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Exposição a componentes do plástico durante a gravidez está associada ao risco de Autismo


Resumo:

Um novo estudo revelou níveis significativamente elevados de bisfenol A (BPA) – um composto comum em plásticos – em mães grávidas cujos filhos foram posteriormente diagnosticados com autismo. Os pesquisadores sugerem que o BPA interfere no desenvolvimento cerebral fetal, especialmente em meninos, ao inibir a enzima aromatase, essencial para a regulação hormonal no cérebro em formação. Esse desequilíbrio pode impactar o desenvolvimento neurológico, aumentando a probabilidade de sintomas de autismo.


O transtorno do espectro autista (TEA), também conhecido como autismo, é uma condição que afeta o desenvolvimento neurológico, ou seja, o modo como o cérebro se desenvolve e funciona.


Pessoas com TEA geralmente enfrentam dificuldades em se comunicar e interagir socialmente e podem apresentar comportamentos repetitivos, como movimentos ou interesses específicos e intensos. 


Essa condição é diagnosticada clinicamente, o que significa que médicos e especialistas identificam sinais e sintomas que caracterizam o autismo. Estima-se que entre 1% e 2% das pessoas em países ocidentais apresentem TEA, e a incidência parece estar aumentando. 


Parte desse aumento se deve a uma maior conscientização sobre o autismo, facilitando o diagnóstico. No entanto, outros fatores também contribuem para isso, incluindo o ambiente nos primeiros anos de vida, genética e a interação entre genética e ambiente.


Curiosamente, cerca de 80% das pessoas diagnosticadas com TEA são do sexo masculino. Isso sugere que há algo específico no desenvolvimento do cérebro masculino que pode contribuir para uma maior chance de autismo.  


Uma das hipóteses é que o neurodesenvolvimento – o processo de formação do cérebro – possa ser diferente entre meninos e meninas em aspectos que aumentam o risco do autismo para os meninos.

A aromatase é uma enzima no cérebro que converte hormônios andrógenos (ligados ao desenvolvimento masculino) em estrogênios (hormônios tipicamente associados ao desenvolvimento feminino). 


Durante a fase de desenvolvimento do cérebro fetal, especialmente em áreas como a amígdala (uma região ligada às emoções), a aromatase é altamente ativa nos meninos.


Estudos sugerem que níveis alterados de aromatase estão associados ao TEA, conforme proposto pela teoria do "cérebro masculino extremo," que sugere que o autismo está ligado a características mais “masculinizadas” do desenvolvimento cerebral.


Em autópsias de adultos com TEA, homens apresentam uma atividade reduzida de aromatase comparada a homens sem TEA. Em particular, no córtex pré-frontal (uma área do cérebro envolvida em processos como planejamento e tomada de decisão), homens com TEA têm 38% menos atividade de aromatase do que o esperado.


Além dos fatores genéticos, o ambiente também desempenha um papel importante. A exposição a substâncias químicas, como o bisfenol A (BPA), pode interferir no funcionamento da aromatase e, consequentemente, no desenvolvimento do cérebro. 


Produtos químicos como o BPA estão presentes em muitos plásticos e recipientes de alimentos, sendo conhecidos por sua capacidade de agir como desreguladores endócrinos, ou seja, interferem na produção e regulação de hormônios no corpo.


Pesquisas mostram que a exposição ao BPA durante a gravidez está associada a problemas comportamentais nas crianças, incluindo sintomas semelhantes aos do TEA, sendo que alguns desses efeitos são mais fortes nos meninos.


Estudos com animais, como camundongos, também demonstraram que a exposição ao BPA antes do nascimento leva a alterações cerebrais e cognitivas mais acentuadas nos machos. 

Uma hipótese é que os bisfenóis, ao interferirem na aromatase, causam alterações no desenvolvimento cerebral. Esse impacto poderia acontecer por meio de mudanças epigenéticas – modificações que controlam a atividade dos genes sem alterar o DNA em si, mas influenciando quais genes são ativados ou silenciados. 


Pesquisadores estão explorando o potencial do ácido 10-hidroxi-2-decenoico (10HDA), um componente da geleia real produzida por abelhas, como uma opção de intervenção nutricional para o TEA. 


Estudos indicam que o 10HDA ajuda a manter o equilíbrio de alguns processos celulares importantes para o cérebro e atua em elementos que respondem ao estrogênio, promovendo a neurogênese (criação de novas células cerebrais).


Esses efeitos sugerem que ele pode ser útil para combater os impactos negativos de produtos químicos como o BPA no desenvolvimento cerebral, especialmente se houver mais pesquisas comprovando esses resultados em humanos.


Pesquisadores da  University of Melbourne, investigaram se uma maior exposição pré-natal ao BPA leva a um risco elevado de TEA em homens e exploraram a aromatase como um potencial mecanismo subjacente. Eles publicaram seus resultados na renomada Nature Communications.


Eles examinaram a interação entre BPA pré-natal, função da aromatase e sexo em relação aos sintomas e diagnóstico de TEA humano na coorte de nascimento do Barwon Infant Study (BIS). De junho de 2010 a junho de 2013, coletou-se amostras de 1.074 pares mãe-bebê (10 pares de gêmeos). Dessas, um total de 847 crianças tinham medidas pré-natais de bisfenol A disponíveis.


