Estados Cognitivos Ocultos: O Que As Expressões Faciais Podem De Fato Revelar
- Lidi Garcia
- 27 de jun.
- 6 min de leitura

Este estudo investiga como os estados internos, como atenção e motivação, influenciam o comportamento de macacos e camundongos durante uma tarefa natural em realidade virtual. Usando tecnologia avançada para analisar expressões faciais, os cientistas descobriram que ambos os animais mostram padrões faciais semelhantes ligados a seus estados internos. Isso ajuda a entender melhor como diferentes espécies compartilham formas de expressar emoções e pensamentos por meio do rosto.
Na natureza, os mamíferos, independentemente da espécie, compartilham uma série de comportamentos fundamentais para a sobrevivência. Todos, de camundongos a macacos, precisam procurar alimento, descansar, se reproduzir, evitar perigos e explorar o ambiente ao seu redor. Esses comportamentos não são apenas respostas automáticas a estímulos do ambiente, como se um animal reagisse mecanicamente ao cheiro de comida ou ao som de um predador.
Na verdade, eles são guiados por estados internos dinâmicos, como fome, cansaço, curiosidade, medo ou atenção. Esses estados internos mudam ao longo do tempo e influenciam diretamente as ações dos animais. Isso nos leva a uma pergunta intrigante: será que os estados internos que motivam essas ações são parecidos entre espécies diferentes? Será que o que chamamos de “atenção” em um camundongo é o mesmo tipo de atenção que vemos em um macaco?
Tradicionalmente, os cientistas tentaram entender esses estados internos usando métodos bastante restritivos e simplificados. Em muitos experimentos, os animais são colocados em situações muito controladas, com tarefas limitadas e repetitivas, como apertar um botão ou mover o nariz quando um sinal aparece.

Além disso, os tipos de tarefas variam bastante dependendo da espécie estudada, dificultando a comparação entre elas. Por exemplo, para estudar a atenção em macacos, normalmente eles precisam olhar fixamente para um ponto enquanto observam alterações sutis em algum objeto na periferia do campo de visão.
Já com os camundongos, os estudos costumam envolver uma tarefa em que eles precisam detectar rapidamente qual de cinco buracos acende uma luz e ir até lá. Apesar de os resultados dessas tarefas, como tempos de reação rápidos ou respostas corretas, indicarem atenção nos dois casos, as tarefas são tão diferentes que fica difícil dizer se a atenção que estamos medindo nos macacos é comparável à dos camundongos.
Para superar essas limitações, seria ideal estudar os estados internos dos animais enquanto eles se comportam de forma mais natural, sem tantas imposições artificiais. Isso, no entanto, é um grande desafio. Para ser eficaz, um bom método deve se basear em comportamentos que os animais já realizam naturalmente, sem depender de treinamentos intensivos.

Crianças de apenas três anos reconhecem 'fofura' nos rostos de pessoas e animais. by University of Lincoln
Além disso, os cientistas precisam encontrar formas de identificar os estados internos dos animais sem forçar conceitos humanos, como tentar impor uma ideia de “atenção” ou “motivação” que pode não fazer sentido para aquela espécie.
E, por fim, o método deve conseguir acompanhar como esses estados mudam ao longo do tempo, já que eles são dinâmicos por natureza. Para isso, simplesmente contar quantas vezes um animal aperta um botão ou movimenta o nariz não basta. É preciso observar detalhadamente como o animal se movimenta, momento a momento, para conseguir identificar os estados internos a partir desses pequenos sinais comportamentais.
Avanços recentes na tecnologia têm ajudado a abrir novos caminhos para esse tipo de estudo. Um exemplo são os ambientes de realidade virtual, que permitem criar cenários altamente controlados, mas ao mesmo tempo imersivos e realistas para os animais.
Esses ambientes podem ser ajustados para se adequar às habilidades sensoriais e comportamentais de diferentes espécies, permitindo que macacos e camundongos, por exemplo, realizem tarefas muito semelhantes, o que facilita as comparações entre eles.

Outra inovação vem do uso de algoritmos de aprendizado profundo, que possibilitam o rastreamento automático e preciso dos movimentos dos animais, inclusive das mudanças sutis na postura e na expressão facial. Isso permite que os cientistas monitorem em tempo real a dinâmica do comportamento e tentem deduzir quais estados internos estão por trás das ações observadas.
Neste estudo em particular, os pesquisadores da Max Planck, Alemanha, usaram essas tecnologias para explorar e comparar os estados internos espontâneos de macacos e camundongos, duas espécies muito usadas em pesquisas de neurociência.
Eles criaram uma tarefa em realidade virtual onde os animais tinham que procurar alimento em um ambiente simulado, de forma naturalista. Enquanto os animais realizavam essa tarefa, seus comportamentos, em especial suas expressões faciais, foram registrados em vídeo e analisados com uma ferramenta avançada de aprendizado profundo.
As informações extraídas dessas expressões foram usadas como base para um modelo matemático chamado Regressão Linear de Comutação de Markov, que ajuda a identificar padrões nos dados e inferir estados internos que mudam ao longo do tempo.

