Resumo:
Esta pesquisa propõe uma visão nova sobre as origens da esquizofrenia, ao destacar a placenta como um fator-chave no desenvolvimento do transtorno. Em vez de atuar apenas no cérebro, mais de 100 genes associados ao risco de esquizofrenia parecem influenciar o funcionamento da placenta, onde ajudam a regular a troca de nutrientes entre mãe e bebê. Essa descoberta desafia a crença de que o risco genético afeta exclusivamente o desenvolvimento cerebral e sugere que o monitoramento da saúde placentária pode ser essencial para prevenir transtornos do desenvolvimento, incluindo a esquizofrenia.
O estudo recente sobre o papel da placenta no desenvolvimento da esquizofrenia desafia a visão tradicional de que genes de risco associados ao transtorno afetam diretamente o cérebro.
A placenta, primeiro órgão a se formar no feto, funciona como um elo vital entre mãe e bebê, fornecendo oxigênio e nutrientes essenciais, eliminando resíduos e protegendo o feto de infecções e respostas imunológicas prejudiciais.
Essas funções são essenciais para o desenvolvimento saudável do cérebro, e a disfunção placentária tem sido associada a riscos aumentados de transtornos neuropsiquiátricos, como a esquizofrenia.
Em detalhes, a esquizofrenia afeta cerca de 1% da população mundial e é mais prevalente em homens. Embora o diagnóstico geralmente ocorra na adolescência ou início da vida adulta, as raízes do transtorno parecem estar ligadas a processos do desenvolvimento inicial.
Pesquisas mostram que a esquizofrenia tem herdabilidade estimada entre 50% e 80%, e estudos de associação ampla do genoma (GWAS) identificaram centenas de variantes genéticas ligadas ao transtorno. Essas variantes podem explicar cerca de 7,3% da predisposição genética, mas a ciência ainda investiga como essas variantes alteram o funcionamento biológico para aumentar o risco do transtorno.
Para entender melhor esses mecanismos, os cientistas da Johns Hopkins University School of Medicine usaram métodos como o Transcriptome-Wide Association Study (TWAS) e o Summary data-based Mendelian Randomization (SMR), seus resultados foram publicados na revista Nature Communications.
O TWAS e SMR são ferramentas de bioinformática e genética estatística que permitem investigar como variantes genéticas influenciam a expressão de genes específicos e, por sua vez, afetam o risco de desenvolver doenças complexas, como a esquizofrenia. Ambos ajudam a esclarecer como a predisposição genética se relaciona a características biológicas de um órgão ou tecido específico e ao risco de doenças, mas fazem isso de maneiras diferentes.
Eles utilizaram amostras de 147 placentas saudáveis a termo para derivar genes causais placentários candidatos que confirmaram com SMR; para procurar associações específicas de placenta e esquizofrenia, realizaram uma análise análoga no cérebro em 166 amostras e TWAS de placenta adicional para outros transtornos/características.
Essas abordagens analisam a expressão dos genes de risco não apenas no cérebro, mas também na placenta, identificando o impacto dessas variantes na capacidade da placenta de captar e trocar nutrientes com a corrente sanguínea materna.
Os pesquisadores descobriram que mais de 100 genes de risco para esquizofrenia parecem influenciar a função placentária de forma mais direta que o desenvolvimento cerebral.
Outro ponto de atenção do estudo é o impacto de complicações durante a gravidez, como infecções. A pesquisa mostrou que a interação entre fatores genéticos e complicações perinatais pode amplificar o risco de esquizofrenia em até cinco vezes.
Em particular, placentas de mães que contraíram COVID-19 durante a gravidez apresentaram expressão aumentada desses genes de risco, sugerindo que a infecção pelo SARS-CoV-2 pode interferir nos processos placentários e contribuir para o desenvolvimento de transtornos neuropsiquiátricos.
Os pesquisadores descobriram que os genes da esquizofrenia influenciam uma função crítica da placenta para detectar nutrientes na corrente sanguínea da mãe, incluindo oxigênio, e trocar nutrientes com base no que encontra.
Os genes de risco da esquizofrenia são mais pouco expressos nas células da placenta que formam o núcleo dessa troca de nutrientes materno-fetal, chamadas trofoblastos, afetando negativamente o papel da placenta na nutrição do feto em desenvolvimento.
O artigo também identifica vários genes na placenta que são fatores causais para diabetes, transtorno bipolar, depressão, autismo e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, ou TDAH.
Os cientistas, no entanto, encontraram muito mais associações genéticas com genes para esquizofrenia do que para qualquer um desses outros transtornos.
Os cientistas também encontraram diferenças interessantes baseadas no sexo nos genes de risco da placenta. Diferentes genes foram associados ao risco de esquizofrenia com base na origem da placenta, seja ela de um menino ou menina. Em gestações com meninos, os processos inflamatórios na placenta parecem desempenhar um papel central.
Pesquisas anteriores mostraram que os homens são mais vulneráveis do que as mulheres ao estresse pré-natal. Em termos gerais, transtornos do desenvolvimento, como esquizofrenia, ocorrem com mais frequência em homens e meninos.
A partir desses achados, o estudo abre novos caminhos para a prevenção da esquizofrenia, focando na saúde placentária como potencial ponto de intervenção. Avaliar a expressão de genes específicos na placenta e monitorar a saúde do órgão durante a gravidez pode permitir que médicos e cientistas desenvolvam estratégias de prevenção que reduzam o impacto do transtorno, oferecendo uma abordagem preventiva inovadora que complementa as pesquisas focadas no cérebro.
LEIA MAIS:
Prioritization of potential causative genes for schizophrenia in placenta.
Ursini G, Di Carlo P, Mukherjee S, et al.
Nat Commun 14, 2613 (2023). https://doi.org/10.1038/s41467-023-38140-1
Abstract:
Our earlier work has shown that genomic risk for schizophrenia converges with early life complications in affecting risk for the disorder and sex-biased neurodevelopmental trajectories. Here, we identify specific genes and potential mechanisms that, in placenta, may mediate such outcomes. We performed TWAS in healthy term placentae (N = 147) to derive candidate placental causal genes that we confirmed with SMR; to search for placenta and schizophrenia-specific associations, we performed an analogous analysis in fetal brain (N = 166) and additional placenta TWAS for other disorders/traits. The analyses in the whole sample and stratifying by sex ultimately highlight 139 placenta and schizophrenia-specific risk genes, many being sex-biased; the candidate molecular mechanisms converge on the nutrient-sensing capabilities of placenta and trophoblast invasiveness. These genes also implicate the Coronavirus-pathogenesis pathway and showed increased expression in placentae from a small sample of SARS-CoV-2-positive pregnancies. Investigating placental risk genes for schizophrenia and candidate mechanisms may lead to opportunities for prevention that would not be suggested by study of the brain alone.
Comments