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Estresse Pós-Traumático e Depressão: As Alterações Moleculares que Moldam o Cérebro


Pesquisadores examinaram a relação entre as alterações no cérebro e as proteínas no sangue em mais de 50.000 participantes do UK Biobank, e encontraram correlações significativas e semelhanças entre os marcadores cerebrais e sanguíneos compartilhados e específicos em transtorno de estresse pós-traumático e transtorno depressivo maior, destacando possíveis biomarcadores e alvos terapêuticos.


Os transtornos relacionados ao estresse, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e o transtorno depressivo maior (TDM), resultam de uma complexa interação entre fatores genéticos e a exposição ao estresse ao longo da vida. 


Essas interações levam a modificações epigenéticas no genoma humano, alterando a expressão de genes e proteínas, o que pode contribuir para o desenvolvimento desses transtornos. 


Estudos anteriores com amostras de cérebro de pessoas que faleceram, focados no transtorno de estresse pós-traumático e transtorno depressivo maior, revelaram algumas semelhanças genéticas e diferenças sexuais, além do envolvimento de mecanismos imunológicos e neuronais. 


No entanto, esses estudos geralmente se limitaram a uma única camada de análise biológica, o que impediu uma compreensão mais ampla e integrada dos fundamentos moleculares desses transtornos.

Para superar essas limitações, pesquisadores do Broad Institute do MIT e Harvard University, criaram um banco de dados abrangente, analisando múltiplas regiões cerebrais e utilizando uma abordagem multiômica. 


Eles estudaram cérebros de indivíduos com transtorno de estresse pós-traumático, transtorno depressivo maior e controles neurotípicos (231 participantes no total, com 77 em cada grupo).


O foco estava em três regiões cerebrais: o núcleo central da amígdala (CeA), o córtex pré-frontal medial (mPFC) e o giro dentado do hipocampo (DG). 

Eles examinaram mudanças nos níveis de RNA (transcriptômico), metilação de DNA (metilômico) e proteínas (proteômico) nessas áreas. Além disso, complementaram essas análises com sequenciamento de RNA de núcleo único (snRNA-seq), genética e estudos de proteínas no plasma sanguíneo, buscando uma perspectiva integrada dos sistemas biológicos envolvidos no TEPT e TDM.


O snRNA-seq (sequenciamento de RNA de núcleo único) é uma técnica de sequenciamento que permite a análise detalhada do transcriptoma em células individuais, com foco específico no RNA presente no núcleo.


Essa técnica oferece uma visão aprofundada dos processos de transcrição e regulação gênica que ocorrem dentro do núcleo, proporcionando informações valiosas que muitas vezes não são capturadas em outras abordagens de sequenciamento.

O processo de snRNA-seq começa com o isolamento de núcleos celulares. Para isso, as células são submetidas a um processo de lise, que quebra a membrana celular e libera o núcleo, preservando o RNA nuclear. 


Essa etapa é crucial, especialmente em tecidos complexos ou frágeis, onde a dissociação completa das células pode danificar ou perder informações importantes. Uma vez isolados, os núcleos são processados para extrair o RNA contido neles, que inclui tanto o RNA mensageiro (mRNA) quanto outros tipos de RNA nuclear que ainda não foram processados completamente.


Depois da extração do RNA, o material genético é convertido em DNA complementar (cDNA) e sequenciado usando tecnologias de sequenciamento de nova geração (NGS). Esse sequenciamento permite a quantificação da expressão gênica em um nível altamente detalhado, célula por célula, possibilitando a análise de quais genes estão ativos e como eles estão sendo regulados.


Uma das principais vantagens do snRNA-seq é sua capacidade de preservar o contexto celular. Isso é particularmente útil em estudos que envolvem tecidos difíceis de dissociar, como o cérebro, ou amostras fixadas e congeladas. 


Além disso, essa técnica permite o estudo da regulação gênica precoce, uma vez que analisa o RNA ainda no núcleo, capturando transcritos que podem não estar presentes no citoplasma.


O snRNA-seq é amplamente aplicado em pesquisas sobre doenças, desenvolvimento celular e diferenciação. Por exemplo, na pesquisa de doenças, essa técnica ajuda a identificar alterações no transcriptoma que podem estar associadas a condições como câncer, distúrbios neurológicos e doenças inflamatórias. 

Também é utilizada para explorar como a expressão gênica é regulada durante o desenvolvimento e a diferenciação celular.


Os resultados revelaram que a maioria das mudanças moleculares foi observada no mPFC, onde genes diferencialmente expressos e seus exons apresentaram os sinais mais fortes de doença. No entanto, a metilação alterada foi mais evidente no giro dentado do hipocampo de indivíduos com TEPT e no núcleo central da amígdala de indivíduos com TDM. 


A metilação de DNA é um processo químico em que grupos metil (um átomo de carbono ligado a três átomos de hidrogênio) são adicionados ao DNA, geralmente na posição 5 do anel da citosina, uma das quatro bases do DNA.  