Um aspecto fundamental desse trabalho foi evitar que o modelo apenas captasse movimentos ligados diretamente ao sucesso ou fracasso na tarefa. Por exemplo, movimentos das patas que indicam que o animal está prestes a acertar a resposta poderiam facilmente gerar previsões, mas isso não revelaria nada sobre os estados internos reais do animal.
Por isso, o foco foi nas expressões faciais, porque elas podem refletir emoções e processos internos de forma mais sutil e menos ligada ao movimento motor direto. Embora muitos pensem que expressões faciais são relevantes apenas para espécies sociais e visuais, como macacos e humanos, pesquisas recentes mostraram que até mesmo camundongos apresentam expressões faciais que indicam estados como prazer, dor ou medo.
Isso sugere que as expressões faciais podem ter um papel evolutivamente conservado na comunicação e no reflexo das emoções.
Além disso, diferentes aspectos das faces dos animais, como o tamanho da pupila, os movimentos dos olhos ou dos bigodes, já foram usados em vários estudos para investigar processos como atenção, excitação e tomada de decisão. Contudo, os pesquisadores deste estudo foram além e procuraram captar um panorama mais completo das expressões faciais, em vez de focar em características isoladas.

Essa imagem mostra como os cientistas usaram as expressões faciais de macacos e camundongos para entender o que se passa na mente dos animais durante uma tarefa. No painel A, gráficos em forma de aranha indicam quais partes do rosto (como olhos, pupila, nariz, orelha e bigodes) mais ajudaram a prever se o animal ia acertar, errar ou não responder na tarefa. No painel B, vemos que, ao comparar só os traços que os dois animais têm em comum, há um padrão semelhante entre as espécies, ou seja, macacos e camundongos usam partes do rosto parecidas para expressar seus estados internos. O painel C mostra quanto cada característica do rosto muda de um estado para outro. Por fim, o painel D ilustra como o modelo consegue adivinhar, em uma única tentativa, o estado interno do animal com base no rosto, comparando a expressão facial do momento com uma média das expressões típicas de cada estado. Isso tudo reforça que o rosto dos animais revela muito sobre o que eles estão sentindo ou pensando durante uma tarefa.
Ao fazer isso, eles esperavam mapear de maneira mais rica e detalhada o conjunto de estados internos que surgem naturalmente durante o comportamento dos animais, permitindo comparações diretas entre espécies de forma mais objetiva e livre de pressupostos humanos.
Por fim, o estudo mostrou que os estados internos inferidos a partir das expressões faciais eram capazes de prever com segurança os momentos em que os animais reagiriam aos estímulos apresentados na tarefa.
Esses estados também estavam ligados ao desempenho dos animais e mostraram padrões faciais semelhantes entre macacos e camundongos, o que reforça a ideia de que as expressões faciais são uma manifestação importante e compartilhada de estados cognitivos internos entre diferentes espécies.
Essa abordagem inovadora nos oferece uma nova janela para entender como os estados internos guiam o comportamento animal e como eles podem ser comparados de forma significativa entre espécies distintas.
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Inferring internal states across mice and monkeys using facial features
Alejandro Tlaie, Muad Y. Abd El Hay, Berkutay Mert, Robert Taylor, Pierre-Antoine Ferracci, Katharine Shapcott, Mina Glukhova, Jonathan W. Pillow, Martha N. Havenith, and Marieke L. Schölvinck
Nature Communications. volume 16, Article number: 5168 (2025)
Abstract:
Animal behaviour is shaped to a large degree by internal cognitive states, but it is unknown whether these states are similar across species. To address this question, here we develop a virtual reality setup in which male mice and macaques engage in the same naturalistic visual foraging task. We exploit the richness of a wide range of facial features extracted from video recordings during the task, to train a Markov-Switching Linear Regression (MSLR). By doing so, we identify, on a single-trial basis, a set of internal states that reliably predicts when the animals are going to react to the presented stimuli. Even though the model is trained purely on reaction times, it can also predict task outcome, supporting the behavioural relevance of the inferred states. The relationship of the identified states to task performance is comparable between mice and monkeys. Furthermore, each state corresponds to a characteristic pattern of facial features that partially overlaps between species, highlighting the importance of facial expressions as manifestations of internal cognitive states across species.
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