Resumo:
A capacidade de detectar atividade convulsiva precocemente pode permitir a modulação de regiões cerebrais afetadas como uma opção terapêutica. Usando a tecnologia de eletroencefalograma (EEG), pesquisadores foram capazes de detectar atividade cerebral patológica associada a convulsões até trinta minutos antes de uma convulsão ocorrer em pacientes com epilepsia do lobo temporal.
No mundo, mais de 50 milhões de pessoas vivem com epilepsia, um distúrbio cerebral que as torna vulneráveis a crises convulsivas. Essas crises podem causar danos físicos, afetar profundamente a qualidade de vida e aumentar o risco de morte.
Para quem tem epilepsia, a ocorrência de convulsões é muitas vezes imprevisível, surgindo de forma aparentemente aleatória — como se fossem "um raio caindo do nada". Essa imprevisibilidade é uma grande limitação para a vida diária dos pacientes.
Na prática médica e científica, os episódios de atividade cerebral na epilepsia são geralmente classificados em três estados principais: o estado interictal (o período entre as convulsões), o estado ictal (quando a convulsão ocorre) e o estado pós-ictal (imediatamente após a convulsão).
No entanto, estudos recentes com o uso de eletroencefalogramas contínuos (EEG), que monitoram a atividade elétrica do cérebro, sugerem que existe uma complexidade maior nesses estados.
Foi possível identificar períodos em que o risco de uma nova crise convulsiva aumenta, subdividindo o estado interictal em estados específicos chamados de pré-ictal e pró-ictal.
O estado pré-ictal é o que ocorre alguns segundos ou minutos antes da convulsão, sendo um tipo de “aviso” imediato de que a convulsão está prestes a começar.
Já o estado pró-ictal representa um período mais longo, com alterações sutis na atividade cerebral que aumentam a probabilidade de convulsão. Esses estados pró-ictais, que podem durar muitos minutos ou até horas, indicam um período em que o cérebro está mais suscetível a ter uma convulsão, mesmo que ela não ocorra de forma imediata.
Ainda não está claro como os estados pró-ictais se diferenciam dos estados cerebrais normais do dia a dia, como durante o sono ou enquanto estamos acordados e alertas. E a falta de compreensão dos mecanismos exatos que criam esses estados pró-ictais limita o desenvolvimento de tratamentos eficazes para prevenir convulsões.
A epilepsia do lobo temporal é um dos tipos mais comuns e resistentes de epilepsia focal (quando as crises começam em uma área específica do cérebro). Esse tipo de epilepsia muitas vezes é tratado com cirurgias, como microcirurgias, ablação a laser ou neuromodulação (estimulação elétrica para controlar as crises).
Infelizmente, menos de 50% dos pacientes que passam por cirurgias alcançam uma redução duradoura das convulsões. A epilepsia está sendo cada vez mais entendida como um problema que afeta redes de estruturas cerebrais interconectadas, em vez de apenas uma área específica do cérebro.
Pesquisas indicam que alterações anormais nessas redes, incluindo áreas como o tálamo límbico, são fundamentais no desenvolvimento das crises.
O tálamo límbico é uma região do cérebro que ajuda a controlar grandes redes de comunicação entre áreas temporais e extratemporais, regula os estados de vigília e pode ser um alvo promissor para intervenções neuromoduladoras na epilepsia do lobo temporal.
Atualmente, as tentativas de prever convulsões usando EEG são focadas principalmente nas atividades do córtex cerebral (a camada externa do cérebro) e buscam identificar convulsões poucos minutos antes do início.
No entanto, pesquisadores da UTHealth Houston levantaram a hipótese de que esses estados pró-ictais, caracterizados por atividades cerebrais anormais e elevados riscos de convulsão, podem ser identificados muito antes do início das crises — possivelmente com até horas de antecedência.
Esses pesquisadores sugeriram que, ao monitorar o EEG que inclui tanto o córtex quanto o tálamo límbico (conhecido como EEG talamo-cortical), seria possível detectar esses estados pró-ictais com maior precisão.
Eles realizaram um estudo com 15 pacientes com epilepsia do lobo temporal, que passaram por gravações de EEG do tálamo límbico e do córtex para localização das convulsões.
