Esquizofrenia Pode Ter Origem em Dano à “Capa Protetora” dos Neurônios
- Lidi Garcia
- 28 de abr.
- 5 min de leitura

O estudo investigou como uma proteína chamada hnRNP A1, que ajuda a controlar a produção de outras proteínas no cérebro, influencia a recuperação da mielina, uma substância que protege os neurônios. Usando camundongos, os cientistas bloquearam essa proteína e viram que isso afetou várias funções cerebrais importantes, como a comunicação entre neurônios e processos ligados à memória. Apesar disso, os camundongos não mostraram mudanças no comportamento. A pesquisa ajuda a entender melhor como certos problemas nas células do cérebro podem estar ligados a doenças como esclerose múltipla e Alzheimer.
Os oligodendrócitos são células do cérebro e da medula espinhal que têm uma função muito importante: elas produzem a mielina, uma substância que forma uma espécie de “capa protetora” em volta dos neurônios. Essa capa ajuda os impulsos elétricos a viajarem rapidamente e de forma eficiente pelo sistema nervoso.
Durante o desenvolvimento do cérebro, os oligodendrócitos são fundamentais para formar essa proteção. E, se acontecer algum dano, como em certas doenças, eles também tentam reparar essa mielina.
No entanto, quando essas células sofrem danos ou morrem, isso pode causar ou agravar doenças como esclerose múltipla, Alzheimer e até transtornos como a esquizofrenia.
Uma das coisas que pode atrapalhar o funcionamento dos oligodendrócitos é um grupo especial de proteínas chamadas RBPs, ou proteínas de ligação ao RNA. Essas proteínas atuam como “tradutoras” das informações genéticas, ajudando as células a entender e usar corretamente o que está escrito no DNA para produzir outras proteínas importantes.

Oligodendrócito em branco
Em algumas doenças neurológicas, essas proteínas RBPs não funcionam como deveriam. Às vezes, estão em locais errados dentro da célula, ou são produzidas em quantidades diferentes do normal, a mais ou a menos. Quando isso acontece, o equilíbrio da célula se quebra, o que pode atrapalhar sua função e até contribuir para o desenvolvimento de doenças no cérebro.
Entre as RBPs, existe um grupo chamado hnRNPs. Essas proteínas trabalham dentro dos próprios oligodendrócitos e ajudam em várias tarefas importantes.
Elas influenciam o crescimento e a multiplicação dessas células, e também participam diretamente da produção de substâncias essenciais para a formação da mielina, como as proteínas MBP e PLP, que são componentes fundamentais dessa “capa protetora” dos neurônios.
Algumas hnRNPs, por exemplo, são responsáveis por levar o material genético até o local certo dentro da célula, onde a mielina será produzida. Outras controlam o momento e a quantidade dessa produção.
Pesquisas recentes descobriram que uma dessas proteínas, chamada hnRNP A1, pode estar alterada em doenças como a esclerose múltipla. Quando isso acontece, ela pode estar relacionada à perda da mielina e até à morte dessas células.
Outra função muito importante dessas proteínas é o "splicing", um processo que funciona como uma edição do RNA (que é como uma cópia das instruções do DNA). Essa edição permite que a célula produza diferentes versões de uma mesma proteína a partir de um único gene.
A hnRNP A1 tem papel fundamental nesse processo de edição, e interage com outras proteínas para garantir que as versões certas sejam feitas no momento certo. Isso é essencial para o funcionamento adequado das células e pode influenciar o aparecimento ou agravamento de doenças neurológicas quando algo dá errado.