Ao todo 43 crianças tiveram um diagnóstico de TEA confirmado por pediatra ou psiquiatra contra os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição (DSM-5). O diagnóstico de TEA foi super-representado em meninos com uma proporção de 2,1:1 aos 9 anos (29 meninos e 14 meninas). 


Entre as mães que apresentavam altos níveis de BPA durante a gravidez, foi observado que seus filhos tinham maior chance de desenvolver sintomas de autismo, especialmente os meninos.


O BPA parece afetar o funcionamento da aromatase, uma enzima crucial para regular o estrogênio, hormônio que ajuda no desenvolvimento do cérebro fetal.


Quando a aromatase é inibida pelo BPA, o desenvolvimento do cérebro pode ser alterado, levando a sintomas semelhantes ao autismo, como comportamentos repetitivos e dificuldades sociais.


Experimentos com camundongos mostraram que o BPA causa mudanças no comportamento e na estrutura do cérebro, incluindo alterações em áreas cerebrais importantes para memória, sociabilidade e controle motor. 

Camundongos machos expostos a BPA e camundongos knockout de aromatase (ArKO) têm déficits de sociabilidade e aumento do comportamento de limpeza. Sociabilidade é a maior proporção de tempo gasto na zona de interação com estranhos em comparação com a zona de interação vazia. No teste de interação social de três câmaras (A), camundongos expostos a BPApassaram menos tempo investigando o camundongo estranho em comparação com camundongos machos de controle. B) Camundongos machos ArKO também passaram menos tempo com o estranho em comparação com companheiros de ninhada machos WT. C) Um esquema do teste de sociabilidade de 3 câmaras. D) Camundongos machos expostos ao BPA passaram mais tempo se limpando em comparação aos camundongos de controle. Não houve diferenças entre camundongos fêmeas expostos ao BPA  e fêmeas de controle. 


Para entender se esses efeitos poderiam ser revertidos, o estudo também testou o uso de 10HDA (um composto da geleia real) em camundongos, que ajudou a reduzir os efeitos negativos do BPA no cérebro e a melhorar o comportamento social dos camundongos afetados.


Os pesquisadores sugerem que reduzir a exposição ao BPA pode diminuir os riscos de problemas no desenvolvimento do cérebro durante a gravidez. O estudo também aponta o 10HDA como um possível tratamento para reduzir os impactos do BPA no neurodesenvolvimento, mas mais pesquisas são necessárias antes de testar em humanos.

Neurônios corticais masculinos expostos a BPA e exposição a 10HDA in vitro. A) Fotomicrografias representativas de culturas primárias de neurônios corticais embrionários de camundongos, a coloração vermelha é βIII tubulina e verde é aromatase. B) Comparado ao grupo BPA, o grupo veículo e o grupo BPA + 10HDA têm neuritos significativamente maiores. O grupo BPA + 10HDA tem neuritos mais longos em comparação ao grupo veículo, e não há diferença entre os grupos veículo e 10HDA. C) Comparado ao grupo BPA, o grupo veículo e o grupo BPA + 10HDA têm densidades de espinha significativamente maiores. O grupo BPA + 10HDA tem uma densidade de espinha maior em comparação ao grupo veículo, e não há diferença entre os grupos veículo e 10HDA.


Apesar dos resultados promissores, o estudo reconhece algumas limitações. Isso indica a necessidade de mais estudos e, idealmente, um ensaio clínico para confirmar esses efeitos em humanos.


Essas descobertas podem levar a novas recomendações para a exposição ao BPA, especialmente para gestantes, e exploram uma abordagem potencial de proteção com o 10HDA.

 


LEIA MAIS:


Male autism spectrum disorder is linked to brain aromatase disruption by prenatal BPA in multimodal investigations and 10HDA ameliorates the related mouse phenotype.

Symeonides C, Vacy K, Thomson S, et al.  

Nat Commun 15, 6367 (2024). https://doi.org/10.1038/s41467-024-48897-8


Abstract:


Male sex, early life chemical exposure and the brain aromatase enzyme have been implicated in autism spectrum disorder (ASD). In the Barwon Infant Study birth cohort (n = 1074), higher prenatal maternal bisphenol A (BPA) levels are associated with higher ASD symptoms at age 2 and diagnosis at age 9 only in males with low aromatase genetic pathway activity scores. Higher prenatal BPA levels are predictive of higher cord blood methylation across the CYP19A1 brain promoter I.f region (P = 0.009) and aromatase gene methylation mediates (P = 0.01) the link between higher prenatal BPA and brain-derived neurotrophic factor methylation, with independent cohort replication. BPA suppressed aromatase expression in vitro and in vivo. Male mice exposed to mid-gestation BPA or with aromatase knockout have ASD-like behaviors with structural and functional brain changes. 10-hydroxy-2-decenoic acid (10HDA), an estrogenic fatty acid alleviated these features and reversed detrimental neurodevelopmental gene expression. Here we demonstrate that prenatal BPA exposure is associated with impaired brain aromatase function and ASD-related behaviors and brain abnormalities in males that may be reversible through postnatal 10HDA intervention.






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