Para cada paciente, foram analisados segmentos do EEG que antecediam as convulsões (até 45 minutos antes) e momentos interictais distantes (de pelo menos 4 horas longe de qualquer crise). Esses segmentos foram divididos em janelas de 10 minutos e separados aleatoriamente em dois grupos: um para treino do modelo de análise e outro para validação.
Foi utilizado um classificador neural profundo (uma ferramenta de aprendizado de máquina) para distinguir as atividades cerebrais associadas aos estados pró-ictais dos interictais, de forma personalizada para cada paciente. Foram analisadas mais de 1800 horas de EEG talamo-cortical contínuo.
Os resultados mostraram que cada paciente apresentava estados pró-ictais identificáveis. A precisão do modelo foi alta, com uma área mediana sob a curva (AUC) de 0,92, indicando uma forte capacidade de prever o risco de convulsão.
Em 13 dos 15 pacientes, foi possível detectar os estados pró-ictais com pelo menos 45 minutos de antecedência, e em 2 pacientes, esses estados foram detectados com 35 minutos de antecedência.
Flutuações em Π e eventos de convulsão observados durante avaliações de internação. Gráfico da saída do classificador (Π, linhas azuis) da totalidade dos dados de eletroencefalografia (EEG) obtidos durante a avaliação de internação para cada participante. Os eventos de convulsão são indicados por linhas vermelhas. Dados de EEG ausentes são indicados por manchas cinzas. As convulsões parecem ocorrer após aumentos em Π e se agrupar durante períodos de altos valores de Π. Por outro lado, a ocorrência de convulsões é esparsa durante períodos de baixos valores de Π. DOI: 10.1056/EVIDoa2200187
Esses achados sugerem que, com base no EEG talamo-cortical, é possível identificar atividades cerebrais que indicam um alto risco de convulsão em pacientes com epilepsia do lobo temporal, e que esses estados podem ser detectados mais de meia hora antes das crises.
A conclusão do estudo é que a existência desses estados cerebrais "não fisiológicos" durante períodos de alto risco de convulsão indica que terapias de neuromodulação adaptativa — ou seja, intervenções para modular a atividade cerebral de maneira adaptativa — poderiam ser aplicadas em momentos clinicamente significativos, com o potencial de prevenir o desenvolvimento das crises.
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Pro-Ictal State in Human Temporal Lobe Epilepsy
Adeel Ilyas, Omar A. Alamoudi, Kristen O. Riley, and Sandipan Pati
NEJM Evid 2023; 2 (3)
DOI: 10.1056/EVIDoa2200187
Abstract:
Studies of continuous electroencephalography (EEG) suggest that seizures in individuals with focal-onset epilepsies preferentially occur during periods of heightened risk, typified by pathologic brain activities, termed pro-ictal states; however, the presence of (pathologic) pro-ictal states among a plethora of otherwise physiologic (e.g., sleep–wake cycle) states has not been established. We studied a prospective, consecutive series of 15 patients with temporal lobe epilepsy who underwent limbic thalamic recordings in addition to routine (cortical) intracranial EEG for seizure localization. For each participant, pro-ictal (45 minutes before seizure onset) and interictal (4 hours removed from all seizures) EEG segments were divided into 10-minute, nonoverlapping windows, which were randomly distributed into training and validation cohorts in a 1:1 ratio. A deep neural classifier was applied to distinguish pro-ictal from interictal brain activities in a patient-specific fashion. We analyzed 1800 patient-hours of continuous thalamocortical EEG. Distinct pro-ictal states were detected in each participant. The median area under the receiver-operating characteristic curve of the classifier was 0.92 (interquartile range, 0.90–0.96). Pro-ictal states were distinguished at least 45 minutes before seizure onset in 13 of 15 participants; in 2 of 15 participants, they were distinguished up to 35 minutes prior.
On the basis of thalamocortical EEG, pro-ictal states — pathologic brain activities during periods of heightened seizure risk — could be identified in patients with temporal lobe epilepsy and were detected, in our small sample, more than one half hour before seizure onset.
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