial impact on EF abilities, especially in children with ASD. However, there remains a lack of comprehensive understanding regarding the relationships between multilingualism, EF, and core symptoms in children with ASD. Here, we examined these associations in 7–12-year-old children with and without ASD (N = 116; 53 ASD, Mean age = 9.94 years). Results suggest that multilingual children have stronger parent-reported inhibition, shifting, and perspective-taking skills than monolingual children. Furthermore, we found a significant interaction between diagnosis and multilingual status on inhibition, such that the effects of multilingualism were stronger for children with ASD than typically developing (TD) children. Finally, we found indirect effects of multilingualism on perspective taking, social communication, and repetitive behaviors mediated by EF skills. These results demonstrate the supportive influences multilingual experience might have on bolstering EF and reducing ASD-related symptoms.


Comments


© 2020-2025 by Lidiane Garcia

bottom of page