Neste estudo específico, os pesquisadores quiseram entender o que acontece quando a atividade da hnRNP A1 é inibida no cérebro de camundongos. Para isso, eles usaram uma substância chamada cuprizona, que provoca a perda de mielina em regiões específicas do cérebro, simulando o que ocorre em doenças como a esclerose múltipla.
Depois disso, administraram um remédio experimental chamado VPC-80051, que bloqueia a ação de splicing da hnRNP A1, para analisar como isso afeta a recuperação da mielina nas semanas seguintes.
Os cientistas da University of Campinas, Brasil, estudaram três áreas importantes do cérebro: o corpo caloso (que conecta os dois lados do cérebro), o córtex pré-frontal (ligado a funções como pensamento, emoções e comportamento) e o hipocampo (fundamental para a memória).
Eles analisaram as proteínas presentes nessas regiões após o tratamento, para entender como a atividade da hnRNP A1 impacta o processo de recuperação da mielina e o funcionamento geral do cérebro.

(A) Desenho esquemático mostrando como o experimento foi feito para estudar os efeitos da cuprizona, uma substância usada para causar perda de mielina no cérebro.
(B) Imagens do cérebro, mais especificamente de uma região chamada corpo caloso, tingidas com um corante especial que destaca a mielina. Comparando os grupos: os camundongos que receberam cuprizona apresentaram uma redução clara na mielina após cinco semanas. No entanto, após a fase de recuperação, foi possível ver uma melhora na quantidade de mielina.
(C) Imagens com coloração por fluorescência (um tipo de marcação que brilha sob luz especial), também do corpo caloso. Elas mostram a diferença entre os cérebros dos animais que não receberam a substância e os que foram tratados com cuprizona, tanto no momento de maior perda de mielina (semana 5) quanto na fase de recuperação (semana 10).
Os resultados mostraram que, ao bloquear essa proteína, várias outras proteínas envolvidas na formação da mielina foram afetadas. Além disso, vias biológicas relacionadas ao funcionamento de sinapses (locais onde os neurônios se comunicam), à memória e ao equilíbrio químico do cérebro também foram alteradas.
Isso indica que a hnRNP A1 tem um papel mais amplo do que se pensava, influenciando não só a produção da mielina, mas também a comunicação entre os neurônios.
Mesmo com essas mudanças no nível molecular, os camundongos não apresentaram alterações no comportamento durante os testes, o que sugere que os efeitos observados podem estar ocorrendo de forma sutil, ou ainda não suficientemente intensos para gerar sintomas visíveis.
De qualquer forma, o estudo trouxe novas pistas importantes sobre como certas proteínas controlam o funcionamento cerebral, e como elas podem estar envolvidas em doenças neurodegenerativas. Esses dados podem ajudar a desenvolver novos tratamentos no futuro.
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Caroline Brandão-Teles, Victor Corasolla Carregari, Guilherme Reis-de-Oliveira, Bradley J. Smith, Yane Chaves, Aline Valéria Sousa Santos, Erick Martins de Carvalho Pinheiro, Caio C. Oliveira, Andre Schwambach Vieira, Fernanda Crunfli, Daniel Martins-de-Souza
Journal of Neurochemistry. Volume169, Issue1 January 2025 e16304
Abstract
Oligodendrocytes, the myelinating cells in the central nervous system, are implicated in several neurological disorders marked by dysfunctional RNA–binding proteins (RBPs). The present study aimed at investigating the role of hnRNP A1 in the proteome of the corpus callosum, prefrontal cortex, and hippocampus of a murine cuprizone–induced demyelination model. Right after the cuprizone insult, we administered an hnRNP A1 splicing activity inhibitor and analyzed its impact on brain remyelination by nanoESI-LC-MS/MS label-free proteomic analysis to assess the biological processes affected in these brain regions. Significant alterations in essential myelination proteins highlighted the involvement of hnRNP A1 in maintaining myelin integrity. Pathways related to sphingolipid and endocannabinoid signaling were affected, as well as the synaptic vesicle cycle and GABAergic synapses. Although behavioral impairments were not observed, molecular changes suggest potential links to memory, synaptic function, and neurotransmission processes. These findings enhance our understanding of the multifaceted roles of hnRNP A1 in the central nervous system, providing valuable insights for future investigations and therapeutic interventions in neurodegenerative and demyelinating diseases.
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