Esse processo não altera a sequência do DNA, mas pode influenciar a forma como os genes são expressos. A metilação de DNA atua como uma espécie de "etiqueta" que pode ligar ou desligar genes, regulando sua atividade sem modificar a sequência genética subjacente. 


Esse mecanismo é essencial para processos normais como o desenvolvimento, a diferenciação celular e a manutenção da identidade celular. No entanto, alterações na metilação podem estar associadas a várias doenças, incluindo câncer, onde os padrões normais de metilação são frequentemente perturbados, levando à ativação ou repressão inadequada de genes.

Esses achados foram confirmados por meio de análises de replicação utilizando dados multiômicos de duas coortes adicionais. Também foi encontrada uma sobreposição moderada entre os dois transtornos, com traumas na infância e suicídio sendo fatores significativos para as variações moleculares em ambos. Diferenças específicas de sexo foram mais evidentes no TDM.


As análises de vias moleculares conectaram as alterações associadas à doença a mecanismos imunológicos, metabolismo, função mitocondrial, regulação neuronal e sinalização do hormônio do estresse.


Entre os principais reguladores identificados estavam genes e fatores como IL1B, GR, STAT3 e TNF.


Através de análises de fatores multiômicos e redes genéticas, os pesquisadores identificaram elementos subjacentes aos transtornos, sugerindo a influência de processos relacionados ao envelhecimento, inflamação e estresse.


A fim de complementar essas descobertas, os pesquisadores também realizaram análises de snRNA-seq no córtex pré-frontal dorsolateral, revelando genes diferencialmente expressos, vias desreguladas e reguladores em diferentes tipos de células, tanto neuronais quanto não neuronais. 


Esses achados incluíram genes relacionados ao estresse e ao funcionamento cerebral. Quando examinaram a relação entre as alterações no cérebro e as proteínas no sangue em mais de 50.000 participantes do UK Biobank, encontraram correlações significativas e semelhanças entre os marcadores cerebrais e sanguíneos. 


O mapeamento dos resultados de estudos de associação genômica ampla (GWAS) para TEPT e TDM mostrou uma sobreposição limitada entre o risco genético e os processos de doença, tanto nos níveis de gene quanto de via. 

Dissecação de biologia de sistemas de TEPT e TDM. A interação entre suscetibilidade genética e exposição ao estresse, ocorrendo tanto no início quanto no final da vida, contribui para a patogênese de transtornos relacionados ao estresse e sua progressão após o diagnóstico até a morte. Essa abordagem de sistemas integrativos combina análises multirregionais e multiômicas com transcriptômica de núcleo único, proteômica de plasma sanguíneo e mapeamento fino baseado em GWAS para fornecer insights mais profundos sobre mecanismos moleculares associados ao risco e aqueles envolvidos no processo da doença.


No final, os pesquisadores priorizaram genes com associações multiômicas e multitraços, aqueles envolvidos em múltiplas camadas biológicas (como DNA, RNA, proteínas) e que influenciam diversos traços ou características em condições de saúde ou doença, muitos dos quais fazem parte de vias ou redes específicas, apresentam potencial como biomarcadores sanguíneos ou estão envolvidos no risco genético para TEPT e TDM. 


Essas descobertas fornecem uma compreensão detalhada das desregulações moleculares compartilhadas e específicas em TEPT e TDM, revelam a participação de tipos celulares específicos e destacam possíveis biomarcadores e alvos terapêuticos.



LEIA MAIS:


Systems biology dissection of PTSD and MDD across brain regions, cell types, and blood

NIKOLAOS P. DASKALAKIS, ARTEMIS IATROU, CHRIS CHATZINAKOS, 

AARTI JAJOO, CLARA SNIJDERS, DENNIS WYLIE, CHRISTOPHER P. DIPIETRO, IOULIA TSATSANI, CHIA-YEN CHEN, AND KERRY J. RESSLER et al.

SCIENCE, 24 May 2024, Vol 384, Issue 6698

DOI: 10.1126/science.adh3707


Abstract:


The molecular pathology of stress-related disorders remains elusive. Our brain multiregion, multiomic study of posttraumatic stress disorder (PTSD) and major depressive disorder (MDD) included the central nucleus of the amygdala, hippocampal dentate gyrus, and medial prefrontal cortex (mPFC). Genes and exons within the mPFC carried most disease signals replicated across two independent cohorts. Pathways pointed to immune function, neuronal and synaptic regulation, and stress hormones. Multiomic factor and gene network analyses provided the underlying genomic structure. Single nucleus RNA sequencing in dorsolateral PFC revealed dysregulated (stress-related) signals in neuronal and non-neuronal cell types. Analyses of brain-blood intersections in >50,000 UK Biobank participants were conducted along with fine-mapping of the results of PTSD and MDD genome-wide association studies to distinguish risk from disease processes. Our data suggest shared and distinct molecular pathology in both disorders and propose potential therapeutic targets and biomarkers.

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